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Atração do MecaInhotim, Letícia Novaes desvenda o fenômeno Letrux

A palavra “climão” é popularmente associada a uma situação tensa, em geral envolvendo algum tipo de vergonha alheia constrangedora. Esses significados, no entanto, passam ao largo do trabalho da carioca Letícia Novaes à frente do projeto musical Letrux. Lançado de forma independente em julho de 2017, o disco Letrux em noite de climão é considerado um marco da música autoral por abordar temas como a sexualidade e a decadência de forma deliberada e sincera, embalados pela atmosfera oitentista possibilitada pelos sons sintetizados. Perto de completar um ano de nascimento do trabalho, a artista desembarca em Brumadinho como uma das principais atrações do festival MecaInhotim, em que toca no próximo sábado (30), ao lado dos veteranos Elza Soares e Cordel de Fogo Encantado, além do novato Rubel.

A escalada até aqui, apesar de meteórica no último ano, não começou de uma hora para a outra. Antes de ser Letrux, Letícia fez parte da inclassificável banda Letuce. Após três discos lançados – Plano de fuga pra cima dos outros e de mim (2009), Manja perene (2010) e Estilhaça (2015) –, o grupo anunciou o encerramento de suas atividades em 2016. A partir daí, ela decidiu se embrenhar num trabalho solo que, ao longo do processo, tornou-se maior do que esperava. “A ideia era reunir as três paixões da minha vida: música, literatura e teatro.

Quando ainda estávamos na pré-produção, descobri que tinha ali uma narrativa muito clara com essa persona como protagonista, muito mais solta e corajosa do que eu”, comenta ela.

Letrux, explica, para além de apelido pelo qual os amigos mais chegados chamam Letícia, é a personagem principal da história de fossa amorosa por trás do disco. “Ela é uma cantora tragicômica que não tem medo de ir nas profundezas de um sentimento e, num átimo de segundo, vira a rainha da pista de dança”, ilustra a cantora. “É meio bipolar. Meio ‘deprê’, meio ‘profundona’, mas sem deixar de rir das situações em que se mete”, completa ela, em seu melhor “carioquês”. Isso está presente na maneira como as músicas destilam comentários rancorosos ao mesmo tempo em que é envolvida por uma batida dançante. “A gente só serviu no sonho/ A gente só prestou dormindo”, canta no final do refrão de Ninguém perguntou por você.

Embora seja tratado como trabalho solo – “com muitas aspas”, como a artista gosta de frisar –, dois músicos também participaram dos primeiros passos do projeto e ficaram a cargo do processo de produção das canções. Arthur Braganti, que nos shows performa como tecladista, é amigo de longa data de Letícia.
Os dois já trabalharam juntos e foram responsáveis pela gênese do disco. “A ideia era criar uma coisa que não fosse especificamente musical, mas que passasse por um caminho conceitual. Ao longo do processo, nos demos conta de que queríamos uma outra figura feminina que imprimisse sua marca no trabalho”, comenta o músico. Foi aí que eles encontraram a guitarrista Natália Carrera.

“Quando os conheci, eles já eram melhores amigos e eu era a novata do rolê”, comenta a musicista, que divide seu tempo entre os palcos e a sala de aula como professora de música. “Nesse primeiro momento, as músicas ainda estavam num clima muito voz e piano e todas elas tinham um clima meio samba. Então, nosso trabalho foi de ‘dessambalizar’ essas canções, porque a Letícia queria algo dançante e pop”, diz. Com suas falas carregadas de adjetivos, Arthur define Letrux em noite de climão como “o gozo que dói”. “Era a hora de adicionar um clima, criar texturas em cima dessa história de ressaca e excessos.
E o resultado é, de fato, esse trabalho exuberante cheio de camadas, mais barroco do que minimalista”, analisa.

Para Letícia Novaes, apesar de narrar uma suposta história fictícia, essa abordagem condiz com o cenário atual da sociedade brasileira. “Desde junho de 2013, a gente vive um ‘climão’ eterno que me causa um desconforto gigantesco. Não somos um país sério e isso é vergonhoso. Me dá ânsia pensar em todos aqueles homens de Brasília votando pela família sem ter a menor ideia do que é um corpo feminino”, comenta, indignada. A mensagem política por trás de suas canções, acredita, está nas entrelinhas de um discurso sobre a sexualidade feminina, sobre amores e afetos. O disco absorve a atmosfera nebulosa do Brasil.

'DISCO BISSEXUAL' Para alguns fãs, em comentários nas redes sociais, trata-se de um “disco bissexual”, na medida que as narrativas amorosas das canções circulam por interlocutores masculinos e femininos. “Acho essa definição maravilhosa”, comemora Letícia. “De fato, tive essa preocupação de não delimitar um gênero nas letras, tanto que em Noite estranha, geral sentiu canto ‘se tu tá acordada’. Isso pode ser para qualquer pessoa. Além disso, quis muito fazer uma canção sobre amor lésbico.
É um assunto que queria honrar e fico muito feliz quando algumas fãs chegam para mim e dizem: ‘é minha música com minha mina’”, diz ela sobre Que estrago, composta em parceria com Braganti e a poeta Bruna Beber.

No palco, Letícia Novaes é uma força da natureza. Acompanhada por cinco músicos – além de Arthur e Natália, o show ainda conta com Lourenço Vasconcellos (bateria), Thiago Rabello (baixo) e Martha V (guitarra) –, ela emposta o vozeirão para apresentar as canções de forma performática e pouco vaidosa, com direito a caretas e danças estranhas. Comparada a Anitta por uma revista, ela refuta o rótulo e até debocha: “Achei engraçado. Não condeno, mas acho um pouco bizarra essa necessidade de comparação que as pessoas ainda têm”. Com a funkeira carioca, só divide o fato de terem nascido no Rio de Janeiro.

Letrux nasceu independente, financiada coletivamente pelos entusiastas do projeto, e agora desbrava o Brasil para promover “catarses coletivas” em forma de show. Um ano após o lançamento de Climão, ele ainda existe por si e, segundo a cantora, cada música deve ganhar um videoclipe, bem ao estilo Beyoncé.

 

Abaixo, confira o clipe da música Além de cavalos:

 

 

PROGRAMAÇÃO ECLÉTICA

Confira os convidados


Sexta-feira, 29

17h30 – E a Terra Nunca me Pareceu Tão Distante
19h20 – JP
21h10 – Iconili
23h – Alice Caymmi
01h – Baco Exu do Blues

DJ SETS
Valesushi
No Friends
Croma
Transpira
MOOC
Vermelho

Sábado, 30

17h30 – Rubel
19h30 – Letrux
21h30 – Elza Soares
23h30 – Cordel de Fogo Encantado

DJ SETS
DOMpwl
Schlaepfer (IHF)
Mareh
Venga Venga
Joakim
Omoloko

Domingo, 1º

17h30 – Gelpi
19h20 – Jules
21h – Kafé
23h – Pabllo Vittar

DJ SETS
Neue
Windy City Classics
Dengue

 

MECAINHOTIM
De sexta-feira (29/6) a domingo (1º/7). Inhotim, Rua B, 20, Brumadinho. Informações: www.meca.love. Passaporte três dias: R$ 540 (inteira) e R$ 270 (meia). Sexta-feira (noite): R$ 180 (inteira) e R$ 90 (meia).

Sábado (dia e noite): R$ 360 (inteira) e R$ 180 (meia). Domingo (dia e noite): R$ 180 (inteira) e R$ 90 (meia).

 

*Estagiário sob supervisão do subeditor Pablo Pires Fernandess 

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