Belchior se despediu dos estúdios em BH

Última gravação realizada pelo cantor foi a do álbum Um concerto a palo seco, feito em parceria com o violonista mineiro Gilvan de Oliveira, que relembra o "poeta atemporal" e "brasileiro notável"

por Ana Clara Brant 01/05/2017 13:30
Fotos: LEANDRO COURI/EM/D.A.PRESS
(foto: Fotos: LEANDRO COURI/EM/D.A.PRESS)

A última vez em que Belchior entrou num estúdio foi em Belo Horizonte, em 1999, ao lado do violonista Gilvan de Oliveira. O álbum Um concerto a palo seco, hoje disponível apenas em plataformas virtuais como iTunes e Spotify, foi gravado no estúdio Bemol, na capital mineira, e traz 12 faixas do músico cearense como Alucinação, Tudo outra vez, Medo de avião, Divina comédia humana e De primeira grandeza, todas com arranjos de Gilvan.

“Tenho ótimas lembranças dessa época. A gente rodou uns cinco anos com esse trabalho pelo Brasil e pelo exterior. Belchior é um poeta atemporal, um brasileiro notável, que já estava fazendo falta. É um parceiro e amigo de estrada, de palco. O disco que fizemos é uma riqueza musical. Era só voz e violão”, diz Gilvan de Oliveira.

O mineiro conta que a escolha do repertório foi do próprio Belchior, e as gravações levaram menos de uma semana. Três das músicas previstas ficaram de fora: Ismália (poema do mineiro Alphonsus de Guimaraens musicado pelo cearense), Doce mistério da vida (versão de Alberto Ribeiro para a música de Victor Herbert) e Aparências (Márcio Greyck) – as duas últimas transformaram-se em bônus no relançamento de 2006.

“Nesse período, a gente saía sempre à noite depois das gravações, ficamos muito próximos. Nós dois trabalhávamos com o produtor cultural Jackson Martins, que nos apresentou e assinou a produção-executiva do disco, relançado em 2006 apenas com o nome Acústico”, recorda.

Gilvan destaca que uma das coisas que mais o impressionavam no compositor de Sobral era sua cultura e sua visão de mundo. “Belchior era muito culto, sabia vários idiomas. Lia bastante. Nessa época da gravação do CD, ele estava traduzindo a Divina comédia, do Dante Alighieri”, cita. No entanto, o violonista e compositor – que lançou na semana passada seu primeiro songbook – lamenta o que acabaram fazendo com o parceiro. “Quando ele resolveu sair dos holofotes e dar uma pausa, não deram sossego a ele. Por que todo mundo tem o direito de se aposentar e o artista não? Não somos escravos do nosso ofício. Foi uma pena o que fizeram com o Belchior”, desabafa.

Apesar da contrariedade, Gilvan celebra o fato de ter convivido com alguém que era seu ídolo e acabou se tornando um grande amigo. “É um momento doloroso, mas de profunda esperança também, porque sua obra fica. Sou muito grato a tudo que ele fez. Mas cada um tem o seu tempo, a sua travessia. Belchior cumpriu sua missão, deixou uma história contada e cantada que estará eternamente conosco”, frisa.

BLOCO FAZ HOMENAGEM

O artista cearense ganhou uma homenagem inusitada de um grupo de foliões de Belo Horizonte. O carnaval deste ano teve a estreia do bloco Volta, Belchior. A ideia surgiu no ano passado, no Bar do Orlando, em Santa Tereza, para celebrar o cantor e compositor de Sobral. A agremiação desfilou pelo bairro da região Leste na folia deste ano tocando músicas de Belchior e com os foliões devidamente caracterizados com o famoso bigode do artista. Ontem, o Volta Belchior programou uma homenagem especial ao cantor em um bar na praça Duque de Caxias.

É um momento doloroso, mas de profunda esperança também, porque sua obra fica. Cada um tem o seu tempo, a sua travessia. Belchior cumpriu sua missão, deixou uma história contada e cantada que estará eternamente conosco - Gilvan de Oliveira, violonista

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