A Rainha do Soul Aretha Franklin morreu nesta quinta-feira, 16, aos 76 anos, de acordo com informações da agência The Associated Press. Segundo seu agente, ela estava em sua casa em Detroit.
Aretha era uma força da natureza. A voz de enorme tessitura era capaz de alcançar agudos extremos, e ao mesmo tempo flutuar com segurança nos registros graves, sem contar o vibrato característico que acrescenta refinadas pitadas de balanço em seu jeito único de cantar. Aretha flutua entre as notas, ora retardando, ora acelerando em momentos inesperados. Mas o que a tornou a Rainha do Soul, uma das grandes divas da música do século, sem dúvida é o modo como transplantou a matriz "gospel" a outros gêneros populares, como o jazz, o blues, o pop.
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Cinco anos depois, Aretha, com 19 anos, gravou um disco com o grupo de Ray Bryant, um dos pianistas de jazz mais blueseiros naquele início da década mágica de 1960. Ela toca e também toca piano, ao lado de Bryant. Ouça o clássico de Gershwin It ain’t necessarily so, da ópera negra Porgy and Bess. A interpretação tem bastante a ver com Dinah Washington.
A Columbia, sua primeira gravadora, que a contratou ainda nos anos 1950, queria fazer dela a nova cantora-sensação de jazz. Mas Aretha só encontrou o rumo definitivo em meados da década de 1960, quando passou a gravar para a Atlantic. De lá para cá, foram 18 Grammys, dezenas de milhões de discos vendidos. E o status de "Rainha do Soul" (ela foi coroada em 1967, em Chicago, pelo DJ Pervis Spann). São daquela década sucessos planetários como Chain of fools, Spirit in the dark e Think.
No final do século, 1999, saiu uma biografia autorizada de David Ritz. Insossa, oficialesca. Em 2014, Ritz publicou o verdadeiro tesouro que colhera em suas pesquisas. Apesar dos protestos de Aretha, o livro altera o modo como a conhecemos. O maior mérito do livro é mostrar o profundo, decidido engajamento político da cantora na década de 1960 - ela cantou com Mahalia em 1963 para arrecadar fundos para a Grande Marcha a Washington de Martin Luther King e apoiou publicamente Angela Davis, militante pelos direitos civis dos negros. Tudo refletido em memoráveis canções como "Respect", "Think", "(You make me feel like) a natural woman" e "Chain of fools", todas gravadas na Atlantic.
Filha do Delta
Aretha é "filha" musical da região do Delta do Rio Mississippi, é bom não esquecer - descendente direta da grande Mahalia Jackson e de Clara Ward. Bendito delta que pariu gênios do blues do porte de Robert Johnson, Son House, Howlin’ Wolf, Muddy Waters e B. B. King, entre tantos outros. Ainda criança, cantava no coral e participava dos cultos na igreja, compartilhando as suingadas pregações do pai, o reverendo Clarence, que inspiraram ninguém menos do que James Brown, o mago da soul music. Mas em casa, sentadinha na escada junto com os irmãos Erma, Cecil e Carolyn, ouvia pianistas como Art Tatum e Nat King Cole dedilharem o piano da sala. Outros visitantes ilustres eram Oscar Peterson, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Billy Eckstine, Lionel Hampton. A cantora Dinah Washington era uma espécie de madrinha das crianças: ensaiava com elas. Esqueci de dizer: além dos irmãos, acotovelavam-se também naquela escada miraculosa amigos como Diana Ross e Smokey Robinson.
Por um belo texto de David Remick para a New Yorker em 2014, ficamos sabendo que ela escrevia a parte de piano, a harmonia de base e os breaks da bateria desde "Chain of foods" até "Natural woman". Remick a considera "a maior cantora da história da música popular do pós-guerra". E resume algumas de suas inovações: "Só a partir de 'Amazing Grace', sua gravação de 1972, ela passou a receber os créditos devidos. É portanto surpreendente, embora não devesse ser, ficar sabendo que 'Lucky old sun', de Ray Charles, e a versão de Otis Redding para 'Try to a little tenderness' se inspiraram nas gravações de Aretha destas canções; que ela mesma gravava em overbuds suas muitas linhas vocais sete anos antes de Marvin Gaye tornar famosa esta técnica em 'hat’s going on'; que Eric Clapton ficou intimidado de tocar guitarra com ela; que sua gravação de 1967 de 'Respect' de Otis Redding formatou o modelo de uma soul music socialmente consciente e comercialmente viável por muitos anos; que Gaye se sentiu recompensado quando ela cantou sua 'Wholly Holy' em 'Amazing Grace' - o disco com o qual, além disso, Aretha ajudou a 'inventar o gospel moderno'".
Relembre as datas mais importantes da trajetória de Aretha Franklin:
- 25 de março de 1942: nasce em Memphis, no Tennessee.
- 1956: lança seu primeiro álbum, "The Gospel Soul of Aretha Franklin".
- 1967: recebe seu primeiro Prêmio Grammy pela canção "Respect".
- 1968: canta "Precious Lord, Take My Hand" nos funerais do líder negro Martin Luther King Jr.
- 1977: interpreta "God Bless America" na cerimônia de posse do presidente Jimmy Carter. Ela cantaria posteriormente nas posses dos democratas Bill Clinton (1993) e Barack Obama (2009).
- 1987: se torna a primeira mulher a entrar para o Hall da Fama do Rock and Roll.
- 1991: recebe o Grammy Legend Award por sua influência na indústria musical americana.
- 2005: recebe a medalha presidencial da Liberdade, a principal distinção civil americana.
- 2017: anuncia em fevereiro sua aposentadoria após a gravação de um último álbum. Em novembro, canta no aniversário de gala da Fundação Elton John para a Aids, onde parece muito frágil.
- 2018: Aretha Franklin morre em Detroit no dia 16 de agpsto, aos 76 anos.