Avesso a festivais, Milton Nascimento não sabia da inscrição de Travessia antes da classificação

Bituca foi o único a ter três músicas entre as finalistas, superando compositores consagrados como Chico Buarque e Vinícius de Moraes

por Renan Damasceno 01/10/2017 07:30

Arquivo O Cruzeiro
(foto: Arquivo O Cruzeiro)
Embora já ocupasse as frequências dos rádios e palcos desde o ano anterior, quando Elis Regina gravou pela primeira vez Canção do Sal, foi há 50 anos que a música mineira entrou definitivamente no mapa da Música Popular Brasileira. Entre 19 e 22 de outubro de 1967, Travessia, primeira parceria entre Milton Nascimento e o compositor Fernando Brant, ficava em segundo lugar no II Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho, no Rio, atrás de Margarida, de Guarabyra, e à frente de compositores já consagrados como Chico Buarque e Vinícius de Moraes.


Se hoje, Travessia goza de tal unanimidade, por muito pouco a composição não ficou de fora do festival. Milton não era afeito ao clima de competição dos festivais, tanto que coube a Agostinho dos Santos inscrevê-la junto com outras duas: Maria, minha fé, interpretada pelo próprio Agostinho, e Morro Velho, defendida por Milton, que havia escrito a música na mesma tarde que compôs a melodia de Travessia – a música era para se chamar Vendedor de Sonhos, mas depois de ganhar letra de Brant, foi eternizada com a última palavra do romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.


“O Bituca sempre fez questão de agradecer ao meu avô por tudo, por tê-lo inscrito no Festival sem o conhecimento dele”, lembra o músico Tiago dos Santos, neto de Agostinho (1932-1973).

MOMENTO POLÍTICO

O Brasil estava em ebulição naquele outubro de 1967, um ano antes do Ato Institucional Número Cinco (AI-5), que ficaria marcado pela perseguição a artistas. No mesmo fim de semana, o III Festival de Música Brasileira, promovido pela TV Record, em São Paulo, era marcado por polêmicas e músicas de protesto contra o regime. Edu Lobo venceu com Ponteio. 

Leandro Couri/EM/D.A. Press
Diploma concedido a Milton e Brant pelo segundo lugar no FIC (foto: Leandro Couri/EM/D.A. Press)
No Rio, o II FIC, promovido pela TV Globo, recebia músicos estrangeiros e atraia estrelas internacionais, como a atriz Kim Novak.


Único a classificar três músicas entre as 20 finalistas, Milton defendeu Travessia com maestria. A apresentação, com Milton engomado em terno alugado, ao lado de Fernando, com o blazer emprestado por Toninho Horta, foi um divisor de águas para os mineiros, abrindo as portas para a geração do Clube da Esquina ao passo que o mundo era apresentado à voz sublime de Bituca.

 

MAIS SOBRE MUSICA