Caçula de Dorival Caymmi, o cantor e flautista Danilo Caymmi foi apresentado à música de Tom Jobim aos 15 anos, quando visitou o maestro, recém-chegado dos Estados Unidos, na companhia do pai e dos irmãos Nana e Dori. Ficou apaixonado. Na flauta, acompanhou o momento em que o artista interpretou composições de Caymmi – o que, logo depois, virou disco pelas mãos do pai, que registrou esse encontro em Caymmi visita Tom, projeto relançado em 2008.
Do encontro raro em 1964 nasceu uma das mais bonitas amizades musicais brasileiras. Entre 1983 e 1994, Danilo Caymmi trabalhou e excursionou com a Banda Nova (com Tião Neto, Paulo Braga e Paulo Jobim), junto a Tom Jobim. Antes de embarcar no projeto com o maestro, fez algumas gravações, como o disco Cheiro verde. Mas, ele admite, com uma falta de segurança que não combinava com o vozeirão que ostenta, explorado com perfeição no projeto recém-lançado.
As versões escolhidas – 11, no total – seguem critérios diversos, que vão da novidade no repertório à ligação afetiva com as composições. Não espere, por exemplo, Samba do avião, faixa comum em apresentações. “A escolha foi totalmente afetiva. Optei por canções que gostaria de cantar e não tive oportunidade em shows ou discos. Por causa de você, por exemplo, ouvia minha mãe, Stella, cantá-la lindamente. Em Chora, coração, participei da trilha como flautista. Já Gabriela, o vi compor, cada dia, um pedacinho da letra. Participei desses momentos. Logicamente canto os estândartes nos palcos, pois pertencem ao meu repertório”, conta.
Entrevista
Danilo Caymmi
cantor e flautista
A influência de Tom Jobim na sua carreira como cantor foi maior que a de seu pai?
Tenho mãe mineira e muito determinada. Havia um mito familiar de que cada filho tinha a sua função, e a minha era a de flautista. Quando gravei meu primeiro disco de produção independente, cantei tudo em falsete (ou falsetto), com a voz mal colocada e completamente fora da tonalidade em que eu deveria cantar. Quando fui chamado para fazer parte da banda, como flautista, dentro dos ensaios ele me convidou para interpretar alguns solos. E assim teve início a minha carreira.
O disco é, de certa forma, um presente à família Jobim?
Com certeza. Somos todos parentes, comadres, compadres. Sou padrinho de batismo da Maria Luiza, filha dele, que é cantora e fez um disco muito bom (com o Duo Opala). Sou padrinho de casamento do Paulo Jobim, filho do casamento com a Thereza Hermanny. Meu sogro era casado com a irmã do Tom, Helena Jobim. Todos se reuniram, por muitas vezes, no sítio Poço Fundo, em que todas as pessoas da família tinham uma casa. Eu os conheci desde garoto. Muitas vezes, houve ensaio da Banda Nova por lá. Agora mesmo, Paulo Jobim está produzindo um songbook sobre meu pai. Temos essa ligação forte.
Em conversa com Roberto Menescal, Jobim teria dito que o Brasil não gosta do Brasil. Hoje, o país aprendeu a valorizar seus ícones?
Acho que não. É difícil. E um dos motivos desse disco é a memória, incentivar que as pessoas conheçam as questões do Tom, como fizemos no centenário de Caymmi, em que houve homenagens de todas as formas possíveis de arte – de balé a exposição. Conseguimos fazer quase tudo, porque a história dele não pertence à família, mas ao Brasil. Esses homens trabalharam para um Brasil maior, justo. Mas no decorrer da vida, o Tom sofreu muito bullying, ouvia muitas abobrinhas do tipo “meu pai disse que você vendeu Águas de março para a Coca-Cola”. Isso o deixava chateado...
E eram afirmações injustas...
