Kleber Cavalcante Gomes nasceu na capital de São Paulo, em 1975. Aos 14 anos, no ano de 1989, começou no rap, o discurso rítmico e rimado acompanhado de uma batida marcante. Em 2006, lançou seu primeiro disco de estúdio, Ainda há tempo, sob o nome que o deixou conhecido em todo o Brasil: Criolo. Depois disso, somou prêmios, parcerias estreladas, dois discos – Nó na orelha (2011) e Convoque seu Buda (2014) – além de turnês por todo o país e participações nos principais festivais, já alçado ao posto de atração de destaque. Criolo fez sucesso no rap e, aos 41 anos, quando estava na crista da onda, resolveu se despir completamente de tudo aquilo que compõe o gênero para lançar um disco inteiramente dedicado ao samba. Nasce, assim, Espiral de ilusão (2017), lançado no último dia 28.
As batidas eletrônicas do rap deram lugar a uma sonoridade mais orgânica feita com base no cavaco, no violão de sete cordas, em metais e percussões, além de um coro afinado e disposto a dar suporte a Criolo quando a música pede. E embora o disco de samba tenha saído somente neste ano, ele revela que a paixão pelo gênero é antiga. “De tempos em tempos, eu parava para compor sambas, mas em 2016 foi diferente e os meus sentimentos desaguaram dessa forma.
Criolo conta que foi acometido por “febres de samba” nos anos de 2002, 2004, 2008 e 2009, mas que a última delas foi diferente e acabou virando disco. “Não foi uma coisa pensada: ‘agora eu vou fazer samba’. Foi de uma forma natural, uma maneira que encontrei de compor minhas músicas”, comenta.
E se as músicas são sentimentos para ele, isso está traduzido nas letras que criam metáforas delicadas e inteligentes, contando mágoas sobre o amor, rindo do cotidiano e apontando faces da realidade. “As músicas saem do jeito que quem as compõe está, então é por isso que elas ficam de determinado jeito”, afirma. Sendo assim, Criolo está entre a celebração e a melancolia, sem tirar os dois pés da indignação. “Passei quase 30 anos da minha vida escrevendo rap, que é um jeito de a raiva ir para o mundo. Dessa vez eu decidi canalizar essas sensações de outra forma.”
Forma essa que rendeu 10 músicas. Criolo abre sua Espiral de ilusão com a crescente Lá vem você, descrevendo um amor regado a algum álcool e à incerteza de um cotidiano com direito a almoço, jantar e café da manhã. Depois, faz a primeira introdução de suas belas metáforas em Dilúvio de solidão, que conta com cuíca e coro feminino. Menino mimado, música lançada antes do disco, é a terceira faixa e um verdadeiro desabafo. “Esses meninos mimados são todas essas pessoas que têm a responsabilidade de reger a nação, mas que têm outras prioridades na hora de trabalhar”, comenta Criolo. Em seguida, entra Nas águas, samba-enredo com referências ao candomblé e aos terreiros de umbanda. Filha do Maneco, quinta canção, fecha a primeira parte do disco e traz um Criolo que interpreta a canção em uma voz diferente.
SAÍDA
A sexta canção é a música-título do disco.
O percurso pela Espiral de ilusão de Criolo chega ao fim com a música Cria de favela, que representa o sincretismo de estilos da música popular brasileira. “Quem vai lucrar com essa patifaria/ É gente da alta na papelaria/ Delação premiada é jogo de poder/ E se for pra rua tentam me deter/ Mozinho tá longe/ Eu vivo a sofrer/ Me aposentar só depois de morrer”, canta, em um de seus versos mais diretamente relacionado a um comentário sobre a realidade atual.
Em meio às frases intrincadas, pausadas e com a voz serena, Criolo conta que o samba veio, na verdade, do berço. “Minha mãe e meu pai têm um papel muito importante. Eles gostam muito de música, e o samba sempre esteve presente lá em casa, no cotidiano.
Além disso, o lançamento do trabalho está ligado à permissão que Criolo se deu para criar um disco de samba. “Autorizei um sentimento que estava guardado na minha cabeça por muito tempo. E tudo isso, todo esse trabalho, é sobre esse interno e esse externo, tanto do que eu vivo quanto sobre o que acontece ao meu redor”, afirma. Junto com Espiral de ilusão ele lançou uma revista-encarte on-line e gratuita que conta com entrevistas, partituras, fotos de estúdio, ilustrações de Elifas Andreato – responsável pela capa do álbum –, além de imagens e textos autorais do músico. No material, Criolo determina: “O samba é algo muito especial para nós, para todo o nosso povo, nossa cidade, para minha família”.
