Ele escolheu ter como nome artístico o mais comum dos sobrenomes do país. Agora, o cantor capixaba Silva decidiu batizar seu recém-lançado quinto álbum de Brasileiro. O disco que sai pelo selo Slap configura um retorno do artista às origens de sua educação musical erudita miscigenada com a participação de outros artistas como a funkeira Anitta, que se tornou a cara do Brasil para a indústria fonográfica mundial.
Desde o início de sua carreira, aos 24 anos, com o lançamento do EP 2012 (2012), Silva tentava transformar sua formação como músico em uma identidade própria, bastante marcada pela junção de sons eletrônicos e letras românticas. A ideia se manteve no disco de estreia, Claridão (2012), e nos dois trabalhos subsequentes, Vista pro mar (2014) e Júpiter (2015). Ainda que essa tenha se tornado a marca do músico, não se tratava exatamente de uma decisão estética, como ele conta em entrevista por telefone ao Estado de Minas.
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O resultado dessa transformação aparece nas 13 faixas de Brasileiro, marcadas por uma sonoridade serena e positiva, na qual é possível identificar instrumentos inéditos na obra do artista, como é o caso das percussões tocadas por Edu Szajnbrum e André Paste, o baixo de Hugo Maciel e os metais introduzidos por Bruno Santos (trompete), Joabe Reis (trombone), Rafael Rocha (trombone) e Roger Rocha (saxofone).
A presença de outros músicos que não Lucas Silva – irmão e parceiro de longa data –, também representa uma mudança abrupta no processo de produção do capixaba. “Como comecei muito sozinho, não tinha o hábito de dividir o trabalho. Entretanto, quando a gente vai para o palco, outros músicos são necessários. Isso foi abrindo a minha cabeça aos poucos e fiquei mais sociável”, comenta.
CLUBE DA ESQUINA A nova postura rendeu ao músico a parceria com dois importantes nomes da música nacional. Arnaldo Antunes assina Milhões de vozes, cuja levada reflexiva aborda o agressivo debate público contemporâneo. Outro parceiro foi o compositor Ronaldo Bastos, dono da romântica Ela voa, que, na opinião de Silva, tem “a cara do Clube da Esquina”.
Presença ilustre e inesperada, Anitta aparece na faixa Fica tudo bem. Nela, Silva se deixa ficar em segundo plano e a voz afinada da carioca sobressai.
Chance que ele não pretende desperdiçar.
Marcado pela calmaria, Brasileiro se divide entre músicas com instrumentais animados e outros quase melancólicos, mas todas as faixas são dotadas de uma mensagem positiva. Nada será mais como era antes e A cor é rosa fazem ode ao axé do início dos anos 1990, enquanto Duas da tarde se utiliza da cadência do pagode para criar uma atmosfera praiana. Let me say critica o Brasil internacionalizado – autocrítica que Silva se permite – e Guerra de amor retoma a brasilidade com um samba preguiçoso que beira a bossa nova. Prova dos nove, de Dé Santos, balada romântica minimalista e silenciosa, fala sobre a perda de um amor em ritmo de canção de ninar. O disco ainda conta com duas inserções inteiramente instrumentais, uma essencialmente carioca e dinâmica – Sapucaia –, e seu oposto – Palmeira –, sombria e austera, tocada ao piano.
“Todo esse trabalho nasceu em cima de uma reflexão não só musical, como também conceitual”, explica Silva. No Brasil, quando as pessoas adquirem maior poder aquisitivo, a primeira coisa que lhes vem à cabeça é ir embora. Ouço muitas pessoas dizerem que o país é uma droga ou não funciona direito. Não quero contribuir para esse discurso, por isso a minha decisão de criar um trabalho que soe o mais esperançoso e alegre possível".
Esse discurso se traduz na letra de Brasil, Brasil, faixa responsável por fechar o disco e que traz uma leitura terna e ácida sobre o país. Nela, o artista questiona: “Onde é que fica o Brasil?” e “Quem conhece o Brasil?”. São frases como essas que fazem ressoar dentro da alma de Brasileiro o espírito contestador do legado de músicas como Querelas do Brasil, de Maurício Tapajós e Aldir Blanc, interpretada por Elis Regina. Afinal, “o Brazil não conhece o Brasil”, mas Silva facilita para apresentá-lo.
Abaixo, confira o clipe do single A cor é rosa:
*Estagiário sob supervisão de Silvana Arantes
BRASILEIRO
>> De Silva
>> Slap
>> R$ 24,90
>> Disponível nas plataformas digitais