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Nos dias 22 e 23 de março, a sala de concertos do Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa (PB), terra natal de Vandré, foi o local escolhido para a volta aos palcos do arredio e controverso artista, cuja carreira teve seu ápice no Festival Internacional da Canção de 1968, quando, na final da disputa, em 29 de setembro, Caminhando incendiou o público e provocou, talvez, a única vaia da vida de Tom Jobim, que acabou levando o primeiro lugar com Sabiá, parceria dele com Chico Buarque
Quase três meses depois, em Anápolis (GO), Vandré se despedia dos palcos brasileiros e cantaria Caminhando uma última vez no Brasil, antes do longo recesso que só chegou ao fim na semana passada. Antes disso, não abriu exceção nem para Joan Baez, quando ela passou pelo Brasil em 2014.
“Não canto a música comercialmente”, afirmou Vandré sobre o fato de ter subido ao palco da cantora norte-americana, ex-mulher de Bob Dylan e famosa por canções de protesto, e ter passado a canção inteira prostrado, em absoluto silêncio.
CONTINÊNCIA Os dois concertos que Geraldo Vandré protagonizou em João Pessoa vinham sendo articulados há dois anos junto ao governo da Paraíba, que bancou as duas apresentações. A pedido do artista, afirmou a organização, o cantor e compositor escolheu fazer seu come back em uma sala com pouco mais de 500 lugares, pequena para a quantidade de pessoas que formaram uma fila quilométrica para retirar o ingresso, distribuído gratuitamente (as senhas se esgotaram em cerca de 15 minutos nos dois dias de concerto).
Os convidados, especialmente os de Vandré, fizeram o artista se sentir em casa. Na primeira fila, entre os familiares, constava uma tia de cerca de 100 anos de idade. Mas um convidado, em especial, quase tira os holofotes do anfitrião: o capitão-de-mar-e-guerra baiano Cláudio José da Mata, que, a convite do artista, veio de Salvador (BA) só para assistir ao show. Os dois teriam se conhecido nos anos 1980 e, além de saudar o militar ao longo do show, por diversas vezes Vandré lhe prestou continência. Inclusive enquanto cantava Caminhando.
A contradição que a imagem evoca pode ser bizarra, dado o simbolismo da canção e os personagens envolvidos, mas não é surpreendente. Há décadas, Geraldo Vandré meio que trocou de time: ao mesmo tempo em que renegava a canção mais emblemática da esquerda, compôs uma ode à Força Aérea Brasileira (FAB), batizando-a de Fabiana. Poema que declama de bom grado, a qualquer hora, e fez questão de incluir no programa daquela noite.
Na noite seguinte, ele repetiu o roteiro. O bis com Caminhando não evocou o suspense da apresentação anterior. Surpresa mesmo foi uma faixa que algumas pessoas da plateia levaram até o palco para chamar a atenção para o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, ocorrida uma semana antes.
Um vídeo que circula na internet mostra que Vandré não demorou a enxotar os manifestantes do palco, o que gerou grande debate nas redes sociais: afinal, estaria o autor de Caminhando censurando uma manifestação pacífica e ordeira? Dois dias antes, em entrevista coletiva, ao ser perguntado sobre música de protesto, o cantor mandou esta: “Protesto é próprio de quem não tem poder e não sabe o que é poder. Quem tem poder, exerce”.
As duas apresentações foram gravadas por uma equipe profissional e os direitos das imagens, de acordo com o produtor Darlan Ferreira, que acompanha Geraldo Vandré há 15 anos, pertencem ao artista, que, segundo ele, ainda não fez planos para lançá-las em nenhuma plataforma.
Carreira erudita e livro de poemas
Depois das duas apresentações paraibanas, Geraldo Vandré voltou a se recolher. O show, de acordo com Darlan Ferreira, está pronto para “cair na estrada”, mas sobre isso o músico silencia, enquanto se mantém novamente distante da imprensa e do público.
Entre 14 de dezembro do ano passado, quando desembarcou em João Pessoa, até a véspera dos concertos, Vandré chegou a dar algumas poucas entrevistas (sempre comedido) e até reuniu a imprensa um dia antes da primeira apresentação em uma coletiva, quando estava bem mais desinibido.
Na entrevista que concedeu à TV Câmara João Pessoa, disponível no YouTube, mostrou que não gosta muito de falar do passado, defendeu o regime militar e demonstrou ter parado no tempo ao afirmar que “hoje, no Brasil, é tudo rock”. Não faz a mínima ideia de quem são Anitta e Pabllo Vittar.
Porém, revelou a disposição de retomar a carreira. Disse que gostaria de registrar, em disco, sua produção erudita, exibida no recital pela pianista Beatriz Malnic, que assina com ele os seis estudos para piano do concerto, todos escritos quando os dois se conheceram, ali pelos anos 1980.
“Não ouço mais MPB. Só ouço música instrumental”, afirmou, explicando que suas concepções musicais passaram por uma transformação. Observou que quando morava em São Paulo, ainda nos anos 1980, se tornou habitué dos concertos regidos pelo maestro Eleazar de Carvalho (1912-1996). “Estou saindo da MPB para a MEB, música erudita brasileira”, sintetizou.
Geraldo Vandré contou, que tem canções inéditas em disco, como Mensageira, uma bela homenagem à bandeira da Paraíba, que também integrou o repertório dos concertos de março.
Morando atualmente em Santa Teresa, bairro do Rio de Janeiro, Geraldo Vandré segue em João Pessoa até meados de abril. É que no começo deste mês ele lança, também numa iniciativa do governo da Paraíba, a nova edição de Cantos intermediários de Benvirá, a primeira nacional do livro de poemas que lançou no Chile em 1973, poucos dias antes de voltar ao Brasil.
"Estou saindo da MPB para a MEB,
música erudita brasileira
Essa história de regime militar é muito complicada... A rigor, não existia regime militar. Existiam muitos interesses implicados nessa história. É muito fácil aprontar e depois colocar a responsabilidade nas Forças
Armadas (...) Os interesses privados
eram muito maiores
A última vez em que votei para
presidente do Brasil, fui voto vencido. Votei no marechal Lott"
Geraldo Vandré, cantor e compositor