George Michael não era deste mundo. Caso fosse, sua carreira e sua própria vida poderiam ter tido outro rumo.
Pagou caro por uma denúncia de “ato obsceno” em um banheiro público de Los Angeles, armado por um policial à paisana. Corria o ano de 1998 e, mesmo que já se falasse de sua homossexualidade, esta saída do armário a fórceps foi determinante para os rumos de sua carreira – fosse hoje, essa história renderia trending topics que logo seriam substituídos.
Dias mais tarde, foi à rede de TV CNN. Afirmou ter decidido manter privada sua opção sexual por causa da maneira pública como havia sido examinado no início de sua carreira. “Passei a primeira metade da minha carreira sendo acusado de ser gay, quando eu não tinha nada parecido com um relacionamento gay.”
Outras pequenas tragédias pessoais foram se sucedendo em seus 53 anos de vida. Prisão por uma série de infrações de trânsito; dois encontros próximos com a morte (um em decorrência de uma pneumonia, outro de um acidente de carro); e abuso de drogas. A sempre famigerada imprensa britânica não lhe dava folga – seus dramas, por mais de uma vez, foram motivo de escárnio.
Fosse deste mundo, George Michael tentaria fazer média. Pois não. Fez exatamente o contrário, sem pedir a simpatia geral.
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Com sua morte, essas histórias perdem importância diante da obra que deixou. Com o Wham!, duo que formou com Andrew Ridgeley entre 1981 e 1986, fez o pop perfeito para dançar junto (Careless whisper) e separado (Wake me up before you go go).
Emplacou seis das 11 faixas de seu álbum solo de estreia, Faith (1987). Obra-prima do pop, passeou por vários dos mais diversos: rockabilly (a faixa-título), jazz (Kissing a fool), balada amorosa (One more try). Mas foi com a música e o clipe de I want your sex, em que ele pregava o sexo casual (sofreu boicote de rádios da época), mas também a monogamia, que ele rendeu polêmica (brincadeira de criança a sugestão sadomasô do vídeo frente de Eu escolhi você, de Clarice Falcão, só para citar um exemplo atual).
Os 100 milhões de álbuns que George Michael vendeu ao longo de sua carreira discográfica relativamente pequena (foram apenas oito discos) devem muito à MTV. Um dos artistas que mais frequentou a emissora musical, fez ao menos um clipe histórico.
Corria o ano de 1990 e, já cansado de explorar sua própria imagem, colocou na linha de frente as supermodels da época. Em Freedom ‘90, mais um exemplar do pop perfeito (a liberdade do título da canção pode ser lida como uma tentativa do cantor de falar, sem entregar, de sua sexualidade), ele reuniu as Giseles da época – Naomi Campbell, Linda Evangelista, Tatjiana Patitz, Christy Turlington e Cindy Crawford – para dublar sua própria canção.
Acabou, de várias maneiras, expiando o passado através de sua própria obra. A canção Jesus to a child (1996) foi dedicada ao companheiro morto pelo HIV, o brasileiro Anselmo Feleppa; o clipe de Outside (1998) mencionava, com deboche, o escândalo do banheiro público; o documentário George Michael: A different story (2005), passou a limpo várias dessas histórias, numa maneira de o cantor encerrar um ciclo.
Para além de seu próprio repertório, foi o único dos (vários) que tentaram chegar próximo a Freddie Mercury que conseguiram: sua interpretação de Somebody to love, junto ao Queen, em 1992, em tributo ao vocalista morto um ano antes, é impecável.
Não, George Michael não era deste mundo. Hoje, sua trajetória soa um tanto anacrônica nestes dias de música rápida e substituível.