Sim, até porque ninguém vende música, isso é inadmissível dentro das leis de direito autoral, é ilegal. Você pode ter um licenciamento, mas não comprar. E depois, como soubemos, foi um negócio muito malfeito, financeiramente falando, porque ele negociou esse licenciamento muito barato. O mesmo aconteceu com Carmen Miranda. Fazer sucesso fora do país era uma penalidade. No caso dele e da Carmen, isso ficou mais evidente. O mercado americano, fechadíssimo, teve um grande acolhimento aos dois, vencendo essa limitação imposta aos latinos, tanto que ele gravou com Frank Sinatra.
O disco, curiosamente, não tem piano. Você toca as quatro flautas, duas em sol e duas em dó. Quando teve essa decisão?
Não foi uma decisão, e sim algo que aconteceu. Flávio Mendes, que costuma trabalhar comigo há bastante tempo e entende até meu olhar (músicos, em geral, conversam muito com os olhos), tinha um critério de não me dizer o que iríamos gravar para ter a surpresa da interpretação. Começávamos a gravação com voz e violão. Ficou tão bonito que até cogitamos colocar o piano, mas desistimos. Estou feliz por as canções estarem assim.
O fechamento do Instituto Tom Jobim, no Jardim Botânico, reflete a forma como a cultura é tratada no país?
Vejo jovens que só podem recorrer a trabalhar na rua, teatros fechando. Isso, infelizmente, reflete essas decisões feitas erroneamente e o descaso com a cultura e a educação.
A atual instabilidade política do país influencia seu trabalho?
Sim, claro. Não tem nem dinheiro, patrocínio nem espaço. Imagina estrear um disco em um ambiente desse? Vejo o esforço da minha filha, Alice Caymmi, que faz sucesso com muita habilidade intelectual e estratégica. Não se pode deprimir em combate. Ela é danada! Ela fez um curso de teatro, é intelectualmente preparada e tudo isso tem uma função. É uma multiartista como eu sou. Ousada, aprendeu a ser assim. Tudo isso faz parte desse contexto.
Este é, de fato, o melhor trabalho de sua carreira, como definiu nas redes sociais?
O mergulho, a intensidade desse mergulho, da música passar por mim e eu não perceber. O que faz com que essa obra mexa muito comigo é a dinâmica da criação. Ela mostra outro horizonte, se desdobra em outros eventos e cabe ao artista perceber e pegar disso o melhor. Estou tendo, logo de início, um feedback muito positivo. É lógico, isso vai ter um desdobramento importante não só na composição e na minha maneira de ser, isso mexe com tudo como ser humano. É um trabalho que oferece perspectivas, estradas, desdobramentos bonitos. Viver é muito bonito por causa disso, do inusitado, do acaso, dou muito valor a essas coisas.
Em algum grau, sentiu a responsabilidade de transmitir a obra do maestro a outras gerações?
Esse disco tem um subtexto de que como ele gostava muito da minha interpretação, seria algo natural que eu cantasse dessa maneira. O importante é que ele sempre deu liberdade, ele jamais contestou uma interpretação minha ou uma subdivisão ou qualquer nota extra que eu colocasse. Foi só encontrar a tonalidade certa, e nisso o Flávio é perfeito, todas foram estudadas para que pegassem o melhor da minha voz e eu pudesse cantar da melhor maneira. Acho que não causou surpresa no público, porque gravei todos os discos de Tom. De 1984 para cá, as pessoas estavam acostumadas a ouvir minha voz como em Antônio Brasileiro e Passarinho. Tom botava os homens no agudo e as mulheres no grave, é algo que ele gostava muito.
Na tevê
Da mesma forma que o mestre Tom Jobim, Danilo Caymmi viu muitos de seus sucessos virarem trilha de novela. Nessa leva, se encaixam O bem e o mal, tema do folhetim Riacho doce, e Vamos falar de Tereza, escolhida para abrir a minissérie Tereza Batista.
