Em 2018, Racionais MCs – o grupo de hip-hop mais importante do Brasil – completa 30 anos. E não só de rap. Sem recorrer a patrocinadores e leis de incentivo, sem pagar jabá e na contramão das majors da indústria fonográfica, Edi Rock, Mano Brown, KL Jay e Ice Blue formam a banda independente mais antiga do mainstream nacional.
“Chegamos aqui sem dinheiro público ou o dinheiro da indústria do álcool. Sobrevivemos da bilheteria, da venda dos nossos discos. Reinvestimos tudo o que ganhamos. Essa é a nossa ideologia”, afirma Edi Rock. “Não é à toa que a gente chegou aonde chegou com o apoio de uma multidão de fãs. Se o Racionais não tivesse trilhado esse caminho, não seria o Racionais”, diz o MC e compositor. Neste sábado (16/9), o grupo se apresenta na Festa Push!, no Hangar 677, em BH. Os ingressos estão esgotados.
saiba mais
As mulheres, aliás, têm se destacado na cena. “Elas chamam a atenção no canto, na rima e na postura”, elogia o experiente vocalista do Racionais. De fato, Flora Matos e Karol Conka são exemplos de que o machismo e a misoginia vêm perdendo a briga para as rimas feministas e libertárias. Da novíssima geração, a mineira Clara Lima e a paulista Triz, ambas de 18 anos, chamam a atenção por seu talento. Quebram paradigmas, defendendo o respeito às lésbicas e a transgêneros com versos inspirados e contundentes. Por sua vez, Rico Dalasam, de 27, projetou-se como “rapper, negro, gay e da periferia”.
“Isso tudo é ótimo, tá ligado? A gente sempre brigou pela liberdade. Nossa liberdade foi conquistada”, avisa Edi. Ao comentar a trajetória de Dalasam, observa: “Com toda essa subversão, pobre e negro. É três vezes mais difícil.” Outro talento que chama a atenção dele é Luccas Carlos, de 23. Com seu rap mesclado com R&B, o jovem carioca já bateu 8 milhões de visualizações em seu canal oficial no YouTube.
SEMENTE “Rap é pós-graduação para a vida”, resume Edi, que completa 47 anos na quarta-feira. “Derrubamos portas, a nossa escora é forte. A base está construída. Plantamos a semente para a geração de hoje. Rap é avalanche que ninguém segura. Se ele é respeitado hoje, isso se deve a quem guerreou, foi processado no passado, aguentou muitos BOs. A gente construiu a base e o prédio já está alto, mas ainda falta muito”, pondera.
O veterano do Racionais observa que ainda é necessário progredir em termos de profissionalização e estrutura. Porém, destaca o empreendedorismo dos jovens. Emicida e o irmão Evandro Fióti, por exemplo, já viraram case da economia criativa. Montaram a produtora Laboratório Fantasma, que grava discos, administra carreiras, organiza shows e ainda tem um braço na moda. Com a grife LAB, os dois paulistas vêm causando furor na São Paulo Fashion Week. “A nova geração abraçou esse estilo de vida na roupa, no pensamento. Enxerga as coisas melhor”, aprova o veterano.
A internet – que revolucionou o mercado da música – aproximou as novas gerações do Racionais, cuja discografia está disponível nas plataformas digitais. Jovens que nem haviam nascido quando a banda surgiu sabem de cor as quilométricas letras do grupo.
Esse diálogo se dá de forma tranquila, assegura Edi Rock. Integrantes do grupo participam de discos de Rashid, Rael, Projota e da banda Oriente, por exemplo. “Nosso diálogo com os jovens é parecido com o que a gente tem com nossos filhos”, compara ele, pai de duas garotas, de 22 e 24 anos. Nos shows, conta, os fãs recém-chegados se identificam com o rap renovado do último disco do grupo, Cores e valores (2014), que traz faixas curtas marcadas por tensão e pela batida pesada do trap. Porém, não podem faltar as quilométricas Negro drama e Vida loka – hits da velha escola.
Edi tem carinho especial por Mágico de Oz, faixa de Sobrevivendo no inferno, que completa 20 anos em dezembro. Esse disco foi um marco da música independente: vendeu 1,5 milhão de cópias (fora a pirataria), sem pagar jabá e à margem das então poderosas gravadoras.
NEGRO DRAMA É impressionante constatar, durante os shows, a força das músicas antigas do Racionais tantos anos depois de seu lançamento. Uma delas, A vida é desafio, tornou-se marca registrada de Edi. Celebra a autoestima, convocando o jovem da periferia a superar o mundo que o exclui. Negro drama – veemente denúncia do racismo e do preconceito vividos por guetos e favelas – provoca catarse até hoje. Foi escrita há 15 anos, mas retrata o Brasil de 2017. Não ficou datada. “Infelizmente”, comenta Edi Rock, lamentando o fato de a letra denunciar vergonhas que o país já deveria ter superado. “Fomos enganados mais uma vez”, ironiza, referindo-se à postura dos políticos brasileiros. “Infelizmente, Negro drama virou bandeira.”
O repertório desta noite trará clássicos mesclados a raps que Edi e Mano Brown gravaram nos respectivos discos solos, Contra nós ninguém será (2013) e Boogie naipe (2016). That’s my way, que Edi dividiu com Seu Jorge, caiu no gosto da moçada – o vídeo oficial no YouTube superou 19,3 milhões de visualizações. Porém, o “Racional” avisa: ele, Brown, KL Jay e Ice Blue jamais compuseram pensando na internet.
“A gente faz arte. Música boa vai a todos os lugares. É por isso que o público lota os nossos shows”, diz Edi, comemorando o fato de a banda ainda arrastar multidões em todos os cantos do país.
"Falta profissionalismo"
O rapper Edi Rock passou os últimos dias em São Luiz do Maranhão, onde fez shows solo e palestras. Ao conversar com o EM, disse desconhecer a morte de Allan Pontelo, de 25 anos, dentro do Hangar 677, onde o Racionais vai se apresentar. Foi informado pela repórter de que a família acusa os seguranças de espancar o rapaz, enquanto a equipe alega que Allan, drogado, sofreu uma parada cardíaca. A Polícia Civil investiga o caso. (Saiba mais: Pai de jovem espancado em boate de BH espalha outdoors para pedir justiça).
O músico defende a apuração rigorosa da tragédia. Explica que casos de violência, comuns em casas de shows, fogem ao controle do artista. “Geralmente, há problema lá fora e a gente nem fica sabendo.” E adverte: "é preciso que autoridades, contratantes e casas de espetáculos assumam as respectivas responsabilidades".
Com 30 anos de carreira, diz que falta profissionalismo no ramo. Segundo o rapper, há contratantes “que só pensam em economizar”, optando “por serviços mais baratos”, prestados por gente sem preparo. E chama a atenção para o fato de profissionais de outros setores fazerem “bico” como segurança.
“Muitos contratantes não estão nem aí, não ligam se a bebida é ruim, se o segurança é treinado. Só se interessam em lucrar ou, pelo menos, em empatar o caixa”, resume. Ele também chama a atenção para casos em que a fiscalização “finge não ver” irregularidades. “É aquela história: tudo por dinheiro”, critica.
RACIONAIS MCS
Hangar 677. Rua Henriqueto Cardinalli, 121, Olhos D’Água. Sábado (16/9), a partir das 22h. Festa Push! Ingressos: R$ 80 (3º lote). Informações: goo.gl/tNseJ6. INGRESSOS ESGOTADOS