É impossível não associar Martinho à Vila Isabel, escola de samba do bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. “A gente é praticamente uma coisa só. A Vila Isabel é importante para mim e vice-versa. A minha vida pessoal e profissional passam pela escola”, ressalta. Já há algum tempo, o cantor, compositor e escritor tinha o desejo de fazer uma homenagem à agremiação carioca. Era para 2016, quando a Vila completou 70 anos. Mas calhou de ser agora, quando quem comemora uma efeméride é o próprio sambista, que completa oito décadas de vida.
O álbum Alô, Vila Isabeeeel!!! (Sony Music) – que acaba de ser lançado nas plataformas física e digital – percorre a trajetória da azul e branco da Zona Norte desde os seus primórdios. A primeira faixa é a inédita Quatro de abril, sobre a fundação da escola de samba, “três dias depois da mentira”. “Fui para a Vila Isabel em 1967, quando criei o samba-enredo Carnaval de ilusões e aí começou essa história: olha lá o Martinho da Vila. Virou meu sobrenome”, diverte-se o artista, que na carteira de identidade é Martinho José Ferreira.
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Aos 79 anos, Martinho da Vila faz faculdade de relações internacionaisApós quase uma década, Martinho da Vila lança disco de inéditasEstreia de Gonzagão nos palcos foi em Minas GeraisLuiz Gonzaga, o Rei do Baião, viveu em BH; conheça algumas histórias dele pela cidadeMartinho da Vila presta homenagem à Vila Isabel em solo mineiroPara dar o pontapé inicial ao projeto, Martinho convocou a ala de compositores e compositoras da escola. O resultado o surpreendeu. “A ideia era que fizessem novos sambas. Foi um concurso. Surgiu tanta coisa boa que foi até difícil escolher. Foi mais concorrido do que a própria disputa pelo samba-enredo”, revela. Além de canções que falam da própria escola, há sambas-enredos históricos, incluindo os campeões Soy louco por ti América (A Vila canta a latinidade), de 2006, A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo – Água no feijão que chegou mais um, a última conquista, em 2013, composto pelo próprio Martinho ao lado do filho Tunico da Vila, André Diniz, Arlindo Cruz e Leonel.
Não poderia faltar o inesquecível Kizomba, festa da raça, que está completando 30 anos e levou o título da folia de 1988. “Para mim, esse foi o carnaval mais importante da Vila Isabel e é um dos mais marcantes da história de todos os carnavais, não só porque foi nosso primeiro campeonato, mas também porque celebrava o centenário da abolição da escravatura”, destaca. Como o samba já foi gravado e regravado dezenas de vezes, Martinho deu seu toque especial e trouxe uma versão de voz e piano em arranjo feito por sua filha, Maíra Freitas. “Quis que as pessoas percebessem a riqueza melódica e poética desse samba”, justifica Martinho, que, em março, se apresenta em BH, no KM de Vantagens Hall.
Aliás, Maíra também canta no disco na faixa que traz quatro composições do pai: Vila Isabel (parceria com Moacyr Luz); Graça divina (escrita com Luiz Carlos da Vila); No embalo da Vila e Renascer das cinzas. Mart’nália é outra filha presente no trabalho. Ela compõe e solta a voz em Segunda opção, feita especialmente para o disco em parceria com Dona Ivanísia e Claudia Nel. Não poderiam faltar os clássicos de Noel Rosa (1910-1937) – Palpite infeliz e Feitiço da Vila. Apesar de o cantor e compositor carioca não ter conhecido a escola – já que morreu nove anos antes da fundação –, ele é um ícone da Vila Isabel
CARNAVAL Martinho nasceu em 1938, em pleno carnaval, e vai celebrar os 80 anos na avenida. A Vila desfila na madrugada de 12 de fevereiro, data de seu nascimento. “Vai ser uma festa, uma grande emoção. Não tem maneira melhor de celebrar a vida.” Porém, as comemorações começam já no dia 6, aniversário de sua mulher, Cleo. Na sexta, 9, ele segue para São Paulo, onde será o tema do desfile da Unidos do Peruche. No dia 11 para 12, tem o desfile na Sapucaí e o aniversário. No dia seguinte, 13, Martinho será homenageado pela tradicional Banda de Ipanema. “Vai ser uma maratona, vou ter que dar uma segurada (risos). Mas como eu sempre costumo dizer, a gente vai devagar, devagarinho e tudo dá certo”, brinca.
Mesmo com a redução em 50% da verba destinada ao carnaval carioca, o músico acredita que, mais do que nunca, a criatividade vai sobressair. “As escolas, sobretudo as do Grupo Especial, têm muito dinheiro, então, não acredito que isso vai atrapalhar. Já as do Grupo de Acesso, acho que serão bem prejudicadas.” Com relação ao carnaval que a Vila vai apresentar na Sapucaí, Corra, que o futuro vem aí!, comandado pelo ousado Paulo Barros, Martinho – presidente de honra da escola – diz que está com altas expectativas. “O Paulo é muito criativo, ligado em tudo, e me passou algumas coisas. Pelo que vi, vai ser uma Vila bem moderna, apesar de não ter muita coisa futurista, com tecnologia. E, se Deus quiser, vamos ganhar mais um título”, declara.
Curiosamente, Martinho vai concorrer com a própria filha, Mart’nália, que assina o samba-enredo da Unidos da Tijuca. Em 2018, a agremiação do Morro do Borel vai falar de Miguel Falabella. “O carnaval é bacana por isso. Todo mundo sabe que a Mart’nália é Vila Isabel, mas, como ela é muito amiga do Falabella, vai fazer essa homenagem a ele. Tem disputa, mas todo mundo se ajuda. Não tem escola inimiga. O clima é amistoso. Acho que isso deveria servir de exemplo para tudo.”
O sambista, que há alguns anos ingressou no curso de relações internacionais de uma universidade particular na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, diz que o curso já terminou. Na verdade, ele concluiu três dos quatro anos de formação. “O último ano é para fazer monografia, então já acabei. Não entrei para ter diploma, ou me formar, queria adquirir experiência. Foi muito interessante, aprender alguma coisa sempre é. Conhecimento nunca é de mais.”
ALÔ, VILA ISABEEEEL!!!!
. De Martinho da Vila
. Sony Music
. 13 faixas (25 músicas)
. Preço: R$ 32, 90
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