FAIXA A FAIXA
Confira as canções de Tom que Danilo Caymmi gravou
Bonita
Ela é carioca
Por causa de você
Estrada do Sol
Chora coração
Água de beber
As praias desertas
Gabriela
Luiza
Querida
Derradeira primavera
Danilo Caymmi canta Tom Jobim
. Gravadora: Universal
. Preço sugerido: R$ 25,90
Do encontro raro em 1964 nasceu uma das mais bonitas amizades musicais brasileiras. Entre 1983 e 1994, Danilo Caymmi trabalhou e excursionou com a Banda Nova (com Tião Neto, Paulo Braga e Paulo Jobim), junto a Tom Jobim. Antes de embarcar no projeto com o maestro, fez algumas gravações, como o disco Cheiro verde. Mas, ele admite, com uma falta de segurança que não combinava com o vozeirão que ostenta, explorado com perfeição no projeto recém-lançado.
As versões escolhidas – 11, no total – seguem critérios diversos, que vão da novidade no repertório à ligação afetiva com as composições. Não espere, por exemplo, Samba do avião, faixa comum em apresentações. “A escolha foi totalmente afetiva. Optei por canções que gostaria de cantar e não tive oportunidade em shows ou discos. Por causa de você, por exemplo, ouvia minha mãe, Stella, cantá-la lindamente. Em Chora, coração, participei da trilha como flautista. Já Gabriela, o vi compor, cada dia, um pedacinho da letra. Participei desses momentos. Logicamente canto os estândartes nos palcos, pois pertencem ao meu repertório”, conta.
Entrevista
Danilo Caymmi
cantor e flautista
A influência de Tom Jobim na sua carreira como cantor foi maior que a de seu pai?
Tenho mãe mineira e muito determinada. Havia um mito familiar de que cada filho tinha a sua função, e a minha era a de flautista. Quando gravei meu primeiro disco de produção independente, cantei tudo em falsete (ou falsetto), com a voz mal colocada e completamente fora da tonalidade em que eu deveria cantar. Quando fui chamado para fazer parte da banda, como flautista, dentro dos ensaios ele me convidou para interpretar alguns solos. E assim teve início a minha carreira.
O disco é, de certa forma, um presente à família Jobim?
Com certeza. Somos todos parentes, comadres, compadres. Sou padrinho de batismo da Maria Luiza, filha dele, que é cantora e fez um disco muito bom (com o Duo Opala). Sou padrinho de casamento do Paulo Jobim, filho do casamento com a Thereza Hermanny. Meu sogro era casado com a irmã do Tom, Helena Jobim. Todos se reuniram, por muitas vezes, no sítio Poço Fundo, em que todas as pessoas da família tinham uma casa. Eu os conheci desde garoto. Muitas vezes, houve ensaio da Banda Nova por lá. Agora mesmo, Paulo Jobim está produzindo um songbook sobre meu pai. Temos essa ligação forte.
Em conversa com Roberto Menescal, Jobim teria dito que o Brasil não gosta do Brasil. Hoje, o país aprendeu a valorizar seus ícones?
Acho que não. É difícil. E um dos motivos desse disco é a memória, incentivar que as pessoas conheçam as questões do Tom, como fizemos no centenário de Caymmi, em que houve homenagens de todas as formas possíveis de arte – de balé a exposição. Conseguimos fazer quase tudo, porque a história dele não pertence à família, mas ao Brasil. Esses homens trabalharam para um Brasil maior, justo. Mas no decorrer da vida, o Tom sofreu muito bullying, ouvia muitas abobrinhas do tipo “meu pai disse que você vendeu Águas de março para a Coca-Cola”. Isso o deixava chateado...
E eram afirmações injustas...
Sim, até porque ninguém vende música, isso é inadmissível dentro das leis de direito autoral, é ilegal. Você pode ter um licenciamento, mas não comprar. E depois, como soubemos, foi um negócio muito malfeito, financeiramente falando, porque ele negociou esse licenciamento muito barato. O mesmo aconteceu com Carmen Miranda. Fazer sucesso fora do país era uma penalidade. No caso dele e da Carmen, isso ficou mais evidente. O mercado americano, fechadíssimo, teve um grande acolhimento aos dois, vencendo essa limitação imposta aos latinos, tanto que ele gravou com Frank Sinatra.
