Ok ok ok é o 59º disco lançado por Gilberto Gil e também o nome da turnê do artista baiano que tem estreia nacional neste sábado (24), no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Mas, por pouco, disco e temporada sequer existiriam. Gil pensava em apenas registrar suas novas composições, mas não necessariamente reuni-las em um álbum. “O disco, em si, foi organizado mais pela gente, a família, do que por ele. A ideia dele era gravar, mas não lançar. Um dos motivos era porque se tratava de um momento de introspecção. São canções muito pessoais, que falam dos filhos, dos netos, dos amigos, dos médicos. E, mesmo sendo uma figura pública, ele não se via fazendo um álbum”, explica Bem Gil, um dos oito filhos de Gilberto Gil e aquele que assina a produção musical do novo projeto, que chegou ao mercado pela Biscoito Fino, em agosto.
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A estreia da turnê na capital mineira segue uma tendência. Chico Buarque fez essa opção com seus dois mais recentes trabalhos – Chico, em 2011, e Caravanas, em 2017 –, assim como Milton Nascimento, com Semente da terra (2017), e Adriana Calcanhotto, com A mulher do Pau Brasil, em agosto passado. Bem Gil acompanha a cantora e compositora gaúcha no palco. Na quinta-feira passada, eles retornaram ao mesmo palco da estreia nacional, o Palácio das Artes, para um bis da turnê em BH. “A gente teve que fazer uma logística, as agendas tinham que se falar. A produção de Ok ok ok e A mulher do Pau Brasil é a mesma e isso facilitou de eu estar na quinta com a Adriana e no sábado com meu pai. Estou adorando essa minitemporada em Belo Horizonte. Há um mês estive na Sala Juvenal Dias com a minha banda, a Tono. Gosto muito daí”, diz.
O compositor, cantor, arranjador, produtor musical e multi-instrumentista de 33 anos diz que BH não é necessariamente uma cidade-teste para os artistas, mas que, o fato de ser muito musical, próxima aos dois principais polos de concentração cultural (Rio de Janeiro e São Paulo) e, ao mesmo tempo, manter certa neutralidade pode explicar a escolha de tanta gente abrir aqui suas turnês. “Acaba sendo um bom lugar para dar a cara a tapa, e muitos cantores e compositores sabem disso.”
Depois da apresentação única na capital mineira – com ingressos já esgotados –, Gil segue para São Paulo (29/11), Fortaleza (9/12) e Porto Alegre (14/12). Apenas Salvador, terra natal do artista, terá duas apresentações, que estão previstas para o começo de fevereiro. No entanto, Bem acredita que Gil pode se empolgar com os shows e estender a turnê. “A partir do momento em que você registra, lança e sobe ao palco, a obra não lhe pertence mais – ela ganha vida própria. À medida em que ele for sentindo a receptividade da plateia e se entusiasmar com o projeto, acho que pode, sim, render mais coisas.” O cenário do show é de Luiz Zerbini, que também assina a capa do disco homônimo ao show. O desenho de luz é de Ivan Marques, e os figurinos são de Flávia Aranha.
GEOGRAFIA
Mesmo tendo se formado em geografia, Bem Gil nunca deixou a música de lado. Nos últimos anos, tem se destacado como produtor musical. Ok ok ok é sua primeira produção solo de um trabalho do pai. “Já produzi discos dele ao lado de outras pessoas”, esclarece. Bem afirma que o processo foi bem intenso, mas recompensador. “Ao contrário dos outros trabalhos, em que meu pai tocava tudo para si, neste ele estava bem passivo, apesar de estar entregue ao âmbito musical. Meu trabalho acabou sendo muito orgânico e natural, mas foi um desafio, ainda mais num disco reunindo canções inéditas após um intervalo de 10 anos. Ele me deu autonomia para que eu pudesse colocar o meu olhar, chamar meus parceiros”, afirma.
