Bom de rap e de canção, Rael tem luz própria. Aos 34 anos – e pouco mais de 15 de carreira –, esse paulistano há tempos aposta no casamento inteligente da melodia com as rimas e batidas do hip-hop. Cabe de tudo no rap de Rael: reggae, samba, balada, MPB e pop. Em seu quarto álbum solo, Coisas do meu imaginário, esse diálogo se aprofunda.
A sonoridade do novo CD traduz o amadurecimento do compositor, potencializado pela parceria com Daniel Ganjaman – o aclamado produtor de projetos de Criolo, Sabotage, BaianaSystem e Racionais MCs. O ''estilo Ganja'' fez bem ao MC paulista. Há sofisticação instrumental, pitadas de soul e jazz, metais inspirados (em arranjos de Rubinho Antunes), além de Rael ao piano e dos teclados de Daniel. Seis das 11 faixas são assinadas pela dupla.
APOCALIPSE
Cronista deste Brasil mergulhado no baixo-astral, Rael fala do atual ''clima apocalíptico'' já na primeira faixa, Do jeito, dedicada ao conturbado ano de 2016. Antigamente, comenta ele, o analfabeto político não queria nem saber e tampouco entender o que ocorria à sua volta.
Rael não alivia o tribunal das redes sociais e seus haters. ''O mundo inteiro bagunçado/ E ele mó zé/ Preocupado com o tom de pele/ Da minha mulher/ Se é alugado ou comprado/ Ele tem me questionado/ De tudo que tenho usado/ Da cabeça ao pé'', diz a letra de Falacioso. Não se trata de metáfora ou eu lírico, mas de resposta a agressões concretas endereçadas ao compositor. Negro e casado com moça de ascendência oriental, Rael já foi chamado de ''traidor da raça''.
Em Livro de faces, ele ironiza amores ''vividos'' por gente ''virtual''. A letra cita até o filme Her, em que um sujeito solitário se apaixona pela voz de um programa de computador, para falar da moça ''que curte começar lá pelo Tinder/ Terminar pelo WhatsApp/ E reclamar no Facebook''. Rael faz troça da garota: ''Seu coração tem dono/ E ela nunca o esquece/ Pior que não é homem/ É um iphone 6s''.
DROGAS
O rapper avisa: longe dele a pretensão de ditar regras ou de posar de ''ditador''. Explica que sua música tem compromisso com o diálogo e, sobretudo, com o questionamento do mundo. Em Papo reto, ele e os parceiros Daniel Yorubá e Bruno Dupre falam de drogas – e sem glamourização, como é comum em letras de rap e reggae. ''Rastaman, rastaman/ Num barraco armado eles bolam o baseado/ louco de cocaine./ Hey hey hey/ Rastaman, rastaman/ Uma mãe que chora esperando/ Pelo filho que não vem''. Nesta faixa, é mais do que simbólica a participação do fluminense Gustavo Black Alien. Nome de ponta do rap brasileiro, ele travou corajosa luta contra o vício.
Quem tem fé é tributo à tolerância religiosa, tão ameaçada ultimamente no Brasil. Rael conta que buscou inspiração nas próprias avós.
ROMÂNTICO
Poucos rappers brasileiros falam tanto de amor como Rael. Por um bom tempo, parte da tribo hip-hop fez pouco de suas letras românticas. ''Esse negócio de mulher não é rap, não'', ele cansou de ouvir. Porém, a doce (e feminista) Envolvidão, lançada em 2014, rendeu-lhe 34 milhões de visualizações no YouTube. Esse ''rap-balada'' do disco Diversoficando, com Rael ao violão, fala de um rapaz sem a menor vergonha de se assumir apaixonado. A mulherada a-do-rou.
''Essa música me aproximou de pessoas que não conheciam nem o Rael nem o rap.
Fino, elegante e sincero, Rael é incisivo em suas ideias, mas dono de peculiar delicadeza. Tão comuns no rap, não há palavrões em Coisas do meu imaginário – o único deles é sample de Vida loka, do Racionais MCs. Em Rouxinol, o rapper-cantor fala de passarinhos em fuga da cidade grande. Essa faixa, revela Rael, tem emplacado entre as top 10 de rádios paulistas.
Se já foi heresia ''contaminar'' batidas do rap com melodias e falar de amor, os tempos mudaram – e como. Até Mano Brown, gigante da old school, acaba de lançar disco solo romântico e melódico. Além de rimar, ele assume o lado cantor.
Veja o clipe de Minha lei:
Para Rael, nada mais natural do que a evolução – e isso vale para o hip-hop. ''Nosso país é continental, o mundo mudou, é preciso fazer diferente'', diz. Ele considera bem vinda a fase de transição do rap, ''com a valorização de várias vertentes – orgânica, eletrônica e trap''.
Nesses 15 anos de estrada, Rael acredita ter colaborado, à sua maneira, para o hip-hop nacional. ''Fazendo música'', reforça, sem se abalar com os chamados ''guardinhas do rap'', que não aceitam o diálogo do gênero com outros ritmos e, sobretudo, a ocupação de espaços na mídia e no mainstream. Volta e meia, Emicida, Projota e até Mano Brown são tachados de ''vendidos''.
O rap brasileiro rompeu a fronteira das favelas, onde surgiu, ganhando espaço em novela, propaganda de TV, mercado fonográfico e em desfiles de moda, como a São Paulo Fashion Week, com o desfile da grife de Emicida, parceiro de Rael. Mesmo assim, o neto de mineira diz que há muito a conquistar. Ele cita as rádios e o Nordeste como metas a vencer. ''Todo mundo trabalhou muito, mas rap ainda não é uma música popular. Só que agora a gente entra onde não entrava antes'', conclui.
EM BH
Em 14 de janeiro, Rael será uma das atrações do Luau de Verão, no Pico Mangabeiras, em BH. O show não faz parte da turnê Coisas do meu imaginário, mas canções do novo disco já integram o repertório. Ingressos: R$ 40. Capacidade: 1,5 mil pessoas. Informações: contato@macacoprego.art.br
e (31) 2526-1088. Vendas on-line: https://goo.gl/scmSYq
COISAS DO MEU IMAGINÁRIO
De Rael
Laboratório Fantasma/Natura Musical
R$ 19,90
Informações: www.laboratoriofantasma.com