Faltavam dois minutos para as 14h quando o maestro Fabio Mechetti abriu a porta e caminhou até o pódio da Sala Minas Gerais silenciando as notas dos cerca de 90 músicos que afinavam seus instrumentos sob o comando do spalla. Pelas 2h30min seguintes – pontuais, com breve intervalo para o cafezinho –, a única linguagem expressa no palco seria a das partituras, cortada por troca de olhares entre instrumentistas e chefes de seções, observações escritas a lápis sobre as grades e breves comentários técnicos de Mechetti, que inicia na noite desta quinta-feira (16) sua décima temporada à frente da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.
Inspirado no filme Ensaio de orquestra, do cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993), o Estado de Minas acompanhou os preparativos finais da Filarmônica na Sala Minas Gerais, na última terça-feira (14), para uma videorreportagem especial sobre a abertura dos concertos deste ano. Para ilustrar esta página, o ilustrador Lélis se inspirou nos icônicos desenhos do cartaz da obra de Fellini, lançada no fim da década de 1970.
Acompanhar um ensaio às vésperas do concerto é ver um corpo tomando forma. Com duas semanas de antecedência, os 92 músicos da orquestra – número que pode reduzir ou aumentar de acordo com o movimento executado –, recebem as partes. Cada instrumentista tem seus próprios ritos de envolvimento e estudo: a sul-coreana Hyu-Kyung Jung, há quatro anos na seção dos primeiros violinos, costuma ouvir a música pelo celular, acompanhando a partitura com os olhos, antes de ir para o estúdio com o instrumento e metrônomo. O clarinetista Marcus Julius Lander, chefe da seção de clarinetes, utiliza uma biblioteca virtual com a gravação de orquestras do mundo todo para conhecer um número maior de interpretações.
Depois de semanas de preparação individual, os músicos se encontraram na segunda-feira (13) para iniciar os ensaios coletivos para os dois primeiros concertos da temporada, quinta (16) e sexta (17), às 20h30, na Sala Minas Gerais, quando serão interpretados o poema sinfônico Festklange, de Liszt, e a Sinfonia nº 5, de Gustav Mahler – compositor tcheco da virada do século 19 para o 20, que mescla na obra momentos de grande euforia e depressão, reflexo de seu comportamento maníaco-depressivo.
Esmiuçar esse caráter biográfico e sentimental das obras, aliás, é um dos desafios do maestro. ''Se uma orquestra interpreta apenas as notas, sem compreender a emoção, ela está prestando um desserviço'', comenta Mechetti, que abriu o ensaio com um breve comentário sobre o adagietto que Mahler escreveu para sua futura esposa, Alma Schindler, no verão de 1901.
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O comentário inicial de Mechetti é praticamente o único diálogo compreensível para leigos nas próximas duas horas e meia. ''Um e dois e digadigadá e dois digadigadá. Não é tão tacatacatá. É digadigadá'', vocaliza Mechetti ao orientar pacientemente cordas e trompas. ''Trompetes, se der para fazer um pouco menos crescendo antes do um/quatro e um pouco mais do três para dois, antes de um, entendeu? É laaaaari, menos crescendo no primeiro deles'', explica ao orientar os trompetistas.
Cada observação é acompanhada atentamente pelo chefe de seção, que repassa as informações para os demais instrumentistas, dispostos da seguinte forma: à esquerda de Mechetti estão os primeiros e segundos violinos, e à direita, os segundos violoncelos, violas e contrabaixos. À frente do maestro, dispostos em filas, os sopros, e, ao fundo, as percussões.
Depois de duas semanas de preparação individual e quatro dias de ensaios coletivos, a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais inicia sua décima temporada com recorde de assinaturas e expectativa de casa cheia ao longo de todo o 2017. Nos últimos nove anos, a filarmônica se apresentou para 820 mil pessoas em mais de 600 concertos no Brasil e no exterior. Para a nova temporada, foram vendidas 3.437 assinaturas – cinco vezes mais que em 2009 (705). Ainda há ingressos para as apresentações.
ABERTURA DA TEMPORADA 2017
Festklange, de Liszt, e Sinfonia nº 5, de Gustav Mahler, com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, regência de Fabio Mechetti. Hoje e amanhã, às 20h30, na Sala Minas Gerais (Rua Tenente Brito Melo, 1.090, Barro Preto). Ingressos: R$ 40 (balcão palco e coro), R$ 50 (mezanino), R$ 62 (balcão lateral), R$ 85 (plateia central) e R$ 105 (balcão principal). Informações: filarmonica.art.br.