Os números são claros. Nos últimos anos, a música digital, especialmente via streaming, se tornou mais importante do que as mídias físicas no faturamento da indústria fonográfica no Brasil e no mundo. A maior parte das receitas do setor vem da assinatura e dos lucros obtidos por serviços como Spotify e o Deezer, enquanto o consumo de discos e DVDs caiu. Se os vinis sobrevivem pelo fetiche de colecionadores e apreciadores do formato, o CD, que antes reinava absoluto no mercado, vive um momento trôpego, mas ainda consegue sobreviver em lojas tradicionais de Belo Horizonte.
De acordo com o relatório anual publicado no mês passado pela Pró-Música Brasil, a antiga Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), as vendas físicas em 2016 caíram 43,2% em relação ao ano anterior. Os R$ 108 milhões movimentados pela venda de CDs, LPs e DVDs representam uma fatia de apenas 22% do total da indústria nacional. Nos últimos anos, manchetes falando sobre “a volta do vinil” estamparam várias publicações, com o retorno de lançamentos no formato, e comércio de vitrolas modernas e de baixo custo virando tendência, tanto no Brasil quanto no exterior. No caso dos bolachões, o saudosismo conseguiu esboçar uma recuperação. Mas e os CDs? Os dispositivos que invadiram lojas, caixas de presentes e estantes em vários lares na década de 1990 estão fadados a desaparecer?
Se depender de gente como Carlo Giatti e seus fregueses, a resposta é não. Carlo herdou de seus pais a Discomania, situada na Rua Paraíba, na Savassi, desde 1979. O local faz jus ao nome, se tornando reduto de colecionadores e fanáticos por novidades e raridades musicais. Se antes as lojas de discos estavam espalhadas por várias esquinas, hoje a Discomania é uma das poucas resistindo às transformações sofridas por esse comércio, primeiro com a pirataria, depois com a música digital. Mesmo diante de tudo isso, ele mantém a perseverança. “Morrer não morre não, tem um público que gosta, que fez investimento em bons equipamentos e não ouve Mp3. O CD é prático, tem qualidade e muita gente quer ter informações sobre o disco, quem tocou, quem produziu. Isso ainda difere um pouco, porque nem sempre está disponível na internet”, argumenta o lojista.
Apesar da segurança em relação ao valor que o CD ainda tem, Carlo reconhece o mau momento das vendas, mas o atribui a outros fatores: “O que mais afeta é a crise financeira mesmo. Como é um produto infelizmente tido como supérfluo, o pessoal deixa de comprar. Mesmo os compradores mais assíduos sumiram, mas sempre tenho coisas que não estão no Spotify. Se eu sei o gosto da pessoa, posso dar até uma consultoria para ajudar na escolha”, afirma.
Entre os gêneros mais vendidos na Discomania, Carlo cita o pop rock internacional, além da MPB, bossa nova e jazz. “Se existisse ainda catálogo clássico, venderia bem, mas não há isso nas gravadoras no Brasil, teria que importar”, lembra ele, citando uma boa procura pelo estilo. Os dados da loja vão na contramão do que o mercado nacional registra. Entre os discos mais vendidos no país em 2016, o sertanejo lidera ao lado da música religiosa. “Vendo pouquíssimo sertanejo e pop nacional. Simone & Simaria (dupla de sucesso do sertanejo atual) chegaram a encomendar e nem vieram buscar”, conta Giatti.
Em outro ícone do comércio musical da capital as percepções são parecidas. Responsável pela Discoplay, no Centro desde 1982, Horeme Franco diz que “dentro do possível, o mercado vai pedindo e a gente vai atendendo”. Com um catálogo de mais de 30 mil títulos entre CDs e DVDs, ele também aponta a crise econômica como o fator principal de queda nas vendas. “O problema maior é a situação que o país vem atravessando, isso é muito pior que qualquer enxugamento nos formatos. No mais, temos o tempo de casa, uma clientela conhecida, nome na praça, e tentamos manter a qualidade com bom atendimento e variedade, sem segredo”, explica..
O acervo da Discoplay, embora tenha foco em raridades adquiridas diretamente em fábricas e em lojas que encerraram atividades, também tem o pop internacional como o estilo mais vendido. “Não temos um público alvo, não temos muito foco em pop, embora venda bem, mas rock muito pesado ou funk a gente nem trabalha, por exemplo. Mudou muito o perfil de consumidor, música erudita já foi 50% da minha venda, hoje não é nem 5%, além de não ter muito comprador, já que muitos deles já morreram. Não há uma renovação desse tipo de música nem em rádio nem em nada”, argumenta Horeme.
Impactos Para o comerciante, os impactos das novas mídias digitais são ainda mais fortes nos formatos físicos de vídeos em comparação ao CD. “O streaming vale tanto para música quanto para o vídeo. O vídeo até acabou primeiro, não conheço mais nenhuma locadora, o baque no vídeo foi mais brutal e mais rápido. Aqui funciona tudo mais ou menos no inverso. Quando uma outra mídia está bombando, a gente tem mais saída, já que trabalhamos com o que é raro e difícil de achar. Quando o CD começou, levei cinco ou seis anos para começar a vender, porque minha clientela só comprava LP, depois já tinha o blu-ray e o povo só queria saber de DVD. Ou seja, ainda tenho esperança. Se eu não acreditar nisso, é melhor fechar”, afirma.
Além da Discoplay e da Discomania, a Acústica CDs, na Savassi, a Mandrahgora Discos e a CDs e Companhia, no Centro, são redutos que resistem com o comércio de CDs alternativos em BH, assim como algumas lojas na chamada Galeria da Praça Sete, mais dedicadas ao rock e ao heavy metal. Os grandes sucessos de venda do pop nacional e internacional e do sertanejo ainda são encontradas em grandes lojas como Leitura, Saraiva, Fnac e Americanas, além dos hipermercados Extra e Carrefour.