Para a carreira, o samba passa a ser essencial. Tanto que a turnê nacional do disco será inteiramente dedicada ao samba e tem estreia marcada para 27 de maio, em Porto Alegre. Depois disso, Criolo faz duas apresentações no Rio de Janeiro, no Circo Voador, entre 2 e 3 de junho, e no dia 10, desembarca em Belo Horizonte para tocar no Arraiá Incrível, no Parque Municipal. “Vamos rodar com uma banda montada, pensada com muito carinho pelo Daniel Ganjaman e pelo Marcelo Cabral”, avisa.
Dadas as devidas proporções, Espiral de ilusão é uma mudança bem-vinda para Criolo e oferece para seu público a oportunidade de conhecer o artista em um formato mais artesanal e menos polido, como se estivesse cara a cara com ele. Nesse disco, Criolo não é rapper, mas cantor e compositor de samba. Modesto, ele desconversa quando questionado sobre sua posição como expoente de um samba contemporâneo. “Estou mais para aprendiz, mas como alguém que ama, admira, quer bem, sou um pouco guardião”, pondera.
*Estagiário sob a supervisão de Silvana Arantes
Espiral de Ilusão
» Artista: Criolo
» Gravadora: Oloko Records
» Preço sugerido: R$ 19,90 (CD) e R$ 87,90 (LP)
» Audição gratuita no site www.criolo.net/espiral/
Na virada da década de 1970 para a de 1980, no auge da popularidade graças à Xica da Silva do filme homônimo de Cacá Diegues (1976), Zezé Motta tentava se estabelecer como cantora. Já havia gravado um disco com Gerson Conrad (ex-Secos e Molhados), outro com faixa-título de Rita Lee e Roberto de Carvalho (Muito prazer, Zezé).
Ela levava muita gente aos teatros, mas a venda de seus discos era bem aquém do que a Warner esperava. Com contrato ainda vigente com a gravadora, ela recebeu a proposta. Por que não gravar um disco de samba? “Eu disse não, pois havia tantos autores que queria cantar – Milton Nascimento, Djavan – que não eram necessariamente compositores de samba. E eu ainda tinha resistência, pois achava que a proposta vinha da ideia de que negro tinha que cantar samba”, afirma Zezé.
As décadas passaram, Zezé continuou alternando a carreira como atriz e cantora. E somente agora resolveu se render ao samba. Ela lança no próximo semestre, pelo selo Coqueiro Verde, o CD O samba mandou me chamar. Décimo álbum de sua discografia, vem sendo gestado na última década. Traz inéditas de Arlindo Cruz e Xande de Pilares (que participaram das gravações) e também duas regravações: Mais um na multidão (Erasmo Carlos, Carlinhos Brown e Marisa Monte) e Louco (Ela é seu mundo) (Wilson Baptista e Henrique de Almeida).
Por que o samba justamente agora? “Naquele momento (anos 1980) eu não queria virar cantora de samba, ganhar o rótulo de sambista. Continuo não querendo. Minha intenção é continuar cantando de tudo. Mas comecei a ouvir mais material, me envolver com o samba (namorou um compositor da Portela) e depois que gravei quase todo mundo que queria, vi que já podia.”
O álbum, de acordo com ela, abrange diferentes segmentos do samba. “Estou muito otimista em relação ao disco, inclusive até para carreira internacional”, comenta. Zezé passou os últimos seis meses em Portugal gravando a novela Ouro verde, que será apresentada pela TVI (canal de TV privado) até setembro. Emplacou não só uma personagem, como também dois sambas do disco na trilha, Batuque de Angola e Ficar ao seu lado. “Por isto, estou esperando lançar o CD também lá.”
BANQUETE O compositor Sérgio Santos compartilha da opinião de Zezé Motta. Ainda que tenha gravado trabalhos dedicados ao samba (Mulato e Sérgio Santos), tampouco se interessa em carregar o rótulo de sambista. “Não sou um especialista em samba. Estes dois trabalhos são voltados para as várias expressões que o samba tem. O samba é um banquete dentro da música brasileira”, comenta ele, que tem outros cinco álbuns voltados para outros estilos.
“Acho que a música brasileira tem uma diversidade que nenhuma outra do mundo tem. Você pode pegar a música americana, que tem o blues e o jazz, mas ela não é tão diversa ritmicamente quanto a brasileira. Isto é resultado da influência cultural que o Brasil sofreu. E um dos componentes desta diversidade é o samba.”
Um samba, de uma maneira geral, é composto em compasso binário (célula rítmica formada por dois tempos). “Mas como ele permite uma multiplicidade de enfoques, você pode abordá-lo de diferentes maneiras. Eu mesmo já fiz samba em 3x4 (o chamado compasso ternário, mais dedicado ao jazz e à música erudita) e em 5x4 (compasso complexo)”, acrescenta Santos.
