

"Eu mesmo acho que não sou saudoso de nada", garante Martinho. "Que sou o hoje, o futuro. Mas ouvindo de novo algumas letras que gravei, como você está falando, acho que tem razão." Então, vamos ao que canta Martinho. Depois Não Sei é um típico samba martiniano, desses de cadência lenta, respirações longas e poesias desapressadas. Um pandeiro, alguma outra percussão, um violão e bandolim. Ouvir o homem de Canta Canta, Minha Gente e Mulheres dizendo versos como "fiquei adulto / Já estou maduro / Fui muito amado / E muito amei / Se Deus quiser, eu vou / Ficar bem velho / A morte é certa / Depois não sei" não parece tão fácil. Mais ou menos evidente, a saudade está no centro de Bandeira da Fé. Ó Que Saudade a coloca na frente de tudo. Mas mesmo em O Sonho Continua, que traz Rappin’ Hood rapeando a seu lado, fala, mesmo em forma de protesto, de um sonho.
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O samba Bandeira da Fé, de Martinho com Zé Catimba, tem um engavetamento curioso. Martinho nunca havia gravado. Música com potencial de hit desde a origem, com a exaltação que explodiu nos anos 1980, chegou a ser lançada por Luiz Carlos da Vila em 1983, sem nenhum barulho, e com mais holofotes por Agepê, em 1984. Gravando Martinho, Agepê (morto em 1995) estabeleceu a marca de primeiro sambista a vender mais de 1 milhão de cópias como o LP 'Mistura Brasileira'. "Meus discos sempre vinham conceituais e essa música sempre sobrava. Finalmente, consegui gravá-la", recorda.
'Minha Nova Namorada', vale o spoiler, é inteiramente declamada sobre uma base de cordas e uma percussão suave. Uma sonoridade bastante cabo-verdiana sem tempos marcados. É mais um momento em que Martinho deixa a festa, a divisão clássica do samba, e parte para uma narrativa falada. A "nova namorada" à qual ele declama seu amor será revelada no final, a Barra da Tijuca. "Fiz esse disco assim mesmo, com uma sonoridade para se ouvir mais o lado instrumental mesmo. Nada de ritmo pesado. Sem surdo nem tamborim, mas o suingue está presente", ele autoanalisa. "Fiz também um disco para ser declamado, mais do que cantado."
'Ser Mulher', que começa com os toques de terreiro, foi composta com o eu feminino. Quem declama aqui as frases é Glória Maria. Pode ser sim um contraponto à infelicidade poética de 'Você Não Passa de Uma Mulher', que Martinho fez e cantou para o disco 'Maravilha de Cenário', de 1975. O feminismo à época, mesmo despertando, o acusou de machismo. Ou ao supersucesso 'Mulheres', gravado em 1995 no álbum 'Tá Delícia, Tá Gostoso', embora já haja interpretações de que o homem que diz que já teve mulheres de várias idades e muitos amores, ao final, ficaria com um homem se tornando assim, um raro samba com tema gay.
A conversa com Martinho da Vila ganha outro rumo e para em Beth Carvalho. Impossibilitada de ficar de pé por sérios problemas na coluna, a rainha do samba fez neste ano um show deitada, rodeada pelo grupo Fundo de Quintal. Foi uma das imagens mais fortes e tradutora do espírito que Beth mesmo reforça de que "o show não pode parar". Martinho ouve em silêncio para dizer um sofrido "Beth não joga o pano". Nascido em Duas Barras, no Estado do Rio, em 12 de fevereiro de 1938, Martinho lembra que quebrou a perna quando gravou o álbum 'Batuqueiro', em 1986. "Eu estava em casa, de licença, mas resolvi ir ao estúdio para sair um pouco de casa. Cheguei lá, os caras me colocaram sentado e acabei gravando o disco todo assim." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.