Os franceses começavam a comemorar o título mundial diante do placar contra os croatas quando quatro mulheres tentaram roubar a cena, invadindo o gramado na final da Copa, em Moscou. Eram integrantes do Pussy Riot, banda de punk rock mais conhecida pelo ativismo político do que pela música. Para elas, assim como para artistas dedicados a outros ritmos, palcos e estúdios sempre foram local de protesto. Em meio às tensões ideológicas em todo o planeta, essa característica virou tendência. Mesmo quem adotava discurso artístico mais ameno vem optando por letras que dialogam com causas urgentes.
Nos anos 1980, quando o rock brasileiro vivia uma efervescência plural, os Titãs se tornaram ícones justamente por falar em tom mais sério do que o adotado pelo televisivo “mainstream” da época. Ao longo das três décadas de carreira, as críticas à polícia, à Igreja, ao Estado e à estrutura familiar – contundentes em álbuns como Cabeça dinossauro (1986) – deram lugar a composições mais digeríveis. O hit Epitáfio (2001) é um exemplo. Este ano, Tony Bellotto, Sérgio Britto e Branco Mello, remanescentes da formação original, voltaram às origens no novo trabalho do grupo – desta vez, abraçando a causa feminina.
Leia Mais
Big band instrumental 'Bixiga 70' lança seu quarto álbumMoacyr Luz celebra a carreira, a vida e o Rio em discoLeoni e Leo Jaime se apresentam neste sábado em BHBanda de heavy metal lança CD de músicas autorais com show em BHGraveola promove festival em parques e pede para todo mundo ir de bikeApós protesto na Copa, Pussy Riot lança clipe contra as prisões dos integrantesFestival Mimo destaca jovem guitarrista e dona OneteEm setembro, Dira Paes começa a gravar 'Verão 90 graus''Além da 9': Ronaldo deve ganhar série dirigida por Bruno de Luca
Para o vocalista Sérgio Britto, é necessário assumir posição sobre esse tema. “É um assunto de todos nós. Não estamos roubando a voz de ninguém, estamos dando o nosso enfoque sobre uma coisa que nos toca. Essa música e o verso ‘me desculpem’ vêm gerando reação positiva nas pessoas. Temos muito cuidado ao falar do assunto, sabemos que é sensível e por isso não deve ficar escondido.
Britto diz que o nível de engajamento das letras é questão particular de cada artista, mas pondera: “Com certeza, é papel do rock falar não só de temas sociais, mas comportamentais. Abrir a cabeça das pessoas, fazer refletir. Mais que um gênero musical, é um jeito de expressar a individualidade do que você pensa, das maneiras mais diversas. Hoje em dia, isso é muito raro. Os assuntos estão por aí, nas redes sociais, mas não são todas as canções que falam de coisas polêmicas.”
ÓDIO Outro destaque do rock brasileiro, tanto pela longevidade quanto pelo som e letras pesadas, o Raimundos também mudou o tom da conversa em seu novo lançamento. Faça sua parte, single em parceria com o CPM 22, diz: “Não se vê mais união/ Por isso nossa sociedade não sai nunca do lugar/ O importante é olhar pra frente e não ter ódio de ninguém”. Embora genérica, a mensagem é mais alinhada às tensões do mundo do que a maioria dos antigos hits do grupo brasiliense – Puteiro em João Pessoa, Mulher de fases e Eu quero é ver o oco.
Aos 62 anos, Marina Lima é uma das principais vozes da música brasileira desde a década de 1970.
Na época do lançamento, ela explicou: “Moro no Brasil, sou daqui e quero que o país dê certo. Não aguento mais tudo o que nos envergonha. Não dá pra trabalhar com cultura popular ignorando o que está acontecendo. Tem que ser muito alienado e egoísta”. Outras canções do álbum seguem esse filão mais contestador. É o caso da faixa-título: “Novas famílias/ Com terras molhadas de amor/ Minando qualquer ditador”. Domingo (29), Marina apresenta seu novo show no Sesc Palladium, em Belo Horizonte.
ROMPIMENTO Se alguns artistas levam anos para assumir tom mais crítico – ou voltar a ele –, outros o fazem logo no início da carreira.
Revelado por um talent show – ao qual, aliás, agradece –, o jovem intérprete cobra desses projetos mais espaço para novas ideias musicais. “Fiquei imerso na ilusão de que cantaria para sempre versões como as do programa, sendo que precisamos falar de coisas urgentes. Não posso ficar cantando Amei te ver (de Tiago Iorc) com tanta gente morrendo nas ruas simplesmente por abraçar quem ama”, enfatiza, referindo-se à violência sofrida pelo público LGBT.
“Na cena de BH, sempre achei a participação feminina muito pequena e restrita a intérpretes. Então, pensei num projeto para fortalecer as mulheres”, explica Priscilla Glenda, que também integra o grupo Djambê. Com percussão e sampler, ela e as companheiras rearranjam canções de nomes consagrados, como Elza Soares e Rita Lee, dialogando com o empoderamento feminino.
O repertório da banda tem apenas uma canção autoral: Eu não mereço, escrita por Priscilla. “É sobre o direito da mulher sobre seu próprio corpo, de andar com a roupa que quiser. A inspiração veio depois de um assédio que sofri na rua. Fiquei muito mexida, não tive reação na hora, só consegui me expressar depois com essa letra”, conta. Para ela, música é “semente da mudança, pois pode ser levada para qualquer lugar”.