A acusação para o cancelamento do show, na extinta Estação 767, era “apologia ao uso de drogas”. Naquela noite de 7 de novembro, os integrantes da banda, impossibilitados de se apresentar, foram para outra casa noturna, o Studio Bar, para uma festa que Rogério Flausino, do Jota Quest, estava fazendo.
Na madrugada, foram levados para a delegacia de plantão do Departamento de Investigações, na Lagoinha. Detidos por cinco horas, só saíram na manhã seguinte. De lá, a história é conhecida: rumaram para Brasília de ônibus e, chegando à capital federal, foram presos. Foram oito dias na cadeia.
Vinte anos mais tarde, Marcelo D2, cinquentão desde o dia 5 deste mês, acha que o país de 2017 é um pouco melhor do que o de 1997 em relação “à liberdade de expressão”. “Por outro lado, estamos num momento meio parecido ao daquela época. Acho que a política no Brasil se alimenta do medo. ‘Os militares podem voltar ao poder? Então, vamos votar na extrema-esquerda! A esquerda come criancinha? Então, tem que votar no Bolsonaro!’ Política, no Brasil, é sobre o caos”, afirma.
Ao longo das duas últimas décadas, muitos cães ladraram, mas a caravana não parou.
Diversão “O Planet é hoje o projeto paralelo de todo mundo, um lugar em que a gente vai para se divertir. Fizemos a banda por causa disto e quisemos voltar a tocar (no início dos anos 2000 o grupo anunciou seu fim) também por isso. Não tem nostalgia. Oitenta por cento do nosso público não viu o Planet Hemp antes. E faço show há pelo menos 25 anos. E shows iguais ao do Planet não tem”, afirma D2.
Com BNegão e D2 nos vocais, mais o baterista Pedro Garcia e o baixista Formigão como integrantes oficiais, o Planet de 2017 não é muito diferente daquele que sacudiu a música pop brasileira na década de 1990. “A banda é única, surgiu na época em que o Brasil precisava de alguma coisa. E o país continua precisando daquela explosão”, diz ele.
Tanto que o repertório do show traz músicas dos três álbuns de estúdio do grupo, que tinham como principal tema a legalização da maconha: Usuário (1995), Os cães ladram mas a caravana não para (1997) e A invasão do sagaz homem fumaça (2000). D2 promete alguns covers, e também algumas mexidas em músicas antigas.
O Planet é projeto paralelo desde que ele assumiu sua bem-sucedida carreira solo. Neste ano, está dando um passo além. Depois de fazer a ponte do hip-hop com o samba, ele entrou na seara do jazz.
Estreou, na Europa, o projeto Marcelo D2 & SambaDrive, que só chegou ao Brasil na última semana, com duas apresentações no Blue Note, no Rio de Janeiro.
“Desde moleque, gosto muito de jazz. Tenho, inclusive, uma tatuagem do John Coltrane. E a coisa de o Brasil ter seu próprio jazz, a bossa nova, é algo que sempre me fascinou. A partir de À procura da batida perfeita (segundo álbum solo, de 2003), passei a beber muito na fonte do samba jazz brasileiro: Zimbo Trio, Walter Wanderley, Milton Banana, Azymuth”, conta ele.
Enquanto faz os dois shows – Planet Hemp e SambaDrive – ainda prepara um novo álbum. “Estou me sentindo agora melhor do que aos 40 anos. Voltei a correr, tenho dormido melhor, me sentido mais disposto”, diz D2, pai de quatro e avô de Giovanna.
“Hoje, sou um cara mais preocupado com o álcool do que com a maconha. A conversa com meus filhos sempre foi muito aberta. Minha filha de 17 anos parou de fumar maconha quando entrou para a faculdade. Todo o mundo usa droga em algum momento da vida. E só porque o álcool, por exemplo, é legal, não quer dizer que não seja droga.
E quanto à bandeira do Planet, 24 anos depois da criação da banda? “Acho que hoje não é mais uma questão se vão legalizar a maconha, e sim quando irão legalizar”, conclui.
FESTA FCK
Shows com Planet Hemp, Froid e Lagum. Terça (14), a partir das 22h, no Hangar 677, Rua Henriqueto Cardinalli, 121, Olhos d'Água. Ingressos: Pista: a partir de R$ 70; Pista premium: a partir de R$ 110. Informações: (31) 98718-6478. Classificação: 18 anos
Cinebiografia do Planet
Em 1993, dois jovens marginalizados pelo status quo encontram na Lapa, no Rio de Janeiro, o lugar ideal para darem início a uma banda. Rap, rock, música negra faziam a cabeça de Marcelo Maldonaldo Peixoto e Luís Antônio da Silva Machado, os dois amigos-irmãos que fundariam uma das mais influentes bandas daquela década.
Exibido no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, Legalize já, de Johnny Araújo e Gustavo Bonafé, é uma cinebiografia do Planet Hemp. Em destaque está o início da banda, com Marcelo D2 e Skunk (morto em 1994, vítima da Aids) à frente. O filme, que deve ser lançado no circuito comercial em fevereiro, é estrelado por Renato Góes (D2) e Ícaro Silva (Skunk).
D2 participou ativamente do projeto. Colaborou com o argumento e o roteiro, e fez a trilha com os músicos do SambaDrive. Ver a própria história na tela grande causou impacto em D2. “Mais assustador foi ver o Skunk. O Bernardo (BNegão), que não estava na banda na época da história do filme, tomou um susto quando viu. Para mim foi ver minha saudade transformada em filme”, diz.
Veja a versão de D2 e SambaDrive para 'A maldição do samba'
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