“Os livros de autoajuda não foram totalmente inúteis/ A fogueira foi bonita e iluminou os jantares a dois.” Leoni e Leo Jaime surgem maduros, desiludidos, mas com a sagacidade em forma nos versos de A fórmula do amor II, canção que atualiza a temática do hit composto por essa dupla de amigos na década de 1980. O single é o primeiro da turnê Leoni & Leonardo, que desembarca em BH neste sábado (21), no KM de Vantagens Hall.
A nova versão nega que exista uma receita de sucesso para as relações amorosas, dando nova abordagem ao tema. “As fórmulas são sempre muito falhas. O amor nasce onde ele quer. Existe o imponderável e é isso que faz a vida ser surpreendente”, afirma Léo Jaime, em entrevista ao Estado de Minas.
“Fizemos uma espécie de resposta à primeira música. É um outro lado daquele pensamento, muito diferente em melodia e harmonia”, comenta Leoni. “Escrevemos A fórmula do amor quando éramos jovens. Os jovens, em geral, não têm experiência para saber que é roubada ficar idealizando a todo tempo. Os mais românticos tendem a não aproveitar o real porque estão em busca de algo idealizado, a metade da laranja – ou outra dessas metáforas que apodrecem.”
Os novos versos dialogam diretamente com os antigos. Se antes as coisas eram mais fáceis na televisão, hoje, é o Instagram que materializa a ilusão do amor perfeito. Os compositores não criticam necessariamente as novas formas de comunicação, mas sim a maneira como são utilizadas.
“As redes sociais trazem novas formas de relacionamento. As pessoas usam para conhecer gente, se colocar, se manifestar. É um elemento transformador, mas, como um meio, não é bom, nem mau. Não tenho qualquer nostalgia porque, na minha época, era dificílimo dar um telefonema – tinha que ficar cinco minutos esperando para dar linha. Acho que o futuro é sempre melhor”, diz Leo Jaime.
Confira o lyric video de A fórmula do amor II:
O restante do repertório do show contempla antigos sucessos de suas carreiras, como Nada mudou, Exagerado, Como eu quero, Pintura íntima e Só pro meu prazer. Algumas das músicas foram compostas ao longo das décadas de amizade e parceria – caso de Solange e Fotografia. Esta última, em 1998, deu nome à primeira turnê de Leoni e Leo Jaime, no formato voz e violão.
Agora, a proposta é outra: eles sobem ao palco com uma banda, formada por Ricardo Palmeira (guitarra), João Pompeo (teclado) e Alexandre Fonseca (bateria).
As novas apresentações marcam ainda o retorno de Leoni ao baixo, que o instrumentista andava tocando apenas em gravações em estúdio desde o fim do Kid Abelha. “O show é feito para dançar e cantar junto. Apresentamos os arranjos originais das músicas e tivemos que reaprender muitos deles porque, nós, músicos, com o tempo vamos enchendo o saco de tocar sempre as mesmas músicas e então tentamos mostrá-las em outros formatos”, afirma Leoni.
Com um repertório que revive sucessos dos anos 1980, o show atrai plateias de diversas faixas etárias, segundo os músicos. Leoni atribui às plataformas digitais a propagação de músicas daquela época entre novos públicos. “Vejo pela internet vídeos de meninos de 18 ou 20 anos tocando minhas músicas para uma galera igualmente jovem. Isso permite que o nosso repertório continue vivo, de alguma forma.”
SERTANEJOS O nome dado ao show, Leoni & Leonardo, ironiza as duplas que dominam as paradas de sucesso no Brasil. A piada surgiu há 20 anos, na ocasião da turnê Fotografia, quando a cena musical vivia outro boom de cantores sertanejos, com nomes como Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo & Luciano.
“Naquela época, a gente brincava que, se formássemos a dupla Leoni & Leonardo, e nosso empresário tivesse problemas de dicção, as pessoas entenderiam Leandro & Leonardo e nosso show seria vendido por uma fortuna”, diverte-se Leoni. Ao mesmo tempo, ele lamenta a predominância de um só gênero na cena musical do país. “Em vários lugares por onde passo, as pessoas comemoram um show de rock ou de MPB, pois nessas regiões só há lugar para o sertanejo”, conta.
