Porto Alegre - Com duas dezenas de apresentações no país a partir de 1990, boa parte das plateias brasileiras que lotam os estádios para ver Paul McCartney já assistiu ao ex-beatle ao menos uma vez. E o que ele deixou claro anteontem, em 2h50, na estreia da turnê One on one no Brasil, é que, aos 75 anos, faz tudo (ou quase) absolutamente igual. Mas, definitivamente, cada vez é única.
Sob uma chuva fraca que foi e voltou, o show com ingressos esgotados no Estádio Beira-Rio (49,5 mil pessoas) marcou a 21ª apresentação de Paul McCartney no Brasil. Até a próxima sexta-feira terão, sido outras três: hoje em São Paulo, terça-feira em Belo Horizonte e dia 20 em Salvador (única cidade inédita no “currículo brasileiro” dele). One on one, que teve início em abril de 2016 em Fresno, Califórnia, chega ao Brasil bem azeitado. Desde então, já foram 65 apresentações.
Não há, sendo Paul McCartney, e nesta altura da vida e da carreira, como fazer um show que fuja da fórmula que ele aprimorou desde que voltou a fazer turnês, em 1989: um material numeroso dos Beatles divide espaço com canções dos Wings e da carreira solo. Desta vez, ele pesou (no bom sentido) a mão. Das 39 canções de sexta-feira, 26 foram dos Beatles.
É com um clássico que até esta turnê nunca havia sido executado por ele fora dos Beatles (a última vez havia sido em 1965), que o show teve início. Um longo acorde anunciou A hard day’s night dois minutos após as 21h.
O palco, que Paul divide com seus quatro músicos – o guitarrista Rusty Anderson, o multi-instrumentista Brian Ray (guitarra, violão e baixo), o impagável baterista Abe Laboriel Jr. e o tecladista Paul “Wix” Wickens – ganha diferentes contornos a cada música. Podem ser imagens – como as animações dos Beatles que acompanham Got to get you into my life, ou o clipe que exibe a modelo Kate Moss mais sedutora do que nunca em Queenie eye, ou jogos de luzes que vêm de imensos cubos.
PORTUGUÊS Nada foge ao script. O obrigatório cumprimento em português – “Oi, Porto Alegre. Tudo bem? Boa noite, Brasil” – vem já na terceira música, Can’t buy me love. A comunicação na língua nativa de cada país, marca de suas turnês mundiais, leva-o a mandar “trilegal” e “tribom” aos “gaúchos e gaúchas” da plateia. Mas o que o divertiu mesmo foi falar “recente” (repetindo a primeira sílaba, com o erre bem acentuado), ao citar canções da nova safra.
Paul não se apresentava no Brasil havia três anos. Para quem esteve na estreia da turnê anterior, Out there!, em maio de 2013, no Mineirão, já são quatro anos e meio. O pique é o mesmo. A voz, por sua vez, exibe certa fragilidade. Sem nunca sair de cena, ele vai se multiplicando – e parece se divertir mais do que qualquer um. O baixo que toca no início dá lugar a uma Gibson customizada, depois substituída pelo piano, em seguida trocado pelo violão.
“E agora vamos voltar no tempo. Esta é a primeira música que os Beatles gravaram”, disse, novamente em português, dando início a In spite of all the danger, a primeira canção autoral gravada pelos Quarrymen (a autoria é de McCartney e George Harrison). Lançada somente em 1995, na compilação Anthology, figura pela segunda vez em uma turnê de Paul.
O cenário que ilustra a canção, de acento folk e blues, é uma velha casa de interior. A imagem permanece no telão na música a seguir. “Sempre me perguntam como nasce uma música. Às vezes da melodia, às vezes da letra e às vezes de um riff”, disse, agora em inglês, explicando que You won’t see me havia nascido de um riff. Ela dá sequência a Love me do, outra velha novidade no repertório.
Dedicada a George Martin, Love me do “foi a primeira canção que George e eu fizemos nos estúdios de Abbey Road”, explicou. Aqui, o standard que Paul não tocava desde os Beatles ganha uma levada mais lenta. And I love her o leva a dar uma reboladinha de costas para a plateia.
COLA Pede luz para conseguir ler a “cola” com as frases em português. “Esta canção é sobre direitos humanos”. É a deixa para Blackbird, que, a exemplo da turnê anterior, leva Paul a ficar sozinho numa parte elevada do palco.
