Morar num hotel-cassino em Reno, em Nevada, ou no Taj Mahal, em Atlantic City (EUA), ambos de propriedade de Donald Trump. Cantar nos palcos onde se apresentaram B. B. King, Dionne Warwick, Bob Dylan, Patti LaBelle, Woopi Goldberg e Bobby McFerrin. Bater papo com Oprah Winfrey. Conviver com Milton Nascimento, Gilberto Gil, Martinho da Vila, Dona Ivone Lara e Alceu Valença.
Newton Boaventura, de 65 anos, o Newtinho Maravilha, cantor da noite de BH, tem muita história para contar. Afinal de contas, não foram poucas suas andanças tanto no Brasil quanto na França, Espanha, Estados Unidos e Canadá.
Nascido e criado no Morro do Pau Comeu, no Bairro São Lucas, na Região Centro-Sul da capital, ele mora naquela comunidade com uma das filhas e o xodó, a neta Hillary. Boa-praça, esse mineiro teve infância difícil. A mãe, dona Lourdes, era lavadeira. Atendia clientes famosos, como o técnico de futebol Yustrich e o ex-presidente do Cruzeiro Carmine Furletti. “Ela me mandava entregar as roupas que lavava e passava. Menino, gostava de ir a todas aquelas casas, pois sempre sobrava um lanchinho. Mas na do Yustrich era diferente, ele era bravo”, conta.
Muitas vezes, o garoto parava na descida do morro para jogar futebol. Colocava a trouxa num canto, no meio do mato, para não sujar. “Certa vez, a roupa amassou e não vi. Quando cheguei na casa do Yustrich, ele me esculhambou. Xingou tanto que achei que ia me bater. Voltei com tudo para trás. Depois, foi falar com minha mãe que não queria roupa amassada”, relembra Newton, às gargalhadas.
Futebol que nada... Era de música que o moleque gostava. E o destino lhe deu um empurrãozinho. “Minha mãe me levou para fazer teste para a guarda mirim. Não passei. Ela ficou brava e, na saída, topamos com a banda e o coral da guarda. Ela parou, me empurrou e foi logo gritando: ‘Ele sabe cantar’. Acabei entrando para o coro”, relembra.
O tempo passou. Um dos fregueses de dona Lourdes arrumou um emprego de office boy para o rapazinho no Estado de Minas. De lá, ele foi para a Rádio Guarani. No estúdio, aprendeu a mexer nos equipamentos. Nas horas vagas, cantava pelos corredores da emissora.
“Certo dia, o Célio Balona me viu e perguntou se não queria me apresentar no programa Brasa 4, da TV Itacolomi, pois um cantor tinha faltado por estar doente. Fui lá e deu certo. Foi assim que virei cantor”. Compositor e instrumentista, Balona, de 78 anos, é um dos músicos mais queridos de BH.
As portas se abriram para Newtinho, que passou a se apresentar na capital. “Quando comecei, cantava músicas de Gervásio Horta, daqui de BH. Gostava muito delas”, conta. Balona o levou para se apresentar no Rio de Janeiro e ele ficou amigo de todo mundo.
“Imagina: eu, aqui do Pau Comeu, me apresentando nos mesmos palcos de Dona Ivone Lara, Martinho da Vila, Milton Nascimento, Gilberto Gil e Alceu Valença lá no Rio de Janeiro. Foi demais. Estava diante dos meus ídolos”, relembra.
CONVITES O Rio de Janeiro foi uma espécie de vitrine para o mineiro. Lá, recebeu convites para cantar em Paris, na França, e em Madri, na Espanha. Aceitou na hora. De volta ao Brasil, apareceu a chance de ouro, que mudaria sua vida.
“Uma das produtoras da Oba-Oba, a casa de shows do Osvaldo Sargentelli, perguntou se queria ir para os Estados Unidos. O cantor do grupo de samba de lá foi demitido e precisavam de outro. Topei. Veio um empresário italiano, que confirmou tudo. Ganhei uma semana para resolver as minhas coisas em BH”, relembra.
O italiano lhe deu o dinheiro para viajar de avião para Belo Horizonte. Mas...
“Peguei o dinheiro, comprei a passagem de ônibus e cheguei a Minas rico. Depois de uma semana, fui para os Estados Unidos. Não falava nada de inglês. Fiquei calado, claro. De lá fomos para Reno, em Nevada. Quase caí de costas quando vi onde iria morar. Aquilo era um sonho.”
O brasileiro chamou a atenção. No fim da década de 1980, o samba tinha mercado na terra do Tio Sam. Convidado para fazer shows em Los Angeles, Newton não poderia sonhar que se encontraria com alguns de seus ídolos.
“Fui cantar no Teatro Paramount e me levaram para a sala de maquiagem. Chegou um cara, negro como eu, muito solícito e também se maquiou”. O mineiro subiu ao palco e cantou. Minutos depois, ouviu chamarem a atração da noite.
“Era ninguém menos do que o Bobby McFerrin. Eu fazia imitações dele no Brasil. E não o reconheci... Fiquei doido, mas, envergonhado, não troquei uma palavra com ele e nem pedi autógrafo”, lamenta.
Newtinho Maravilha morou no Taj Mahal, o mega hotel-cassino de Atlantic City. Costumava ver por lá Donald Trump, o proprietário, que será empossado presidente dos Estados Unidos no próximo dia 20.
Le Noir du BH
Por seis anos, Newton Boaventura “fez a América”, como se diz. Subiu a palcos que costumavam receber B. B. King e Bob Dylan, ícones da música dos Estados Unidos. Depois, mudou-se para o Canadá, onde trabalhou por seis meses. De volta aos EUA, decidiu retornar ao Brasil na década de 1990, pois o samba já não fazia tanto sucesso por lá.
Em BH, ele divide seu tempo entre os filhos, os netos e os shows que faz à noite. Apresenta-se com Marilton Borges, no Automóvel Clube e no Walter Piano Bar. Também marca presença em sua comunidade, animando festas no Pau Comeu. É lá que fica o “Clube da Esquina” de Newtinho Maravilha.
“Tenho muitas saudades do começo da minha carreira. O samba estava no sangue, tanto que virei um dos puxadores da escola Cidade Jardim, cuja bateria era do Pau Comeu”, diz.
O crooner guarda boas lembranças da época em que se apresentava no Largo do Baeta, com Nora Ney, além do Black Mail, Cabaret Mineiro e El Rancho – todos espaços tradicionais da noite de BH.
Sabe como chamavam Newtinho Maravilha na França? Le Noir du Senegal. “Vê se pode... Sou brasileiro. Meu negócio é samba”, conclui ele, às gargalhadas.