Nos anos 1990, auge do pagode nacional, os integrantes do Molejo não pensavam em fazer sucesso duas, três décadas mais tarde. Não debatiam muito sobre o futuro. Os compromissos – e o sucesso – eram imediatos. Forjados na noite, eles se orgulhavam de ser músicos de improviso, desenrolavam um dia de cada vez. Passados 23 anos desde a estreia com Grupo Molejo (1994), retornam agora aos braços dos fãs com Molejo club (Sony Music, R$ 24,90) e se dizem renovados.
Orgulho da favela, Mulher bipolar, Atchubiou e Desculpe por tudo (que ganha, além da original, versão em ritmo de arrocha) são faixas do novo disco, o primeiro após seis anos longe dos estúdios, com composições de parceiros veteranos, como Leandro Lehart e Xande de Pilares.
“Nós estávamos produzindo as fotos de divulgação, o disco já na fábrica, quando alguém fez a brincadeira de associar nosso nome ao de Lady Gaga. Choveram comentários, montagens, memes. Tínhamos tudo pronto, aquela era uma feliz coincidência, mas estimulou o lançamento. Foi positivíssimo para a gente, aliás. Deus salve Gaga!”, brinca o vocalista Anderson Leonardo, porta-voz do grupo. Ele se surpreendeu ao ver Perfect illusion, single disparado por Gaga antes do álbum Joanne, atrelado ao hit Cilada (Délcio Luiz e Ronaldo Barcellos), lançado pelo Molejo no álbum Não quero saber de tititi, em 1996.
O burburinho catalisou a chegada de Molejo club. “Não era amor / Era uma perfeita ilusão”, diz a letra da artista estadunidense, “acusada” na internet de plagiar os versos dos brasileiros. “Isso não era amor, não era! Mas com Joanne não tem cilada! Ouça Perfect illusion, Million reasons, Ayo e outras músicas no Spotify Brasil”, foi publicado na página oficial de Gaga no Facebook, em novembro
MOLEJINHO Agora, enquanto reajustam as agendas a um volume de shows com o qual não lidavam há algum tempo, planejam projetos paralelos: querem promover apresentações voltadas exclusivamente para o público infantil, parcela expressiva entre os seguidores da banda. “Acho que, graças ao nosso humor, sempre tivemos público infantil e infantojuvenil. Parte dos adultos que frequentam nossos shows, inclusive, eram crianças nos anos 1990. E alguns levam os filhos, é um ciclo. Mas, vez em quando, o horário dos shows e algumas letras não caem bem para os pequenos”, pondera o vocalista, que pretende desenvolver repertório de cunho educativo e humorístico para o projeto, de nome provisório Molejinho.
O duplo sentido, contudo, não incomoda o Molejo. Bom humor é bem-vindo, e a dubiedade, relativa. “Desculpe por tudo/ Eu sei que fui grosso e te machuquei por dentro/Você é tão justa e eu cabeçudo”, dizem os versos de Desculpe por tudo (Miltinho Edilberto e Vicente Gomes), última faixa do novo disco. Anderson desconversa: duplo sentido, para ele, é contradição
Molejo Club
• Artista: Molejo
• Gravadora: Sony Music Brasil
• Preço sugerido: R$ 24,90
Entrevista
Anderson Leonardo
vocalista do Molejo
Músico comenta o vaivém no gosto popular, a renovação do pagode e a reincorporação de Andrezinho ao grupo, depois de oito anos de rompimento
Além do pagode, vocês se arriscam no arrocha no novo disco. Como veem esse passeio por outros gêneros musicais?
A gente gosta, é saudável, necessário. Faz parte do processo de se renovar, se manter atual. Quando começamos, sabíamos que, para tocar na noite, precisávamos tocar um pouco de tudo. O cara está ali para se divertir, ele paga um couvert, pede uma música da Madonna, depois grita ‘toca Raul!’, e você tem que se virar. Você vai dizer que não toca? Que não sabe? Não estamos falando de casas segmentadas para cada nicho musical, é claro, mas bares e casas de show em geral. O grande público gosta da música boa, não importa o gênero. Essas parcerias nos enriquecem. Gravamos um arrocha desta vez. Se você puder dar aquela misturada, por que não? A banda cresce com isso. O público sai ganhando também. Não se pode ficar restrito ao seu nicho. Até porque, no palco, temos que fazer de tudo para agradar.