A visita ao repertório já cristalizado de Leoni e Leo Jaime é também uma celebração de um período pujante do rock nacional. Ainda que tenha perdido espaço na mídia, o rock tem produção de qualidade e novos talentos surgindo, na avaliação dos artistas. “Há pouca atenção para a galera que está aparecendo. Estão todos escondidos a céu aberto. Na internet, há tanta produção e gente lançando música que você não consegue descobrir aquilo que poderia ter uma conexão com seu gosto musical”, avalia Leoni.
“A cena do rock, hoje, é muito mais diversa que nos anos 1980, quando a música era pautada pelas rádios e pelas gravadoras. Como não há mais a expectativa de contrato com as gravadoras e não há tantas rádios para tocar, os artistas fazem aquilo que lhes interessa”, diz o ex-Kid Abelha.
Léo Jaime observa que nomes de rock conhecidos em todo o país se tornam cada vez mais raros. “Não sou um cientista do assunto, mas sinto que falta uma expressão juvenil urbana. Ainda que exista o funk, falta uma linguagem que fale à maior parte dos jovens do Brasil. Nesse momento tão rico, historicamente falando, percebo essa lacuna. O jovem urbano não se vê na música brasileira, nem tem suas temáticas e questões existenciais debatidas”, diz o cantor.
UNIFORMES O segundo single da turnê será uma regravação de Uniformes, outra parceria da dupla na década de 1980, que integrou Educação sentimental (1985), segundo álbum do Kid Abelha. A faixa com nova roupagem foi produzida por Dado Villa-Lobos e, em breve, entrará nos shows e nas plataformas digitais. Para os autores, versos como “Eu sou mais um no bando/ Repito o que eu escuto/ E eu não te entendo bem” conversam com os novos tempos.
“Houve uma ruptura na capacidade de diálogo. A insatisfação evidente com a realidade brasileira vem com uma agressividade e uma incapacidade de encontrar objetivos comuns. Essas décadas duras não resolveram nada, mas também não devemos esperar que alguém solucione os problemas que são nossos, não deles”, opina Leo Jaime.
“É uma letra que tem muito a ver com esse momento de polarização política. Ela foi escrita em uma época de guerra cultural, em que hippies e punks se odiavam, grupos musicais que não conversavam. Hoje, há essa guerra política, em que o importante não é discutir e chegar a um consenso, mas sim lacrar, humilhar o adversário com frases de efeito”, assinala Leoni.
AS FAVORITAS
Leo Jaime elege sua música preferida no repertório do amigo Leoni e vice-versa:
>> “Lágrimas e chuva traz um tema dificílimo de se tratar em uma música e ele faz tão bem, assim como o Renato (Russo) e o Dado (Villa-Lobos), que abrem Pais e filhos expondo qual é o tema (com o verso “Ela se jogou da janela do quinto andar”)”, opina Leo Jaime. “Já o Leoni fala com elegância, usa a imagem de uma tempestade interna para tratar daquilo que um pensador definiu como ‘procurar soluções definitivas para problemas transitórios’. É algo tão recorrente hoje em dia, associado à intensidade com que o adolescente vive suas emoções e seus desesperos, flertando com o desastre ou chegando mesmo a cometê-lo.”
>> “Conquistador barato é uma canção significativa. Lembro de ter assistido ao Leo compondo na época em que dividimos apartamento”, comenta Leoni. Ele relaciona o hit do amigo a um belo título de seu repertório: Garotos II. “Ambas falam de um cara que é conquistador, mas que, quando se apaixona, volta a ter dois anos de idade, por não ter estofo para relacionamentos. Por conta do machismo, o homem não podia ser frágil ou necessitar de carinho. Ele deveria ser forte, testosterônico. É algo que hoje vem se desfazendo, graças à força da mulher e do feminismo, que trouxeram também uma libertação para os garotos e os conquistadores baratos.”
LEONI & LEO JAIME
Show de Leoni e Leo Jaime. Sábado (21/7), às 22h. KM de Vantagens Hall. Av. Nossa Senhora do Carmo, 230, Savassi. Arquibancada: a partir de R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia-entrada). Mesas com quatro lugares a partir de R$ 480. Vendas pelo telefone 4003-5588 e pelo site www.ticketsforfun.com.br.