Na madrugada desta sexta-feira (dia 9), Mano Brown mandou para as redes sociais seu aguardado disco solo, Boogie naipe, com 22 faixas românticas, bem diferentes do repertório que o consagrou na carreira de 27 anos junto do Racionais MCs, o grupo de rap mais importante do Brasil. Soul, funk e R&B inspiraram as 22 faixas. Em pouco mais de uma hora, ele põe na pista um baile black do século 21, bem à moda dos anos 1980.
Brown caprichou. Com orquestra de cordas, metaleira azeitada e arranjos bem-construídos, ele não apenas rima, como de costume, mas canta em algumas faixas. Deixa a zona de conforto para se arriscar no universo das melodias. Deu certo. Bom produtor, soube escalar um time de primeira para "formar" com ele. Um desses aliados é Leon Ware, parceiro de Marvin Gaye e Quincy Jones na lendária Motown, que dividiu com o brasileiro a inspirada Felizes/Heart to heart, lançada em novembro nas redes sociais.
O time nacional reúne Seu Jorge, Hyldon (autor do clássico Na rua, na chuva, na fazenda), a jovem revelação Ellen Oleria (dona de vozeirão respeitável), William Magalhães (da Banda Black Rio), Carlos Dafé (o príncipe do soul brasuca), DJ Cia (destaque da cena hip-hop) e Lino Krizz, vozeirão do soul nacional, parceiro de Brown na produção de Boogie naipe. Filhos do rei do balanço Wilson Simonal, Max de Castro e Wilson Simoninha também estão lá.
Brown se dedica ao álbum há dois anos, mas algumas das canções foram compostas há 10 – inclusive, circulavam nas redes sociais há tempos.
Boogie naipe vai na contramão da misoginia do rap. Praticamente todas as 22 faixas falam da mulher – e para a mulher. Têm tudo para agradar o público feminino, ainda meio arredio à cena hip-hop. Há também o lado "soulfrência" de Brown, que aflora em Amor distante, Mal de amor e Adicto. "Violento é o amor/ Peço paz", canta ele. "Como eu pude te tratar assim?/ Prisão perpétua pra mim", desculpa-se em Flor do gueto. "Você cantou/ Dancei na sua mão/ Desta vez não", rende-se Brown em Adicto.
Entre as faixas irresistivelmente dançantes estão Nave mãe, uma espécie de samba soul brindando a nova era; De frente pro mar, que manda "aquele abraço" para ex-amores; e Dance dance dance, em que Brown, Seu Jorge e Don Pixote celebram a paixão de um casal fora da lei, coisa de fã de Bonnie and Clyde.
Confira o clipe de Amor distante:
A sonoridade dos anos 1980 marca Boogie naipe, mas sem ranço passadista. Não há cheiro de naftalina nesse baile, que traz alegria, balanço e suingue a nosso Brasil desalentado, às voltas com a intolerância e o baixo-astral econômico e político. Mano Brown procura fazer a sua parte, arriscando-se em nova proposta musical, ousando abrir mão da zona de conforto. Sabe que corre riscos ao trocar o centro da cena hip-hop para "procurar o canto do corner", como ele mesmo diz. No "ringue Brasil", isso não é pouco. Mas o moço é highlander. Taurino legítimo, é teimoso e só faz o que quer. O álbum foi totalmente bancado pela produtora dele e da mulher, a advogada Eliane Dias, sem patrocínios e lei de incentivo.
Em conversa com os fãs por meio da plataforma digital OneRPM, Brown confessou o receio de soar desafinado nas faixas em que soltou a voz. Todo mundo sabe que ele não é um Tim Maia, mas também não fez feio. Aliás, deu-se muito bem na "função" na faixa Cigana, lançada esta semana no ótimo disco No voo do urubu, do cultuado maestro carioca Arthur Verocai, ídolo dos rappers. Criolo, Danilo Caymmi e Vinicius Cantuária também "voaram" com Verocai.
Disponível no Spotify, no iTunes e Google Play, o baile do Brown chegou chegando. Inclusive, Minas está na mira da turnê, em 2017. Ele já disse que está louco para se apresentar nas cidades históricas do estado. O novo cantor da praça, que busca se garantir nos graves, pode ficar tranquilo. Se o ataque de autoexigência taurina bater, basta se lembrar do mestre dos mestres, João Gilberto. Afinal, no peito dos desafinados sempre bate um coração. .