Se o som distorcido das guitarras ainda balança estruturas, as palavras murcharam. Símbolo da contestação e de letras fortes em décadas passadas, o rock and roll ficou comportado e perdeu voz. O ritmo que no Brasil foi responsável por gritos de ordem que não envelhecem (Que país é esse? e Brasil, mostra sua cara) hoje fala, em geral, de amenidades. Os rebeldes compositores foram trocados por bons moços, para quem a imagem vale mais que o discurso. E o rock perdeu espaço para outros ritmos.
“O rock deixou de ser a linguagem da inquietação juvenil, processo nos últimos tempos assumido pelo hip-hop”, declara Frejat. De acordo com o parceiro de Cazuza (um dos maiores poetas do rock nacional), a vontade de dizer algo e de mudar o mundo com a música não mobiliza mais os roqueiros. “O rap ocupou as conversas sobre os fatores socioeconômicos, as reivindicações da periferia. Tem servido como agente político e ideológico, como já foi o rock”, completa o músico.
“De fato, o rock se amenizou em termos de veemência”, afirma o musicólogo Ricardo Cravo Albin.
Frejat e Cravo Albin não divergem muito de Roger Daltrey, vocalista do The Who, em entrevista ao The Times. Daltrey disse que a questão é mundial e o rock perdeu relevância para o rap. “O que me deixa triste é que o rock já está morto… As únicas pessoas que dizem algo que realmente importa são os rappers. A maioria daquilo que é feito na música pop é descartável e esquecível”, declarou.
O cantor Paulo Ricardo, vocalista do RPM, faz análise parecida: “O hip-hop vem crescendo muito e tomou o lugar do rock como um gênero inquieto, com letras fortes.” Tecladista do Skank, Henrique Portugal admite que o rock nacional, principalmente a vertente mais pop, passou por mudanças e, com os anos, foi perdendo a veia mais política e social. “As letras de cunho social praticamente desapareceram. Porém, acho que isso é cíclico. Há três anos, as pessoas não estavam preocupadas com letras críticas e assuntos mais sérios. Em nosso álbum Multidão (2014), fizemos referências às manifestações de 2013”, lembra.
PROTESTO ERÓTICO Em Multidão, parceria com BNegão, o grupo mineiro canta: Chega de sermos cidadãos esmagados/ Oprimidos e violentados pelo Estado/ Vampirizados pela maior parte da classe dominante/ Esses, sim, os verdadeiros terroristas/ Que tudo fazem pra se manter no poder, numa guerra suja/ Enquanto a população real luta pra sobreviver.
Mas onde está a provocação na música brasileira? Ricardo Cravo Albin é taxativo: no rap e no funk. “Acho que a gente acabou perdendo isso. O contestador ficou na linha de Gabriel, O Pensador e alguns seguidores.
NOVAS VOZES DA RESISTÊNCIA Se o rock deixou de contestar e abordar o cotidiano do país, outros nomes da música contemporânea, em diferentes ritmos, escrevem letras em que a poesia é uma forma de debater política, racismo, drogas e desigualdade.
O rapper Emicida é um exemplo. A questão racial é um dos assuntos tratados com mais veemência em suas composições, como em Boa esperança: ''E os camburão o que são?/ Negreiros a retraficar/ Favela ainda é senzala, Jão!/ Bomba-relógio prestes a estourar''.
Criolo também usa o rap para falar do mundo das drogas, das mazelas da periferia e criticar os donos do poder. Cá pra nós, e se um de nós morrer/ Pra vocês é uma beleza/ Desigualdade faz tristeza/ Na montanha dos sete abutres, canta ele em Duas de cinco.
Bebendo do rock e de outros gêneros, o grupo Baiana System se tornou símbolo de resistência, com letras que têm o poder de refletir e contestar. Um dos exemplos é Lucro (Descomprimindo), que critica o avanço predatório da construção civil: Tire as construções da minha praia/ Não consigo respirar/ As meninas de minissaia/ Não conseguem respirar/ Especulação imobiliária/ E o petróleo em alto-mar/ Subiu o prédio eu ouço vaia.
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