Ucraniana radicada nos Estados Unidos, Valentina Lisitsa, de 43 anos, é um fenômeno na internet. Nada menos de 200 milhões de pessoas já viram seus vídeos tocando piano. Se para grandes nomes da música clássica o desafio é se inserir no universo digital com o prestígio e a atenção obtidos nas salas de concerto, ela fez o caminho contrário. O YouTube se tornou o caminho que a levou a se apresentar nos principais teatros e com as grandes orquestras.
Tudo começou quando Valentina, insatisfeita com a escassez de convites para recitais, pediu a um aluno de cinema da Universidade de Miami que a filmasse interpretando um estudo do compositor Sergei Rachmaninoff. Postado no YouTube, o vídeo atraiu milhares de visualizações. Na terça-feira (28), ela chega a BH para tocar no Sesc Palladium. A turnê brasileira inclui São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro.
“O mundo da música clássica fala sempre da necessidade de se abrir para novos públicos, mas permanece conservador em seus conceitos”, diz Valentina. “A ideia de que para ouvir o que tocamos é necessário conhecimento prévio continua muito arraigada, deixando de lado o fato fundamental de que ouvir um concerto é como ir ver a Mona Lisa.
TÉCNICA Em seus vídeos, Valentina Lisitsa aparece tocando, ensaiando e discutindo obras. Também trata de temas polêmicos, como a crítica à formação de artistas baseada apenas na técnica. “Quando você pensa nos pianistas dos anos 1920, gente como Wilhelm Backhaus e Wilhelm Kempf, sabe quem eles são assim que começa a ouvi-los. Essa individualidade se perdeu e não foi por acaso. Há uma forma de ensino que não permite correr riscos, ousar, sair da norma, pois se você faz isso não ganha concursos. E esse continua sendo o foco de boa parte desse mundo”, diz Valentina
Ao comentar o programa dos recitais brasileiros, ela brinca com a obsessão do universo clássico pelo passado. “Toquei no piano que pertenceu a Beethoven. Meu Deus, ainda bem que ele estava surdo! Sua obra soa muito melhor nos instrumentos modernos”, ironiza, retomando logo a seriedade. “Por isso é preciso entender o que Beethoven criou como música do futuro.” Daí vem a noção de atemporalidade, que, segundo a pianista, deve ser ressaltada no contato com o público.
INTERVENÇÃO A presença na rede já lhe causou problemas. Em 2015, ela foi ao Twitter defender a intervenção russa na Ucrânia e teve concertos no Canadá cancelados. “No fundo, estamos tratando do outro lado da mesma questão, ou seja, de como o mundo da música clássica enxerga a si próprio. Muitas pessoas me disseram na época: como pianista, você não pode se colocar dessa maneira. Por que não? É o que penso como cidadã.
“Em minhas redes sociais, promovo meu trabalho, algo que a gravadora insiste que eu faça. Mas digo, antes de mais nada, o que penso, quem sou. O artista não é alguém estranho ao mundo, não precisa falar só de música. Até porque, não dá para dizer nada inteligente sobre música em 140 caracteres”, conclui.
Abaixo, confira: