Acabou o amor, agora é só luxúria”, decretou Flávio Renegado ao lançar o clipe de Luxo só, faixa do disco Outono selvagem, publicado no sábado no YouTube e nas redes sociais. E haja luxúria no vídeo gravado pelo rapper mineiro e seis mulheres negras integrantes do Batekoo, coletivo que se tornou ícone de libertação e da representação de jovens da periferia do país.
Cheia de bumbuns rebolativos, carões, apetrechos sadomasoquistas e gemidos de prazer, a produção retrata uma espécie de orgia divertida, no melhor estilo “Ai ai ai/ tá gostozim”, como diz sua própria letra, parceria de Flávio com Jana Lourenço, moradora da comunidade do Alto Vera Cruz, em BH.
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Clipe sensual de Flávio Renegado provoca polêmicaFlávio Renegado faz festa com entrada franca para lançar o disco 'Outono selvagem'Rap de Flávio Renegado ganha o toque especial da Orquestra Ouro PretoMúsica negra ganha novo fôlego no Brasil com atualização de ritmos'Represento a beleza, não um padrão'Cantora baiana cancela participação em show de Flávio Renegado por conta do clipe 'Luxo só'O burburinho é forte no Facebook. O post feito no perfil do artista para divulgar o clipe bateu a casa das 1 mil reações (entre curtidas, corações e o símbolo de espanto), além de centenas de comentários. “Esse clipe é um desrespeito às mulheres negras, que neste país têm sido subalternizadas, desumanizadas, utilizadas como objetos de cama e mesa. Um clipe misógino e racista. Péssima escolha”, escreveu Lany Pereira no Face do rapper.
Há também a defesa do músico. “Uai, a mulher não é livre pra fazer o que quiser? Elas quiseram estar ali fazendo o clipe, então deixem as mulheres aparecerem do jeito que elas se sentirem mais à vontade”, pontuou Ramon Shadrak.
SAIA JUSTA
Fato é que a polêmica pode pôr Renegado em verdadeira saia justa neste Dia Internacional da Mulher. À noite, o rapper faz, no Rio de Janeiro, o show Afrotrap ofá para lançar o álbum Outono selvagem. O disco tem faixas relativas aos sete pecados capitais – entre eles a luxúria, tema de Luxo só. Feministas advertem: o vídeo reforça o padrão de masculinidade e virilidade que oprime, sobretudo, as mulheres negras.
“O clipe reproduz o ideal machista, inclusive dos raps norte-americanos, uma lógica muito criticada. O Renegado aparece como ser poligâmico, com várias parceiras que se exibem para ele. Os rostos das moças, inclusive, aparecem muito pouco.
Diversas, as mulheres negras não formam exatamente um consenso sobre o assunto. As integrantes do Batekoo que participaram do clipe, por exemplo, declaram-se satisfeitas por fazer parte do projeto de Renegado, de acordo com o material de divulgação do músico. “Essa é a estética da periferia, diversos corpos e belezas, nossa vibe, nosso close. O Flávio teve a sensibilidade de convocar mulheres que, antes, ficavam invisíveis. Isso é empoderamento”, ressaltou Amanda Coelho, uma das moças que contracenaram com ele.
Diante das controvérsias surgidas desde que o vídeo foi ao ar, as moças do Batekoo também se manifestaram. “Todas as garotas que participaram do clipe têm plena consciência dos seus corpos, da liberdade de ser o que quiserem, de mostrar o que bem entender. Pregamos um feminismo que nos dá o direito de ser o que quisermos, afinal... a luta não é pra isso? Não estamos reforçando a hipersexualização da mulher negra, estamos afirmando a nossa liberdade corporal e sexual”, defendeu a baiana Renata Prado.
Reforçando que seu foco não é criticar e nem se contrapor ao coletivo Batekoo, Stephanie Ribeiro discorda das companheiras de militância, e acrescenta ao debate: “A sexualidade, no clipe, não aparece como algo que nos empodera, porque ela está voltada para o homem, não para as próprias mulheres.
ALIADO
Flávio Renegado parece um tanto surpreso o tom de reprovação com que seu trabalho foi recebido. Em entrevista por e-mail, fez questão de reforçar que é aliado das mulheres que o criticam. "Nesse clipe, não inventei um conceito estético nem inventei a Batekoo. O vídeo serve quase como registro documental de uma nova militância do movimento negro, que existe, você querendo ou não. O que sinto nesse debate é que, enquanto movimento, precisamos nos ouvir mais, nos respeitar mais e não reproduzir o conceito de separação e bipolarização que a sociedade brasileira está vivendo.
Já à acusação de fortalecer a narrativa de que mulher negra se destina ao sexo, enquanto à branca se reserva o papel de companheira para relacionamento sério, o rapper reage em tom ponderado. Quase neutralizador. “Amor, pra mim, não tem cor nem tem raça. Os cachorros se amam, os gatos se amam e os seres humanos se amam também. Estou ciente dessa discussão, e por isso mesmo convidei o Batekoo – o feminismo negro, jovem de cabeça e mente aberta. Sou um homem negro criado por uma mulher negra. Meu pai abandonou a minha mãe quando eu tinha 3 anos. E ela, mulher negra, doméstica e semianalfabeta, me fez entender a necessidade de lutar pelas coisas em que acredito. E ainda acredito que o amor vai vencer a qualquer guerra”, diz Flávio.
O músico não planeja tirar o clipe do ar ou reeditá-lo, como sugerem alguns de seus críticos mais exaltados nas redes sociais.
O clipe reproduz o ideal machista, inclusive dos raps norte-americanos, uma lógica muito criticada
>> Stephanie Ribeiro, feminista
Essa é a estética da periferia, diversos corpos e belezas, nossa vibe, nosso close
>> Amanda Coelho, integrante do coletivo Batekoo
Minha intenção não foi ofender ninguém, mas hoje existem no mundo outras verdades e opiniões
>> Flávio Renegado, compositor.