Cada conjunto de canções dialoga entre si. Deixado o momento mais emocional, é chegada a hora da safra contemporânea. Queenie eye (dançante na medida) e New (uma pequena pérola pop), ambas de 2013, casam muito bem com Lady Madonna, que, por seu lado, acaba dialogando com a mais recente música do repertório – FourFiveSeconds (2015), a canção que uniu Paul McCartney a Kanye West e é originalmente interpretada por Rihanna. No show, Paul se apropria completamente da música. Chama a atenção do público para acompanhar o refrão, cuja letra é destacada no telão. Funciona que é uma beleza.
A última hora do show é quase toda dedicada aos Beatles (as exceções são Band on the run e Live and let die). No cinquentenário do álbum Sgt. Pepper’s, três das 13 canções do disco estão no repertório: Being for the benefit of Mr. Kite!, A day in the life e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise). Além da imagem, agora em movimento, da mais famosa das capas de um disco de rock, a celebração do álbum ainda levou para o palco quatro fãs escolhidas na plateia. Paramentadas de uniforme azul, a cor usada por Paul na capa do disco de 1967, as quatro foram apresentadas ao público como as Sgt. Pepper’s Dancing Girls. Dançaram ao som de Birthday (fica a dica para algum aniversariante de 17 de outubro, dia do show no Mineirão).
Do repertório do show de Porto Alegre, 24 das canções também foram executadas no show de BH em 2013. E é impressionante que elas funcionam da mesma maneira, seja para iniciantes ou iniciados. São clichês maravilhosos, como os fogos no refrão de Live and let die; a homenagem a Linda em Maybe, I’m amazed; os celulares acesos de todo o estádio que emulam as luzes de vela acompanhando Let it be; os balões coloridos que surgem por todos os lados em Hey Jude.
Mas há sempre como fazer diferente. Paul e sua banda voltam para o bis empunhando três bandeiras: do Brasil, do Reino Unido, e do movimento LGBT (com as cores do arco-íris). A plateia, rendida já há muito tempo, vem abaixo. O final se aproxima. Paul ainda finge ir embora, mas até que os acordes de Golden slumbers tenham início, a bola ainda está em jogo. O show se encerra mesmo com Golden Slumbers/Carry that weight/The end e a invariável chuva de papel picado verde e amarelo. É sempre assim. Mas por que teria que ser diferente?
A repórter viajou a convite da T4F
PAUL MCCARTNEY EM BELO HORIZONTE
Show One on one. Terça (17/10), às 21h30, no Mineirão, Av. Antônio Abrahão Caram, 1.001, Pampulha. Ingressos: Cadeira superior (amarelo): R$ 350 e R$ 175 (meia); Cadeira inferior (amarelo): R$ 580 e R$ 290 (meia); Pista: R$ 400 e R$ 200 (meia); Pista premium: R$ 850 e R$ 425 (meia). À venda na bilheteria do KM de Vantagens Hall, Av. Nossa Senhora do Carmo, 230 (sem taxa de conveniência) e www.ticketsforfun.com.br (com taxa de conveniência). Amanhã e terça, a bilheteria do estádio estará aberta a partir das 10h para compra e retirada de ingressos comprados pela internet.
SET LIST
Confira as músicas do SHOW em Porto Alegre
A hard day’s night (Beatles)
Junior’s farm (Wings)
Can’t buy me Love (Beatles)
Jet (Wings)
Got to get you into my life (Beatles)
Let me roll it (Wings)
I’ve got a feeling (Beatles)
My Valentine (Paul McCartney)
Nineteen hundred
and eighty-five (Wings)
Maybe I’m amazed (Paul McCartney)
We can work it out (Beatles)
In spite of all the danger (Quarrymen)
You won’t see me (Beatles)
Love me do (Beatles)
And I love her (Beatles)
Blackbird (Beatles)
Here today (Paul McCartney)
Queenie eye (Paul McCartney)
New (Paul McCartney)
Lady Madonna (Beatles)
FourFiveSeconds (Paul McCartney, Rihanna, Kanye West)
Eleanor Rigby (Beatles)
I wanna be your man (Beatles)
Being for the benefit of Mr. Kite! (Beatles)
Something (Beatles)
A day in the life (Beatles)
Ob-la-di ob-la-da (Beatles)
Band on the run (Wings)
Back in the U.S.S.R (Beatles)
Let it be (Beatles)
Live and let die (Wings)
Hey Jude (Beatles)
Bis
Yesterday (Beatles)
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise) (Beatles)
Helter Skelter (Beatles)
Birthday (Beatles)
Golden slumbers (Beatles)
Carry that weight (Beatles)
The end (Beatles).