Algumas músicas, como Desculpe por tudo, brincam com o duplo sentido. Essa fórmula faz tanto sucesso quanto nos anos 1990? Ou é mais problematizada hoje em dia?
O brasileiro tem muito alto-astral. Esse lance do duplo sentido nunca vai deixar de existir. O pessoal cobra mais romantismo, mas não tem jeito. Se você analisar a música de Naiara Azevedo, que está fazendo sucesso, você verá duplo sentido. E a paz? A mulher quer brigar? Isso é que é duplo sentido para mim. Marília Mendonça também, mesmo caso. Ela fala que o cupido dela é gari, isso também é duplo sentido. Para mim, pelo menos. Essa galera está estourada e isso é duplo sentido. Por que o Molejo não pode cantar Desculpe por tudo?
O pagode já foi um dos gêneros mais populares do país. Hoje, o sertanejo é apontado por streamings e rádios como destaque da audiência nacional. Como veem essa alternância de preferências no mercado?
É um processo natural. O Brasil ainda tem muita coisa para mostrar. Eu até estava conversando com um amigo meu, dia desses, e disse que, se bobear, a próxima tendência forte no país será a lambada. A lambada estourou no final dos anos 1980, mas não esteve em alta recentemente. Pode voltar. Várias pessoas gravavam músicas do estilo naquela época. É um gênero forte, que teria espaço no país.
O pagode vive uma onda de nostalgia, com projetos que retomam antigos hits. O que significa esse resgate? É uma prova do sucesso do pagode ou da ausência de renovação?
Ô, meu anjo... a verdade é que sempre existem entressafras. Eu acho que a galera que curtiu os anos 1990 agora são pais, alguns são avós, outros eram bem pequenos e agora são jovens. Ficou uma coisa saudosa em torno daquela década. Assim como existe a nostalgia dos anos 1960. Outra fase muito marcante. Nossa banda agora está com 28 anos. Por ter nosso próprio estúdio, já estávamos coletando músicas novas, de compositores novos e também de compositores consagrados. A tendência é que você dê mais abertura a quem é novo, a novos gêneros musicais, por terem nova roupagem, trazerem novidades... Por isso, também, vamos sempre tentando nos manter, nos renovar. O pagode tem se renovado, mesmo quando retoma sucessos antigos.
O pagode já foi, muitas vezes, visto pela crítica como inferior artisticamente a outros estilos musicais brasileiros. Acredita em preconceito? Já se sentiram afetados por isso? Algo mudou ao longo da carreira?
A verdade é que tudo que é novo, tudo que está surgindo causa resistência. Todo mundo sempre olha meio torto. Ou quando está tocando muito. Aí, as pessoas falam que estão de saco cheio, estão enjoadas de ouvir aquilo... Mas o mais legal é você ter a humildade de saber: se hoje não está muito bom, amanhã pode melhorar. Todos esses anos, nós sabíamos que tínhamos que manter nossa mesma pegada, seja tocando para mil pessoas, seja tocando para 1 milhão. Esse tipo de resistência nunca nos abalou.
Como ocorreu a volta de Andrezinho ao grupo? Por que ele foi afastado?
Andrezinho havia saído porque tinha outros projetos, ele é cria da Mocidade Independente de Padre Miguel, queria fazer trabalhos lá. Nós havíamos rompido nossa amizade por oito anos, mas agora estamos que nem Buchecha: só love, só love. Ele já está ensaiando conosco. Mas volta aos palcos após o carnaval, com carga total.
Vocês cantam situações da periferia, corriqueiras. O pagode também pode ser visto como uma forma de retratar espaços menos observados, digamos assim, pelos centros urbanos, fazer essa espécie de crônica social por uma ótica mais leve?
Sim, com certeza, até porque o samba nasceu daí. O primeiro samba, Pelo telefone, fala disso, o chefe da polícia carioca avisa. O samba retrata a favela, como nasce a favela. Varias músicas falam de política, de desigualdade social. Cumprimos também esse papel. Por estar mais maduro, o Molejo vira e mexe incorre nisso. Na faixa Orgulho da favela (Carlos Caetano, Saulinho e Thiago Moraes), no Molejo club, nós falamos nisso. Falamos de um jeito bem mais leve, claro, mas não podemos deixar de falar.