Há quase dez anos, com apenas 21 anos, a californiana cantou que havia “beijado uma garota e gostado disso”. A polêmica canção I kiss the girl foi reprovada por sua mãe religiosa, mas aceita pelo resto do mundo e logo tornou-se um dos maiores hits de 2008. Assim, Katy Perry iniciou uma invejável carreira na indústria fonográfica.
Nos anos seguintes, Perry consolidou-se como uma das maiores hitmakers de nossa geração. O álbum Teenage dream (2010) quebrou o recorde do clássico Bad (1987), de Michael Jackson, como disco que mais colocou músicas em primeiro lugar na Billboard Hot 100, com um total de cinco singles, entre eles California gurls, Firework e E.T.
O álbum Prism (2013) foi como uma continuação do Teenage dream, tanto no sucesso, quanto no estilo. Katy continuou o êxito comercial, mas passou a ser apontada por críticos e fãs de músicas pop como “repetitiva” e “presa na zona de conforto”. Witness, que já está disponível em plataformas digitais como Spotify, parece ter sido idealizado para acabar com isso.
Hoje, com cabelos curtos e loiros no estilo Roxette, Katy pouco se parece com a lolita de I kiss the girl. Após o resultado das eleições norte-americanas, a cantora transformou-se em uma ávida ativista contra o presidente Donald Trump. Suas músicas, embora continuem excessivamente pop, agora carregam estéticas retrôs, experimentalismos saudáveis para a música pop e performances que ganharam um tom político visível.
Ao ouvir o álbum por completo, é possível afirmar que Katy Perry se esforçou para passear fora de sua zona de conforto, sem fugir de suas raízes. Witness mescla o pop tradicional com a música disco e o dance dos anos 80, embarcando em uma onda nostálgica semelhante ao disco Starboy, do The Weeknd, lançado no segundo semestre do ano passado. Ainda assim, o álbum soa inovador e futurista, estabelecendo uma ponte entre o derradeiro e o póstero.
Witness faixa por faixa
Witness
A baixa de abertura é a melhor do álbum. Tem um início intimista e cativante, mas logo se transforma em uma poderosa música pop que fala sobre a procura de uma vida intensa. O som do teclado, mesclado a um “quê” eletrônico dos anos 1990, cria uma atmosfera encantadora. Witness é um tipo de música que serve para dançar, refletir e se emocionar de diversas formas.
Hey hey hey
A segunda faixa é para as pistas e trata sobre superação, um tema excessivamente recorrente na carreira da cantora. Sua produção segue a cartilha da música pop atual, é dançante, mas esquecível.
Roulette
Mais uma faixa excelente, Roulette possui um sagaz sintetizador retrô que torna o refrão ótimo de se ouvir. A canção tem uma construção confortável no pop atual, mas resgata muito bem as músicas dance dos anos 80, como hits do Depeche Mode e do Eurythmics. Katy Perry já lançou três singles para o Witness e é curioso que nenhum deles seja Roulette.
Swish swish (feat. Nick Minaj)
A quarta faixa, que tem colaboração da rapper Nick Minaj, é mais um acerto do álbum. Embora tenha uma pegada mais obscura no refrão, sua composição faz muita referência à música disco, evocando pistas coloridas e cheias de drag queens, como na apresentação da música no programa americano Saturday Night Live. A presença de Minaj traz uma ótima essência hip hop que encerra a canção com chave de ouro.
Deja vu
Essa é uma música pop mais leve, os vocais de Katy Perry no refrão são suaves, as batidas eletrônicas são agradáveis e evocam um dançar boogie setentista. Por causa da suavidade eletrônica, é possível estabelecer alguma semelhança com a australiana Kylie Minogue.
Power
Colocando Power faixa ao lado de outras músicas da carreira de Katy, ela soa experimental, com sons ambientes antigos, distorcidos, baterias frenéticas e viradas em momentos inesperados. No refrão, o pop tradicional é mantido, não é um grande feito, mas não deixa de ser uma música positiva para o álbum.
Mind maze
Com um ritmo mais lento e uma letra interessante, nessa faixa Katy Perry aparece com uma voz carregada de um auto-tune, criando um efeito futurista e ajudando na ideia de distorção psíquica que a canção aborda.
Miss you more
Essa é aquela faixa tabelada que todo álbum pop tem que ter; fala sobre amor, saudade e tem um ritmo lento numa tentativa de emocionar. Katy Perry geralmente usa de faixas como essa para expressar seus sentimentos mais íntimos. Em Witness, no entanto, ela soa descartável.
Chained to the rhythm (feat. Skip Marley)
Embora não tenha chamado tanta atenção do público, o primeiro single do álbum tornou-se maior com o tempo, através de seu clipe e performances ao vivo que fizeram críticas a atual situação política dos EUA. Sua letra, composta por Sia, é uma interessante análise da sociedade atual, abordando a formação das bolhas digitais e o eterno conformismo das massas que aqui estão “acorrentadas ao ritmo” do pop de Perry.
Tsunami
Tsunami possui um instrumental interessante, a repetição do título da faixa durante da música é divertida, mas em geral ela não cativa.
Bon appetit (feat. Migos)
Quando Bon Appetit foi lançada como segundo single do álbum, dividiu opiniões. Embora seja excessivamente pop, ela não seguiu o selo de qualidade da cantora. Ao ouvir o Witness por completo, ela parece ainda fraca e esquecível. A letra faz duplo sentido entre fome e apetite sexual, os sintetizadores são elaborados, mas não salvam a canção.
Bigger than me
Já nos passos finais do álbum, algumas canções começam a soar repetitivas, e Bigger Than Me é uma delas. A música tem uma boa intenção de grandiosidade, a letra é interessante, mas não foge da mesmice e pode passar despercebida na primeira audição.
Save as draft
Uma típica baladinha em que Katy mostra seu talento como compositora e seu vocal mezzo soprano em estúdio, mais controlado e eficiente que em muitas de suas performances ao vivo. A canção tem uma letra interessante, comparando relacionamentos mal sucedidos à ferramenta de "salvar rascunho".
Pendulum
Pendulum é uma boa surpresa nos momentos finais. É bastante diferente de todo o resto do Witness, com a presença de instrumentos mais orgânicos e um coral de igreja que explora a música gospel de forma bastante divertida e positiva, não deixando de lado os sintetizadores.
Into me you see
Do jeito que Katy Perry adora, uma música lenta encerra o álbum. Into Me You See tem uma bela letra e destoa bastante do resto do disco. A música é tão pessoal que, na festa de escuta do álbum, foi a única canção que a cantora não ouviu em público..