Estreante em disco, a belo-horizontina Júlia Rocha, que ficou conhecida do grande público ao participar do reality The voice Brasil em 2015, lança no dia 25, no Teatro Bradesco, o álbum Cheiro de flor. É um trabalho autoral dedicado ao samba. “Tem gente que força a barra tentando cantar um estilo que não diz nada sobre si próprio, não traz identidade. Mas, no meu caso, estou há muitos anos no mundo do samba, tanto que me considero uma cantora do estilo. Mas não é porque seja cantora de samba que não possa gravar um álbum de algum outro estilo”, diz ela, que cantou na noite vários estilos de música brasileira até se estabelecer no samba.
Flerte com o baticum
Mariana Peixoto
Na virada da década de 1970 para a de 1980, no auge da popularidade graças à Xica da Silva do filme homônimo de Cacá Diegues (1976), Zezé Motta tentava se estabelecer como cantora. Já havia gravado um disco com Gerson Conrad (ex-Secos e Molhados), outro com faixa-título de Rita Lee e Roberto de Carvalho (Muito prazer, Zezé).
Ela levava muita gente aos teatros, mas a venda de seus discos era bem aquém do que a Warner esperava. Com contrato ainda vigente com a gravadora, ela recebeu a proposta. Por que não gravar um disco de samba? “Eu disse não, pois havia tantos autores que queria cantar – Milton Nascimento, Djavan – que não eram necessariamente compositores de samba. E eu ainda tinha resistência, pois achava que a proposta vinha da ideia de que negro tinha que cantar samba”, afirma Zezé.
As décadas passaram, Zezé continuou alternando a carreira como atriz e cantora. E somente agora resolveu se render ao samba. Ela lança no próximo semestre, pelo selo Coqueiro Verde, o CD O samba mandou me chamar. Décimo álbum de sua discografia, vem sendo gestado na última década. Traz inéditas de Arlindo Cruz e Xande de Pilares (que participaram das gravações) e também duas regravações: Mais um na multidão (Erasmo Carlos, Carlinhos Brown e Marisa Monte) e Louco (Ela é seu mundo) (Wilson Baptista e Henrique de Almeida).
Por que o samba justamente agora? “Naquele momento (anos 1980) eu não queria virar cantora de samba, ganhar o rótulo de sambista. Continuo não querendo. Minha intenção é continuar cantando de tudo. Mas comecei a ouvir mais material, me envolver com o samba (namorou um compositor da Portela) e depois que gravei quase todo mundo que queria, vi que já podia.”
O álbum, de acordo com ela, abrange diferentes segmentos do samba. “Estou muito otimista em relação ao disco, inclusive até para carreira internacional”, comenta. Zezé passou os últimos seis meses em Portugal gravando a novela Ouro verde, que será apresentada pela TVI (canal de TV privado) até setembro. Emplacou não só uma personagem, como também dois sambas do disco na trilha, Batuque de Angola e Ficar ao seu lado. “Por isto, estou esperando lançar o CD também lá.”
BANQUETE O compositor Sérgio Santos compartilha da opinião de Zezé Motta. Ainda que tenha gravado trabalhos dedicados ao samba (Mulato e Sérgio Santos), tampouco se interessa em carregar o rótulo de sambista. “Não sou um especialista em samba. Estes dois trabalhos são voltados para as várias expressões que o samba tem. O samba é um banquete dentro da música brasileira”, comenta ele, que tem outros cinco álbuns voltados para outros estilos.
“Acho que a música brasileira tem uma diversidade que nenhuma outra do mundo tem. Você pode pegar a música americana, que tem o blues e o jazz, mas ela não é tão diversa ritmicamente quanto a brasileira. Isto é resultado da influência cultural que o Brasil sofreu. E um dos componentes desta diversidade é o samba.”
Um samba, de uma maneira geral, é composto em compasso binário (célula rítmica formada por dois tempos). “Mas como ele permite uma multiplicidade de enfoques, você pode abordá-lo de diferentes maneiras. Eu mesmo já fiz samba em 3x4 (o chamado compasso ternário, mais dedicado ao jazz e à música erudita) e em 5x4 (compasso complexo)”, acrescenta Santos.
Estreante em disco, a belo-horizontina Júlia Rocha, que ficou conhecida do grande público ao participar do reality The voice Brasil em 2015, lança no dia 25, no Teatro Bradesco, o álbum Cheiro de flor. É um trabalho autoral dedicado ao samba. “Tem gente que força a barra tentando cantar um estilo que não diz nada sobre si próprio, não traz identidade. Mas, no meu caso, estou há muitos anos no mundo do samba, tanto que me considero uma cantora do estilo. Mas não é porque seja cantora de samba que não possa gravar um álbum de algum outro estilo”, diz ela, que cantou na noite vários estilos de música brasileira até se estabelecer no samba..