O compositor e produtor carioca Cícero, de 31 anos, cavou para si um espaço na música de forma independente e autoral – gravou seus discos em casa, tocando os instrumentos sozinho. Porém, quando se apresentava ao vivo, com uma banda de apoio, o músico notava os arranjos mais dinâmicos e efusivos. Muito embora não fossem idênticos à composição original, o resultado acabava agradando ao autor. Em seu quarto álbum, Cícero decidiu incorporar a banda no processo criativo, dando a ela o nome de Albatroz.
Cícero & Albatroz, lançado neste mês pela Sony Music, configura o encontro dos músicos Bruno Schulz, Uirá Bueno, Gabriel Ventura, Cairê Rego, Felipe Pacheco Ventura, Vitor Tosta e Matheus Moraes com Cícero. “Essa ‘banda’ foi formada aos poucos, ao longo dos últimos anos, com pessoas que eu chamava para trabalhar comigo”, diz o compositor. “Além de sermos amigos, nossa comunicação sempre foi muito clara, o que ajudou no processo de produção.”
Agora ao lado de uma banda, Cícero adota um tom mais otimista, distante das canções minimalistas que o tornaram conhecido no cenário da atual MPB. “Como cada um tem uma personalidade própria, as músicas ganharam um caráter de celebração, por mais que elas tratem de temas ‘não felizes’. Essa é a grande onda de uma banda: as músicas devem te dar aquela vontade de cantar junto”, comenta.
APARTAMENTO Se antes os temas que pairavam sobre as canções do carioca eram as relações humanas, tratadas com melancolia, desta vez predomina um saudável sentimento de inquietação. Saem os arranjos diminutos, quase silenciosos, para dar lugar a melodias crescentes com direito a percussão marcada e metais. É a prova de que Cícero, enfim, saiu de seu apartamento, onde ele gravou Canções de apartamento (2011), Sábado (2013) e A praia (2015).
Apesar disso, o tom de celebração não está dissociado de uma preocupação em abordar assuntos incômodos. A grande sacada está nas entrelinhas. Para a faixa A cidade, primeiro single do trabalho, ele gravou vídeo em que aparece deitado no meio da rua ao lado de um carro tombado, dando a ideia de um acidente. O local foi escolhido a dedo: o Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro.
“Quando fiz essa música, estava muito em voga essa questão da reforma trabalhista, o que acho muito sério e preocupante. Além disso, a música trata desse cara que não tem opção, a não ser se relacionar com a cidade. Ao mesmo tempo, eu queria fazer algo que falasse sobre esses temas, mas ficasse no campo artístico e não se tornasse panfletário”, explica. A sutil poesia da canção remete a Construção (1971), de Chico Buarque. Mas sem pretensão, assim como ele já fez com a obra de Tom Jobim (1927-1994).
Apesar de suas referências serem do passado, ele nega ser um saudosista, principalmente quando o assunto é o consumo de músicas. Cícero surgiu quando o streaming ainda engatinhava no Brasil.
Com um álbum que se organiza em duas partes, Cícero parece retornar mais maduro após os dois anos que separam esse disco do anterior. O tom de suas composições o coloca como bom candidato a preencher um lugar deixado por Los Hermanos. No entanto, diferentemente da banda de Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante, que nasceu barulhenta e morreu minimalista, Cícero reencontra o lugar para suas histórias num espaço maior, expandido, que incorpora mais de um artista autoral e criativo.
*Estagiário sob a supervisão de Silvana Arantes
CÍCERO & ALBATROZ
Artista: Cícero
Gravadora: Sony Music
Disponível nas plataformas digitais.