Se o som distorcido das guitarras ainda balança estruturas, as palavras murcharam. Símbolo da contestação e de letras fortes em décadas passadas, o rock and roll ficou comportado e perdeu voz. O ritmo que no Brasil foi responsável por gritos de ordem que não envelhecem (Que país é esse? e Brasil, mostra sua cara) hoje fala, em geral, de amenidades. Os rebeldes compositores foram trocados por bons moços, para quem a imagem vale mais que o discurso. E o rock perdeu espaço para outros ritmos.
“O rock deixou de ser a linguagem da inquietação juvenil, processo nos últimos tempos assumido pelo hip-hop”, declara Frejat. De acordo com o parceiro de Cazuza (um dos maiores poetas do rock nacional), a vontade de dizer algo e de mudar o mundo com a música não mobiliza mais os roqueiros. “O rap ocupou as conversas sobre os fatores socioeconômicos, as reivindicações da periferia. Tem servido como agente político e ideológico, como já foi o rock”, completa o músico.
“De fato, o rock se amenizou em termos de veemência”, afirma o musicólogo Ricardo Cravo Albin. Para o pesquisador, Renato Russo e Cazuza foram os únicos poetas fortes e definidos em termos de intensidade na história do rock brasileiro. “A meu ver, os outros não chegaram aos pés desses dois, que qualificaram esse ritmo, embora, em termos de mensagem, sempre foi mais fraco do que a MPB clássica. Até porque, além desses dois poetas, o rock não teve nomes do porte de Vitor Martins, Chico Buarque e Aldir Blanc. Também nunca mais se teve algo igual à veemência de Brasil, mostra a tua cara, com essa força de protesto”, detalha.
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Frejat e Cravo Albin não divergem muito de Roger Daltrey, vocalista do The Who, em entrevista ao The Times. Daltrey disse que a questão é mundial e o rock perdeu relevância para o rap. “O que me deixa triste é que o rock já está morto… As únicas pessoas que dizem algo que realmente importa são os rappers. A maioria daquilo que é feito na música pop é descartável e esquecível”, declarou.
O cantor Paulo Ricardo, vocalista do RPM, faz análise parecida: “O hip-hop vem crescendo muito e tomou o lugar do rock como um gênero inquieto, com letras fortes.” Tecladista do Skank, Henrique Portugal admite que o rock nacional, principalmente a vertente mais pop, passou por mudanças e, com os anos, foi perdendo a veia mais política e social. “As letras de cunho social praticamente desapareceram. Porém, acho que isso é cíclico. Há três anos, as pessoas não estavam preocupadas com letras críticas e assuntos mais sérios. Em nosso álbum Multidão (2014), fizemos referências às manifestações de 2013”, lembra.
PROTESTO ERÓTICO Em Multidão, parceria com BNegão, o grupo mineiro canta: Chega de sermos cidadãos esmagados/ Oprimidos e violentados pelo Estado/ Vampirizados pela maior parte da classe dominante/ Esses, sim, os verdadeiros terroristas/ Que tudo fazem pra se manter no poder, numa guerra suja/ Enquanto a população real luta pra sobreviver.
Mas onde está a provocação na música brasileira? Ricardo Cravo Albin é taxativo: no rap e no funk. “Acho que a gente acabou perdendo isso. O contestador ficou na linha de Gabriel, O Pensador e alguns seguidores. E, de forma mais provocativa, no funk, que, a meu ver, é excessivo e menos qualificado. É uma provocação erótica, pornográfica, mas não deixa de ser uma provocação”, observa.
NOVAS VOZES DA RESISTÊNCIA Se o rock deixou de contestar e abordar o cotidiano do país, outros nomes da música contemporânea, em diferentes ritmos, escrevem letras em que a poesia é uma forma de debater política, racismo, drogas e desigualdade.
O rapper Emicida é um exemplo. A questão racial é um dos assuntos tratados com mais veemência em suas composições, como em Boa esperança: ''E os camburão o que são?/ Negreiros a retraficar/ Favela ainda é senzala, Jão!/ Bomba-relógio prestes a estourar''.
Criolo também usa o rap para falar do mundo das drogas, das mazelas da periferia e criticar os donos do poder. Cá pra nós, e se um de nós morrer/ Pra vocês é uma beleza/ Desigualdade faz tristeza/ Na montanha dos sete abutres, canta ele em Duas de cinco.
Bebendo do rock e de outros gêneros, o grupo Baiana System se tornou símbolo de resistência, com letras que têm o poder de refletir e contestar. Um dos exemplos é Lucro (Descomprimindo), que critica o avanço predatório da construção civil: Tire as construções da minha praia/ Não consigo respirar/ As meninas de minissaia/ Não conseguem respirar/ Especulação imobiliária/ E o petróleo em alto-mar/ Subiu o prédio eu ouço vaia.