Alquimista, ele soube combinar em seu novo disco, No voo do urubu, a voz tarimbada de Danilo Caymmi, filho de Dorival e vocalista da banda de Tom Jobim, com a do cantor estreante Mano Brown, mais afeito às batidas do rap. Fazem bonito tanto o aclamado Seu Jorge quanto o gogó mais modesto de Criolo. Nesse democrático voo, tem lugar para as picapes do DJ Nuts, a percussão de Robertinho Silva, as baquetas de Ivan Conti “Mamão” e o trompete de Jessé Sadoc. Cerca de 50 músicos participaram do projeto, viabilizado pelo Selo Sesc SP.
O ecletismo elegante sempre foi a marca do anfitrião, fã de Frank Zappa, Villa-Lobos, Ravel, Miles Davis e Prokofiev. “Meu estilo é não ter estilo”, brinca Verocai. Xodó da jovem banda Dônica (com a qual se apresentou no Rock in Rio, em 2015; Tom Veloso, filho de Caetano, o adora) e autor dos arranjos de Negro é lindo (1971), clássico da discografia de Jorge Benjor, o maestro se orgulha de ter composto o concerto para violão e orquestra executado recentemente pela instrumentista Maria Haro e a Orquestra Sinfônica de Barra Mansa.
Arthur Verocai está na estrada desde os anos 1960.
Maestro e arranjador em dezenas de álbuns, gravou apenas quatro discos: Arthur Verocai (1972), Saudade demais (2002), Encore (2008) e No voo do urubu (2016), que certamente estará presente nas listas de melhores deste ano. Rejeitado pelo conservador mercado fonográfico dos anos 1970, o álbum de estreia não “aconteceu” no Brasil. Verocai diz que apenas “amigos, família e vizinhos” compraram aquele LP, que posteriormente ficaria famoso por sua ousada estética.
DJ Nos anos 1990, DJs europeus que vasculhavam sebos no Rio de Janeiro encontraram tesouros em vinil – entre eles, o álbum de estreia do maestro e LPs de Marcos Valle. Ambos estouraram nas pistas lá de fora. Verocai se transformou em sensação do hip-hop, sampleado pelo grupo americano Little Brother e pelo rapper Ludacris. Em 2009, convidado a se apresentar em Los Angeles, surpreendeu-se com o teatro lotado e a ovação que recebeu dos fãs. Alguns jovens cruzaram os EUA só para ouvi-lo. O músico Taylor McFerrin, filho de Bobby McFerrin, contou à imprensa brasileira que cresceu ouvindo os “incríveis arranjos” do ídolo de seu pai.
“Tenho nichos de mercado em Londres e em Amsterdã”, conta o maestro, grato aos DJs. Ele não se sente “expropriado” por artistas que sampleiam faixas de seus discos. Revela que tem sido pago por isso, observando que o hip-hop deu impulso à sua carreira. Caboclo, faixa de seu álbum cult, tornou-se fetiche globalizado.
CLUBE DA ESQUINA O LP Arthur Verocai saiu no mesmo ano de lançamento de outro marco da música brasileira: o álbum duplo Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges. Amigo de Toninho Horta, admirador de Bituca e filho de uma mineira de Além Paraíba, cidade que visita até hoje, o maestro diz que há certo parentesco entre os dois discos. Essa identidade passa pela harmonia, por exemplo. “A gente trocava muita figurinha”, conta, referindo-se a Toninho Horta e ao pianista belo-horizontino Helvius Vilela (1941-2010).
Clube da Esquina e Arthur Verocai em nada se pareciam com os discos lançados há 44 anos. Ambos abriram caminhos, foram recebidos com desconfiança e exercem fascínio até hoje. Se Milton e companheiros mesclavam bossa nova, jazz, samba, toada mineira e Beatles, o maestro diz ter feito “o Clube da Esquina soul”. Houve quem visse ali algo de folk; outros o classificaram como soul funk brasileiro; também é apontado como destaque do folk-jazz. Autodenominado “filho da bossa nova” (foi aluno de Roberto Menescal), apaixonado por jazz e música clássica, esse fornecedor de beats ao rap garante: “Sou eclético mesmo, gosto de muitas coisas diferentes”.
No voo do urubu, com suas belíssimas orquestrações, harmonias e arranjos, lembra Tom Jobim. A luminosa faixa título é dedicada ao Rio de Janeiro, hoje tão combalido por escândalos políticos e crise financeira. Há também homenagem ao compositor Paulinho Tapajós (1945-2013), amigo de Verocai desde criança e letrista de Minha terra tem palmeiras, cantada por Lu Oliveira.
Danilo Caymmi apropria-se de tal maneira de Oh! Juliana que ela parece ter sido composta por ele.
LAÇO Outro luxo só ficaram as faixas Cigana e O tambor. No caso da primeira, Verocai diz, brincando, que pôs “o laço no pescoço” de Mano Brown, craque no flow, mas estreante no universo das harmonias vocais. “Ele não queria cantar de jeito nenhum”, revela. O mestre o convenceu de que importante não é a afinação perfeita, mas cantar com a alma. Deu certíssimo. “Além disso, a letra dele é ótima”, elogia. Nos vocais está a cantora mineira Paula Santoro.
Em O tambor, Criolo canta as misérias de nosso país. O rapper fez bonito entre intérpretes tarimbados como Seu Jorge e Danilo Caymmi. Verocai faz questão de agradecer o apoio do Sesc de São Paulo e de seu diretor, Danilo Miranda, ao novo disco. Quer tocar em Minas Gerais, terra de sua mãe.
Tomara que o Sesc, que administra o Grande Teatro do Sesc Palladium, viabilize a apresentação do maestro em BH. Quando ele chegar, DJs do mundo inteiro, certamente, já estarão enlouquecidos com o novo voo de Arthur Verocai.
FAIXAS
>> No voo do urubu. Voz: Seu Jorge
>> O tempo e o vento.
Voz: Arthur Verocai
>> Oh! Juliana. Voz: Danilo Caymmi
>> Minha terra tem palmeiras.
Voz: Lu Oliveira
>> A outra. Voz: Vinícius Cantuária
>> Cigana. Voz: Mano Brown
>> O tambor. Voz: Criolo
>> Snake eyes. Instrumental
>> Na malandragem. Instrumental
>> Desabrochando. Instrumental
NO VOO DO URUBU
• De Arthur Verocai
• Selo Sesc SP
• Preço médio: R$ 20
• Informações: www.sescsp.org.br/livraria/3802_NO%2bVOO DO URUBU