O disco, curiosamente, não tem piano. Você toca as quatro flautas, duas em sol e duas em dó. Quando teve essa decisão?
Não foi uma decisão, e sim algo que aconteceu. Flávio Mendes, que costuma trabalhar comigo há bastante tempo e entende até meu olhar (músicos, em geral, conversam muito com os olhos), tinha um critério de não me dizer o que iríamos gravar para ter a surpresa da interpretação. Começávamos a gravação com voz e violão. Ficou tão bonito que até cogitamos colocar o piano, mas desistimos. Estou feliz por as canções estarem assim.
O fechamento do Instituto Tom Jobim, no Jardim Botânico, reflete a forma como a cultura é tratada no país?
Vejo jovens que só podem recorrer a trabalhar na rua, teatros fechando. Isso, infelizmente, reflete essas decisões feitas erroneamente e o descaso com a cultura e a educação.
A atual instabilidade política do país influencia seu trabalho?
Sim, claro. Não tem nem dinheiro, patrocínio nem espaço. Imagina estrear um disco em um ambiente desse? Vejo o esforço da minha filha, Alice Caymmi, que faz sucesso com muita habilidade intelectual e estratégica. Não se pode deprimir em combate. Ela é danada! Ela fez um curso de teatro, é intelectualmente preparada e tudo isso tem uma função. É uma multiartista como eu sou. Ousada, aprendeu a ser assim. Tudo isso faz parte desse contexto.
Este é, de fato, o melhor trabalho de sua carreira, como definiu nas redes sociais?
O mergulho, a intensidade desse mergulho, da música passar por mim e eu não perceber. O que faz com que essa obra mexa muito comigo é a dinâmica da criação. Ela mostra outro horizonte, se desdobra em outros eventos e cabe ao artista perceber e pegar disso o melhor. Estou tendo, logo de início, um feedback muito positivo. É lógico, isso vai ter um desdobramento importante não só na composição e na minha maneira de ser, isso mexe com tudo como ser humano. É um trabalho que oferece perspectivas, estradas, desdobramentos bonitos. Viver é muito bonito por causa disso, do inusitado, do acaso, dou muito valor a essas coisas.
Em algum grau, sentiu a responsabilidade de transmitir a obra do maestro a outras gerações?
Esse disco tem um subtexto de que como ele gostava muito da minha interpretação, seria algo natural que eu cantasse dessa maneira. O importante é que ele sempre deu liberdade, ele jamais contestou uma interpretação minha ou uma subdivisão ou qualquer nota extra que eu colocasse. Foi só encontrar a tonalidade certa, e nisso o Flávio é perfeito, todas foram estudadas para que pegassem o melhor da minha voz e eu pudesse cantar da melhor maneira. Acho que não causou surpresa no público, porque gravei todos os discos de Tom. De 1984 para cá, as pessoas estavam acostumadas a ouvir minha voz como em Antônio Brasileiro e Passarinho. Tom botava os homens no agudo e as mulheres no grave, é algo que ele gostava muito.
Na tevê
Da mesma forma que o mestre Tom Jobim, Danilo Caymmi viu muitos de seus sucessos virarem trilha de novela. Nessa leva, se encaixam O bem e o mal, tema do folhetim Riacho doce, e Vamos falar de Tereza, escolhida para abrir a minissérie Tereza Batista.
FAIXA A FAIXA
Confira as canções de Tom que Danilo Caymmi gravou
Bonita
Ela é carioca
Por causa de você
Estrada do Sol
Chora coração
Água de beber
As praias desertas
Gabriela
Luiza
Querida
Derradeira primavera
Danilo Caymmi canta Tom Jobim
. Gravadora: Universal
. Preço sugerido: R$ 25,90