McCartney não ganhou o jogo de cara. Depois de uma versão morna de A hard day’s night, a escolha pelo rock sem encanto de Save us como a segunda música do repertório gelou o público, que parecia reagir com menos intensidade do que o de 2013. Mesmo encorpada, Letting go, do repertório dos Wings, também não ajudou – teria sido mais fácil conquistar de cara se as opções tivessem sido Jet e Got to get you into my life, tocadas em Porto Alegre.
A garganta, talvez prejudicada pelo vento e chuva no Sul, foi poupada no início para esquentar de vez na segunda metade da apresentação, logo depois de um medley acústico que resgatou de forma brilhante o início dos Beatles. Na homenagem a George Harrison, com a interpretação tocante e grandiloquente de Something, e na poderosa Band on the run, uma das sínteses musicais da década de 1970, Paul marcou dois golaços. E pareceu mais relaxado no palco: trocou olhares cúmplices ao ler os cartazes dos fãs, brincou com a sonoridade de algumas palavras em português (''recente'', ''moços e moças'') e com os 50 anos do Sgt. Peppers.
Usou o violão como instrumento de percussão, pediu e ganhou aplausos ritmados, até rebolou. Ganhou intimidade para chamar Belo Horizonte de BH. '''Valeu, sô!''. No palco, estava em casa. O que McCartney tem a oferecer é único e intransferível: um concerto com alguns dos grandes clássicos do século 20, interpretados simultaneamente pelo compositor, maestro e eventual solista. Quem é capaz de alternar a concisão acústica de Blackbird e Yesterday (só faltou For no one) com o psicodelismo de Being for the benefit of Mr.
Se houver uma terceira vez em BH, contudo, já imaginamos como será. Provavelmente, não seremos surpreendidos. Mas sairemos emocionados pela chance única de testemunhar – e ser cúmplices – de mais um dia na vida de um gênio da música. Get back, Paul.