O primeiro encontro entre Toninho Horta e Luiz Eça (1936-1992) ocorreu há meio século, durante a edição do Festival Internacional da Canção (FIC) de 1967. O primeiro havia classificado duas canções – Maria Madrugada e Nem é carnaval. O outro era um dos arranjadores do evento. “Eu e o Milton (Nascimento) éramos os únicos com mais de duas músicas ali, e todo mundo queria conhecer os mineiros. Ensaiei uma música com o Luizinho e logo depois fui à casa dele. Desde então, a admiração só aumentou”, relembra Toninho, um dos discípulos do pianista, compositor e arranjador, que morreu aos 56 anos.
Toninho Horta, Dori Caymmi, Edu Lobo e Zé Renato prestam homenagem a Eça no disco que acaba de sair pela Biscoito Fino. Idealizado por Igor, filho do músico, Em casa com Luiz Eça buscou resgatar os saraus que o fundador do Tamba Trio promovia informalmente em sua casa, sempre de portas abertas para os artistas e os amigos.
“Papai sempre gostou de reunir em casa, na Rua Visconde de Albuquerque, no Leblon. Era essa a ideia que a gente queria passar, aquela celebração da amizade em torno da música”, diz Igor, que também é músico e assina a direção do álbum.
Quando idealizou o projeto que celebra os 80 anos de Luiz Eça, Igor não tinha ideia de como batizá-lo. No meio das pesquisas, recebeu uma ligação de Phillipe, filho de Baden Powell, que havia encontrado uma preciosidade em sua casa, na França. “Ele me mandou o áudio de uma parceria inusitada do meu pai com o ator Carlos Vereza. Eles eram muito amigos, mas nunca soube que o Vereza fazia música (risos). Essa composição se chamava Em casa, que acabou batizando o disco”, relata.
O CD traz 12 faixas compostas por Luiz Eça – entre elas, Imagem, parceria com Aluísio de Oliveira; Oferenda, feita com a primeira mulher, Lenita Plonczinski, mãe de Igor; Reencontro e Alegria de viver , com Fernanda Quinderé, jornalista e escritora que também foi casada com Eça, e Quase um adeus, parceria com Paulo César Pinheiro.
Quase um adeus tem uma história saborosa. Em 1965, num bar, Vinicius de Moraes se encontrou com Eça, que estava se separando. Aproveitando o mau momento do amigo, o Poetinha fez ali mesmo a letra – a primeira e única parceria dos dois.
“Papai tinha feito a melodia e o Vinicius comentou que achava a música muito triste. Infelizmente, eles usaram o papel onde estava a letra para enrolar fumo e queimou. Ou seja, fumaram a canção e ela se perdeu. Só bem depois o Paulo César Pinheiro fez uma outra letra”, conta Igor. A única inédita do álbum é o bolero Menino da noite, composta por Paulo César e Igor. “Em vez de reescrever os arranjos, fiz mais ou menos o que acho que ele gostaria que tivesse feito. Outra coisa bacana: não havia homenagem cantada para ele. Sempre era em cima do Tamba Trio, de todo aquele balanço. O trunfo deste tributo é justamente mostrar as músicas dele cantadas que fizeram parte da história da Bossa Nova”, explica.
BAQUETAS
O lançamento oficial de Em casa com Luiz Eça ocorreu em abril, no antigo Teatro Tereza Rachel (atual Theatro Net Rio), na capital fluminense. Curiosamente, foi ali que o cantor e compositor Zé Renato viu o Tamba Trio tocar. “Não me esqueço de que os músicos distribuíram baquetas e objetos de percussão para a plateia. Aquele momento de descontração me marcou muito”, relembra. O grupo, criado em 1962, era formado por Eça, Hélcio Milito e Bebeto Castilho.
Para Zé Renato, o encontro que resultou no álbum foi uma reunião de gente que amava Luiz Eça – mais que isso, de artistas que o tinham como referência. “Ele era artista de muita personalidade. Sua concepção muito pessoal trouxe novas luzes para os arranjos, as harmonias. Lembro-me do Luizinho no Chico’s Bar, no Rio, tocando piano. Sempre com um gesto de carinho e generosidade, chamava a gente pra cantar com ele. Luiz Eça foi um mestre. Ele ajudaria muito a enriquecer o atual panorama musical brasileiro”, ressalta.
HARMONIA
Toninho Horta – que vai lançar seu primeiro songbook no dia 23, no Teatro Bradesco – destaca a importância do amigo, um dos músicos brasileiros mais importantes da segunda metade do século 20. O mineiro diz que Eça ditou a harmonia moderna, que acabou influenciando grandes arranjadores como Dori Caymmi e Edu Lobo.
“Luizinho sempre foi uma pessoa aberta. Muita gente bebeu nessa fonte, inclusive eu. Muito do que faço musicalmente devo a ele. Era audacioso, criativo e tinha uma capacidade técnica impressionante. A música dele estava à frente de tudo e por isso sua obra ainda está aí”, conclui Toninho Horta.
EM CASA COM LUIZ EÇA
» Com Toninho Horta, Dori Caymmi, Edu Lobo e Zé Renato
» Biscoito Fino
» R$ 29,90