Da casa de Pomponio e Zárate até chegar às mãos de Fernando, as peças percorreram caminhos inusitados. Com a morte do casal portenho, a filha deles pediu a um ex-aluno que doasse o material para alguma instituição pública. Fernando Araújo relata que o aluno estava se mudando de casa e “colocou essas partituras num saco de lixo e ficava andando para cima e para baixo com elas” para, enfim, deixá-las na sede do Instituto Nacional de Musicologia Carlos Vega, em Buenos Aires.
“O material ficou lá escondido até que um dia uma musicóloga o descobriu e deu o tratamento que esses manuscritos mereciam”, conta o violonista. O professor Fausto Borém de Oliveira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em visita ao instituto argentino, descobriu o material e o mostrou a Fernando. Encantado com o “tesouro musical”, o violonista se dedicou a pesquisá-lo em sua tese de doutorado.
O instrumentista revela que um dos aspectos mais curiosos é que o maestro e pianista começou a produzir peças para violão um mês antes de completar 73 anos, sendo que a grande maioria dos compositores construíram a obra ao longo de suas vidas. “Até então, Mignone tinha feito peças muito modestas para esse instrumento, conta Fernando, explicando que o maestro “era um sujeito extremamente musical, que adorava improvisar”. Ele destaca a influência do pai, o imigrante italiano Alfério Mignone, professor de flauta do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. “Chegar a essa idade, com mais de 70 anos, e começar a se interessar por um instrumento inusitado e fazer com magnitude é de se louvar”, destaca.
Fernando Araújo acrescenta que durante algum tempo trabalhou com os manuscritos a partir de fotografias
120 ANOS O concerto foi batizado de Os manuscritos de Buenos Aires e apresenta as oito peças encontradas no instituto argentino. O programa traz também composições de Heitor Villa-Lobos, Carlos Alberto Pinto Fonseca e Aníbal Augusto Sardinha e outras peças de Mignone, que, este ano, completaria 120 anos de nascimento.
Considerado um dos maiores compositores brasileiros do século 20, ao lado de Villa-Lobos, Oscar Lorenzo Fernandez e Camargo Guarnieri, Mignone compôs até o fim da vida. Fernando assegura que sua admiração pelo regente e pianista nascido em São Paulo aumentou após essa pequisa e a convivência com a obra do maestro. “Infelizmente, ele e vários outros compositores brasileiros eruditos não são tão valorizados e até estudados nas universidades. Mas isso está mudando, ainda bem
Fernando Araújo manifesta a intenção de produzir um registro sonoro das peças. “Por pouco nunca teríamos acesso a essas peças. Certamente, deve ter muitos outros tesouros da música perdidos por aí. Esses manuscritos são um patrimônio cultural do Brasil que merecem ser compartilhados”, frisa.
O PROGRAMA:
>> Duo de violões – Fernando Araújo e Celso Faria
Os manuscritos de Buenos Aires (1970), de Francisco Mignone (1897-1986)
1 – Quatro peças brasileiras:
Maroca
Maxixando
Nazareth
Toada
2 – 1ª Valsa Brasileira
3 – 2ª Valsa Brasileira
4 – Canção
5 – Lundu
>> Solo de Celso Faria
Valsa-Choro, de Heitor Villa-Lobos (1887-1959)
Estudo nº 2, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006)
Festival Ary Barroso, de Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955)
>> Solo de Fernando Araújo
Valsa Brasileira nº 9, em lá bemol menor, de Francisco Mignone
Estudo nº 5, em lá menor, de Francisco Mignone
Estudo nº 3, em sol maior, de Francisco Mignone
OS MANUSCRITOS DE BUENOS AIRES
Obras recém-descobertas de Francisco Mignone, com Fernando Araújo e Celso Faria (violões). Terça (18), às 20h, no Conservatório da UFMG (Av. Afonso Pena, 1.453, Centro, (31) 3409-8300). Entrada franca, com retirada de senhas a partir das 19h30 no local.