Breves palavras entre as canções, olhares, sorrisos de cumplicidade e, logo no início, Chico Buarque tem a plateia do Palácio das Artes aos seus pés. Ele mostra as músicas novas, escava o passado. Escala seu time mexendo nas peças, mas sem alterar o esquema tático. Tudo dominado: eis o malandro em casa outra vez.
“Vai pra Cuba!”, ordenam os críticos do cantor nas redes sociais e nas caminhadas dele pelos “bairros chiques” do Rio. Pois Chico foi. Voltou de lá para o novo show com a tabelinha entre Iolanda e Desaforos, resposta enviesada aos agressores virtuais (“Custo a crer que meros leros-leros de um cantor possam te dar tal dissabor”), reforçada pela inclusão de Injuriado (“Não entendo/ Porque anda agora falando de mim”). Durante As vitrines, na qual surge o vigia que tanta polêmica histérica rendeu na linda Tua cantiga, a moça ao meu lado, não mais do que 20 anos, tira os óculos e enxuga as lágrimas. Como ele já dizia em Jorge Maravilha: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”.
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Se, no show de 2011, havia um instante de rap na citação da releitura de Criolo para Cálice, agora Chico flerta com o funk na poderosa As caravanas. Mostra que não aposentou a navalha ao escolher um lado e apontar o dedo para os seus vizinhos de Zona Sul carioca (“Gente ordeira e virtuosa que apela para polícia despachar o populacho de volta pra favela”), antes de ironizá-los: “O sol, a culpa deve ser do sol, que embaça os olhos e a razão...”. Ao lado do resgate de Sabiá e da contrição de Gota d´água, é um dos grandes momentos do show. Muitos sonhos foram extraviados no caminho, talvez os do próprio compositor. Apesar deles, e apesar das gritarias a favor e contra ele, não vale a pena se afobar. Amanhã há de ser outro dia, Chico acreditou lá atrás. Futuros sábios tentarão decifrar o eco de palavras ofensivas, fragmentos de verdades, marcas de uma estranha civilização que escolheu viver sob o império do confronto e do rancor.
Enquanto não chega o outro dia, Chico decreta aos que o mandaram pegar uma caravana para Havana ou ficar no seu apartamento de Paris. “Sou um artista brasileiro”, encerra em Paratodos, no segundo bis, no show de estreia, realizado na quarta-feira. Sob rosas brancas e vermelhas, ele sai. Na carreira, sorri. Antes, uma fã, também ligeira, sobe ao palco e o agarra. Quando desce, Vânia, de 56 anos, se transforma. Agora é chamada por outras fãs de “a moça do abraço”. Chico enfurece? Sim. Mas Chico também rejuvenesce.