É com a cinquentenária Alegria, alegria que os Veloso – Caetano, de 75 anos, Moreno, de 44, Zeca, de 25, e Tom, de 20 – abriram a temporada de shows que, pela primeira vez, reúne o pai e seus três filhos. Depois de duas apresentações no Rio de Janeiro, terça, 03, e quarta-feira, 04, Caetano, Moreno, Zeca e Tom chegaram a BH para dois shows – sábado (7) e domingo (8), no Palácio das Artes. Durante 90 minutos, o quarteto desfia, de forma despretensiosa, canções do patriarca – inclusive as três que ele compôs para os filhos quando eles nasceram: A tua presença morena (1971), Boas-vindas (1992) e Um Tom (1997). Na entrevista a seguir, Caetano, como sempre, não foge da raia. Da era Temer à era das celebridades, fala (e bem) sobre qualquer assunto.
O que cada um de seus três filhos trouxe de novo para você com este projeto?
Cada um é uma viagem. Moreno trouxe o relaxamento e a sabedoria que sempre traz, com suas canções e jeito de cantar delicados. Zeca trouxe suas canções, até aqui desconhecidas de qualquer público, cheias de sentimento e personalidade. Tom trouxe o jeito desencanado e a vontade muito maior de tocar do que de cantar.
No projeto, até onde vai o pai e começa o artista?
Como pai, todos os três têm o mesmo peso para mim.
Seus filhos têm maneiras diferentes de lidar com a música?
Cada um tem seu jeito. Moreno é delicadeza e liberdade espiritual. Zeca é sentimento profundo. Tom é o prazer das relações sonoras. Nós pensávamos que íamos convidar instrumentistas para tocar pra gente. Por fim decidimos que nós mesmos faríamos tudo.
Sobre seu próximo álbum de inéditas, ele pode se tornar um projeto dos Veloso? Aliás, por que só na Bahia existem tantos clãs musicais?
Há inéditas de cada um de nós no show. Podemos fazer um álbum com as conhecidas e as novas. Mas também pode ser que tudo sirva para cada um de nós fazer um trabalho individual. Mas esse negócio de clã: será que é só na Bahia?.
Artistas LGBT vêm se destacando cada vez mais no cenário da música brasileira. Devemos colocá-los todos no mesmo nicho (Liniker, Johnny Hooker, Rico Dalasam, Pabllo Vittar)? Musicalmente, eles trazem algo de novo?
Todos os que você citou são interessantes. Estive com Liniker num festival em São Paulo. Ele viu parte do meu show, que era só de voz e violão, portanto não era um show tecnicamente muito enriquecedor. Ouço Pabllo Vittar no rádio sempre à tarde. São gravações muito boas.
Foi grande a polêmica sobre o livro escrito por Márcio Nolasco e Carlos Eduardo Drummond (Caetano, uma biografia, que não foi autorizada por ele). Passados seis meses do lançamento, você chegou a lê-lo? Se sim, qual a sua opinião depois da publicação?
Li todo. Achei que foi um livro feito com muita dedicação. A pesquisa é extensa. Eles entrevistaram muitas pessoas. E as pessoas certas. Há pequenos erros, como sempre há. E o livro não tem muita força expressiva. Mas não há motivo para polêmica. Acho que tudo girou em torno da discussão sobre a necessidade de biografados autorizarem biografias. Eu nunca fui a favor disso.
Sua casa virou uma espécie de front de resistência, onde se articularam shows pelas Diretas já, reação ao decreto das reservas na Amazônia. Milton Nascimento chegou a dizer que ''quando se trata de Brasil não se recusa um convite de Caetano Veloso''. Quando se trata do Brasil atual, não dá para ficar calado?
Fui contra o impeachment de Dilma e detesto o grupo que se beneficiou disso. Temer? A gente vê malas de dinheiro, salas de dinheiro, e essa mesma gente permanece em seus postos. Cunha só foi preso depois de tirarem Dilma. Geddel, depois do apartamento cheio de dinheiro. Mas Temer não sai. Nunca fui petista nem lulista. Mas o pior de Lula foi ter feito acordos com essa gente e levado Temer à vice-presidência. Agora, eu não tenho temperamento para articular protestos.
Foi de Paula Lavigne a ideia de levar a líder indígena Sonia Guajajara para o palco da Alicia Keys, no Rock in Rio? Qual a sua opinião sobre esse protesto?
Paulinha tem feito reuniões com artistas, políticos e ativistas. Não só para resistir à situação que se instaurou, mas também para tentar unir grupos que se afastaram por causa da polarização. Eu acompanho com interesse e carinho. Estamos juntos de novo, mas moramos em casas separadas. Eu vou aos encontros que acontecem na casa dela como convidado. Às vezes, como foi o caso no dia em que Haddad (Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo) foi lá, tenho ensaio no mesmo horário e fico sem poder ir ou chego atrasado. Ela liderou o #342agora e o 342Amazônia. A ida de Sonia Guajajara ao Rock in Rio foi organizada por ela como parte disso. Estive com Alicia Keys na casa de Paulinha quando Sonia foi lá. Pretinho da Serrinha e um grupo de músicos estavam lá e na tarde seguinte voltaram para ensaiar com Alicia. Mas eu não tomei parte nas negociações que levaram a isso.
Caravanas, novo álbum de Chico Buarque, foi chamado de machista. Houve ainda quem dissesse que ele está acomodado dentro da zona de conforto buarqueana. Qual a sua opinião sobre o álbum?
Eu adorei logo a primeira música que saiu, a Sua cantiga, que foi sentida como machista por algumas feministas das redes sociais, sei lá. Fiquei apaixonado pela harmonia, o ritmo e a instrumentação. Ouvi com prazer profundo. E fiquei fascinado pelo encanto que vinha da letra, uma estranha beleza nas rimas. Depois ouvi Caravanas, que é lindíssima, com aqueles ''suburbanos como muçulmanos do Jacarezinho'' que chegam ao Jardim de Alá! Eu já adorava Massarandupió, que Chico Freitas (Chico Brown, neto de Chico) tinha me mostrado no verão, em Salvador. Daí ouvi Chico dizendo que viraria menina ''pra ela me namorar'', em Blues para Bia. Em 2011, Chico já estava fora do que chamam de ''zona de conforto''. Quando ele escreveu Partido alto, Baioque, Você não gosta de mim já estava fora dessa zona. E Construção.
Um marco da banalização da internet foi o dia em que você estacionou o carro no Leblon e isso virou notícia. É difícil ser uma celebridade na era dos selfies, redes sociais e fake news?
Fake news não dá. O caso do carro no Leblon ficou engraçado. Era uma notícia sobre nada. Selfies? Às vezes tem gente demais querendo. E tem lugares em que se torna impossível. Ser famoso ou ser anônimo é tudo a mesma coisa. Não ligo muito pra isso. Gosto de ser famoso. Gosto de ser anônimo. Fui até os 25 anos, voltei a ser no exílio e ainda sou na maior parte do mundo.
CAETANO MORENO ZECA TOM VELOSO
Domingo (8/10), às 19h. Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Plateia 1: R$ 280 (inteira) e R$ 140 (meia-entrada). Plateia 2: R$ 230 (inteira) e R$ 115 (meia-entrada). Plateia superior: R$ 180 (inteira) e R$ 90 (meia-entrada)..