A produção acabou se estendendo para a direção musical da turnê, que Bem Gil divide com o pai. Além de trazer o baixista Bruno Di Lullo – que também está na banda Tono e na turnê de A mulher do Pau Brasil – o produtor convocou boa parte do instrumentistas que fizeram parte da gravação do disco. Em cena, estarão o irmão José Gil e Domenico Lancellotti se revezando na bateria e na percussão; Thiago Queiroz e Diogo Gomes estão nos sopros, Danilo Andrade nos teclados e Nara Gil, também irmã, nos vocais. Bem Gil toca violão e guitarra. “Esse processo de direção é muito bacana. A gente ajuda a formatar tudo. O disco tem 15 faixas, porém não sabemos ainda se todas vão entrar. Mas ensaiamos todas. E trouxe composições da carreira dele que dialogam com o repertório do disco. Deve ser em torno de 20, 21 músicas”, avisa.
Um das faixas que certamente estará no set list é Sereno, em homenagem ao filho de Bem Gil e que marca sua primeira parceria com o pai. “Ela surgiu quando revelei o nome do meu filho. Meu pai foi o mais entusiasmado e por isso a música até fala “Vovô gostou do nome Sereno”. Daí a ideia de fazer a composição. Quando Sereno nasceu (hoje está com 1 ano e meio), eu o levei ao estúdio e gravamos sua risada, que também está na faixa. Foi um registro bonito.”
OK OK OK
Show de Gilberto Gil. Sábado (24), às 21h, no Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro. (31) 3236-7400). Ingressos esgotados.
Gil tem ótimas respostas. E melhores perguntas
Silvana Arantes
O artista Gilberto Gil foi um ministro da Cultura fascinante. Como repórter, cobri sua gestão tão insistentemente que, a certa altura, o ministro já me reconhecia entre a turma de jornalistas que invariavelmente estavam à sua espera na saída de cada evento oficial de que ele tomava parte. Muitas vezes, Gil, a quem eu invariavelmente chamava de “senhor”, conforme exige a liturgia do cargo, devolvia meu interesse com um gesto de grande cortesia. Antes de dar a conversa com o grupo de repórteres por encerrada, ele dizia: “Podemos terminar aqui? Mais alguma pergunta, Silvana?”.
Sempre havia mais uma pergunta, porque o assunto da cultura é inesgotável.
Fora do ministério, o artista Gilberto Gil continuou formulando e respondendo perguntas, mas em outro tom. Com Ana Oliveira, lançou Disposições amoráveis (Editora Iya Omin), que reúne diálogos seus com pensadores de diversas áreas e é um ótimo registro do pensamento atual do próprio Gil e do percurso que o levou a decantar suas ideias. Para o Canal Brasil, gravou Amigos, sons e palavras, em que assume o papel do perguntador numa conversa com pessoas próximas.
Íntimo dos mistérios do mundo (Se eu sou algo incompreensível/Meu Deus é mais), Gilberto Gil parece à vontade com a assertiva roseana de que “vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”.
Em Ok ok ok, carro-chefe de seu novo disco, ele observa: “Ainda querem a minha opinião/Um papo reto sobre o que eu pensei/Como interpreto a tal, a vil situação”. Consciente das demandas, mas mais ainda fiel ao seu modo de ser, responde: “Me calo sobre as certezas e os fins/Meu papo reto sai sobre patins/ A deslizar sobre os alvos e as metas”.
Quando a função pública e a voz de cantor tornaram-se alternativas excludentes, o ministro Gilberto Gil decidiu entregar o cargo. Naquela que foi sua última coletiva de imprensa no Rio de Janeiro, antes de formalizar o pedido de saída, quebrei o protocolo das indagações. Antes de pedir que escolhesse uma música de seu repertório para resumir o que foi sua gestão à frente do Ministério da Cultura, afirmei que, da perspectiva da repórter, “deixar você ir não vai ser bom”.
“As coisas vão e vêm. Deixa as coisas irem, Silvana”, disse o senhor ministro, embora eu desconfie de que tenha partido do artista Gilberto Gil essa resposta. E eis que, muitos anos depois, a estreia da turnê de Ok ok ok veio dar nesta cidade sem praia de onde eu havia ido, mas para a qual vim de volta. Os ingressos esgotados do show desta noite confirmam que muitos ainda querem a opinião de Gil, na forma de perguntas ou de respostas. Seja como ele decidir entregá-las ao seu público, só resta dizer: seja muito bem-vindo, ministro/artista.