Do encontro raro em 1964 nasceu uma das mais bonitas amizades musicais brasileiras. Entre 1983 e 1994, Danilo Caymmi trabalhou e excursionou com a Banda Nova (com Tião Neto, Paulo Braga e Paulo Jobim), junto a Tom Jobim. Antes de embarcar no projeto com o maestro, fez algumas gravações, como o disco Cheiro verde. Mas, ele admite, com uma falta de segurança que não combinava com o vozeirão que ostenta, explorado com perfeição no projeto recém-lançado.
As versões escolhidas – 11, no total – seguem critérios diversos, que vão da novidade no repertório à ligação afetiva com as composições. Não espere, por exemplo, Samba do avião, faixa comum em apresentações. “A escolha foi totalmente afetiva. Optei por canções que gostaria de cantar e não tive oportunidade em shows ou discos. Por causa de você, por exemplo, ouvia minha mãe, Stella, cantá-la lindamente. Em Chora, coração, participei da trilha como flautista
Entrevista
Danilo Caymmi
cantor e flautista
A influência de Tom Jobim na sua carreira como cantor foi maior que a de seu pai?
Tenho mãe mineira e muito determinada. Havia um mito familiar de que cada filho tinha a sua função, e a minha era a de flautista. Quando gravei meu primeiro disco de produção independente, cantei tudo em falsete (ou falsetto), com a voz mal colocada e completamente fora da tonalidade em que eu deveria cantar. Quando fui chamado para fazer parte da banda, como flautista, dentro dos ensaios ele me convidou para interpretar alguns solos. E assim teve início a minha carreira.
O disco é, de certa forma, um presente à família Jobim?
Com certeza. Somos todos parentes, comadres, compadres. Sou padrinho de batismo da Maria Luiza, filha dele, que é cantora e fez um disco muito bom (com o Duo Opala). Sou padrinho de casamento do Paulo Jobim, filho do casamento com a Thereza Hermanny
Em conversa com Roberto Menescal, Jobim teria dito que o Brasil não gosta do Brasil. Hoje, o país aprendeu a valorizar seus ícones?
Acho que não. É difícil. E um dos motivos desse disco é a memória, incentivar que as pessoas conheçam as questões do Tom, como fizemos no centenário de Caymmi, em que houve homenagens de todas as formas possíveis de arte – de balé a exposição. Conseguimos fazer quase tudo, porque a história dele não pertence à família, mas ao Brasil. Esses homens trabalharam para um Brasil maior, justo. Mas no decorrer da vida, o Tom sofreu muito bullying, ouvia muitas abobrinhas do tipo “meu pai disse que você vendeu Águas de março para a Coca-Cola”. Isso o deixava chateado...
E eram afirmações injustas...
Sim, até porque ninguém vende música, isso é inadmissível dentro das leis de direito autoral, é ilegal. Você pode ter um licenciamento, mas não comprar. E depois, como soubemos, foi um negócio muito malfeito, financeiramente falando, porque ele negociou esse licenciamento muito barato. O mesmo aconteceu com Carmen Miranda. Fazer sucesso fora do país era uma penalidade. No caso dele e da Carmen, isso ficou mais evidente. O mercado americano, fechadíssimo, teve um grande acolhimento aos dois, vencendo essa limitação imposta aos latinos, tanto que ele gravou com Frank Sinatra.
O disco, curiosamente, não tem piano. Você toca as quatro flautas, duas em sol e duas em dó. Quando teve essa decisão?
Não foi uma decisão, e sim algo que aconteceu. Flávio Mendes, que costuma trabalhar comigo há bastante tempo e entende até meu olhar (músicos, em geral, conversam muito com os olhos), tinha um critério de não me dizer o que iríamos gravar para ter a surpresa da interpretação. Começávamos a gravação com voz e violão. Ficou tão bonito que até cogitamos colocar o piano, mas desistimos. Estou feliz por as canções estarem assim.
O fechamento do Instituto Tom Jobim, no Jardim Botânico, reflete a forma como a cultura é tratada no país?
Vejo jovens que só podem recorrer a trabalhar na rua, teatros fechando. Isso, infelizmente, reflete essas decisões feitas erroneamente e o descaso com a cultura e a educação.
A atual instabilidade política do país influencia seu trabalho?
Sim, claro. Não tem nem dinheiro, patrocínio nem espaço. Imagina estrear um disco em um ambiente desse? Vejo o esforço da minha filha, Alice Caymmi, que faz sucesso com muita habilidade intelectual e estratégica. Não se pode deprimir em combate. Ela é danada! Ela fez um curso de teatro, é intelectualmente preparada e tudo isso tem uma função. É uma multiartista como eu sou. Ousada, aprendeu a ser assim. Tudo isso faz parte desse contexto.
Este é, de fato, o melhor trabalho de sua carreira, como definiu nas redes sociais?
O mergulho, a intensidade desse mergulho, da música passar por mim e eu não perceber. O que faz com que essa obra mexa muito comigo é a dinâmica da criação. Ela mostra outro horizonte, se desdobra em outros eventos e cabe ao artista perceber e pegar disso o melhor. Estou tendo, logo de início, um feedback muito positivo. É lógico, isso vai ter um desdobramento importante não só na composição e na minha maneira de ser, isso mexe com tudo como ser humano. É um trabalho que oferece perspectivas, estradas, desdobramentos bonitos. Viver é muito bonito por causa disso, do inusitado, do acaso, dou muito valor a essas coisas.
Em algum grau, sentiu a responsabilidade de transmitir a obra do maestro a outras gerações?
Esse disco tem um subtexto de que como ele gostava muito da minha interpretação, seria algo natural que eu cantasse dessa maneira. O importante é que ele sempre deu liberdade, ele jamais contestou uma interpretação minha ou uma subdivisão ou qualquer nota extra que eu colocasse. Foi só encontrar a tonalidade certa, e nisso o Flávio é perfeito, todas foram estudadas para que pegassem o melhor da minha voz e eu pudesse cantar da melhor maneira. Acho que não causou surpresa no público, porque gravei todos os discos de Tom. De 1984 para cá, as pessoas estavam acostumadas a ouvir minha voz como em Antônio Brasileiro e Passarinho. Tom botava os homens no agudo e as mulheres no grave, é algo que ele gostava muito.
Na tevê
Da mesma forma que o mestre Tom Jobim, Danilo Caymmi viu muitos de seus sucessos virarem trilha de novela. Nessa leva, se encaixam O bem e o mal, tema do folhetim Riacho doce, e Vamos falar de Tereza, escolhida para abrir a minissérie Tereza Batista.
FAIXA A FAIXA
Confira as canções de Tom que Danilo Caymmi gravou
Bonita
Ela é carioca
Por causa de você
Estrada do Sol
Chora coração
Água de beber
As praias desertas
Gabriela
Luiza
Querida
Derradeira primavera
Danilo Caymmi canta Tom Jobim
. Gravadora: Universal
. Preço sugerido: R$ 25,90