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Show de emoções

Milton Nascimento apresenta repertório de sucessos e é ovacionado no Palácio das Artes

Na estreia da turnê Semente da terra, Bituca fez ainda uma homenagem ao amigo Fernando Brant, morto em junho de 2015

Ana Clara Brant
Acompanhado de Wilson Lopes, Beto Lopes, Lincoln Cheib, Alexandre Ito e Widor Santiago, Bituca falou sobre negros, índios e questões políticas - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press
Milton Nascimento sempre fez questão de ressaltar em entrevistas e depoimentos que a coisa mais importante de sua vida é a amizade. E foi rodeado de amigos na plateia e no palco, que o cantor e compositor de Três Pontas voltou à ativa após um ano sabático. Na noite de sábado, Bituca estreou seu mais novo show, Semente da Terra, fazendo uma homenagem a um dos seus grandes parceiros, o compositor Fernando Brant, que morreu em 2015 vítima de complicações de um transplante de fígado. Com Travessia ao fundo e uma foto dos dois quando jovens em destaque no cenário, o tributo emocionou muita gente. Aliás, Brant esteve presente em boa parte do repertório. Das 18 canções do set list, metade era composta por parceria entre os dois amigos, como Credo, Milagre dos peixes, Caxangá, Coração civil e Maria Maria.

A pausa na carreira parece ter deixado Milton bem mais leve. Não que ele não fosse, mas dar uma parada é sempre positivo para poder voltar com todo o gás. Contando casos, brincando com a banda e até fazendo piadas, o cantor levou ao Grande Teatro do Palácio das Artes temas que sempre fizeram parte de sua trajetória: a luta dos negros, temas políticos e sociais e a questão indígena. “Queria dedicar esse show aos meus novos amigos, os índios da nação guarani kaiowá, do Mato Grosso do Sul (MS) que me batizaram. Após a cerimônia, um dos líderes me disse: ‘Agora você se chama Ava Nheyeyru Iyi Yvy Renhoi, que na nossa língua quer dizer A semente ancestral que germina na terra, ou simplesmente, Semente da terra’”, contou.
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Acompanhado por músicos de primeira – Wilson Lopes (direção musical e cordas), Beto Lopes (violões), Lincoln Cheib (bateria), Alexandre Ito (baixo) e Widor Santiago (sopros) –,  Bituca contou com a participação especial da jovem cantora mineira Bárbara Barcellos, que conquistou a plateia com sua bela voz e carisma. Um dos pontos altos da apresentação foi sua interpretação de Sentinela (parceria com Brant)
. A artista de apenas 24 anos recordou como foi a primeira vez que se encontrou com aquele que considera seu “grande ídolo”. Durante um show de Rodrigo Borges no antigo Bar Godofredo, em Santa Tereza, (hoje Bar do Museu Clube da Esquina), ela deu uma canja ao cantar justamente Sentinela. “Lá tem uma escada e só me lembro de ver o cabelinho do Bituca aparecendo. Eu gelei, quase morri. Tive que continuar cantando de olhos fechados, senão ia errar a letra tamanha a emoção. Estar aqui hoje ao lado dele é a realização de um sonho”, frisou.

Complicado
 Em um determinado momento da apresentação – que teve todos os ingressos vendidos há mais de um mês –, Bituca saiu de cena com o restante dos músicos e avisou: “Agora é com os irmãos Lopes”. “Só o Bituca mesmo para dar esse espaço pra gente”, celebrou Wilson, que ainda deu um recado citando uma letra de Fernando Brant, Saídas e bandeiras: “”O que vocês diriam dessa coisa que não dá mais pé?/O que vocês fariam pra sair dessa maré?’. Está complicado, não é gente?”. Nesse momento, ecoaram vários gritos de “fora, Temer” pelo Palácio das Artes.

Com a banda completa de volta, Milton Nascimento leu em espanhol uma citação do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht antes de interpretar Sueño com serpientes, do cubano Sylvio Rodríguez: “Hay hombres que luchan un día y son buenos. Hay otros que luchan un año y son mejores
. Hay quienes luchan muchos años, y son muy buenos. Pero hay los que luchan toda la vida, esos son los imprescindibles”. (“Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há aqueles que lutam toda a vida, estes são imprescindíveis”). O público foi ao delírio.

Ao longo do espetáculo, outros sucessos da trajetória de mais de meio século do artista foram lembradas: Clube da esquina 2 (em parceria com Lô e Márcio Borges), O cio da terra (com Chico Buarque) e Nada será como antes (com Ronaldo Bastos). “Todo dia me perguntam: ‘Milton, como vai ser a comemoração dos 50 anos de Travessia? E os 45 anos do Clube da Esquina? E sei lá quantos anos disso e daquilo?’. A resposta é simples. Está tudo aqui nesse show. Isso representa Três Pontas, BH, Rio, Bahia, o Sul, Sudeste, Norte, Nordeste, Centro-Oeste e porque não dizer o mundo todo. Nesse show estão nossos discos, nossas lutas e nossos sonhos. Viva a nação guarani kaiowá e viva as minorias do Brasil”, bradou Bituca, que voltou na noite de ontem ao Palácio das Artes, mas, desta vez, na plateia para conferir o show da amiga, a cantora portuguesa Carminho.

No fim, ele convocou ao palco toda a equipe de produção e de bastidores de Semente da terra e foi ovacionado. Mesmo há apenas um ano longe dos holofotes, pelo visto, os fãs estavam com saudades.

• SET LIST DO SHOW

» 1. TRAVESSIA (Milton Nascimento e Fernando Brant)
» 2 A TERCEIRA MARGEM DO RIO (Milton Nascimento e Caetano Veloso)
» 3. CREDO (Milton Nascimento e Fernando Brant)
» 4. IDOLATRADA (Milton Nascimento e Fernando Brant)
» 5. ME DEIXA EM PAZ (Monsueto e Aírton Amorim)
» 6. O CIO DA TERRA (Milton Nascimento e Chico Buarque)
» 7. SAN VICENTE (Milton Nascimento e Fernando Brant)
» 8. MILAGRE DOS PEIXES (Milton Nascimento e Fernando Brant)
» 9. CAÇADOR DE MIM (Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá)
» 10. SUEÑO COM SERPIENTES (Sylvio Rodrigues)
» 11. CORAÇÃO CIVIL (Milton Nascimento e Fernando Brant)
» 12. CLUBE DA ESQUINA 2 (Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges)
» 13. LÁGRIMA DO SUL (Marco Antonio Guimarães e Milton Nascimento)
» 14. CANÇÃO DO SAL (Milton Nascimento)
» 15. MARIA MARIA (Milton Nascimento e Fernando Brant
» 16. CAXANGÁ (Milton Nascimento e Fernando Brant)
» 17. SENTINELA (Milton Nascimento e Fernando Brant)
» 18. NADA SERÁ COMO ANTES (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)