Censurado em algumas canções pelo governo militar e perseguido pela Igreja Católica por conta do disco Filho de José e Maria, na década de 1970, o compositor volta a problematizar o cotidiano no recém-lançado Gatos e ratos, o 34º álbum de sua discografia.
Para quem associa esse goiano, de 68 anos, apenas à imagem do cantor de músicas românticas e melosas, o novo CD é um soco no ouvido. Pesado nas melodias e conceitual nas letras, ele mostra justamente o contrário: um Odair roqueiro e questionador. “Não estamos vivendo o momento de falar sobre ir para a balada ou de um amor mal sucedido”, avisa.
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Politicamente correto sim
Nestes tempos de embates ideológicos, Odair não teme a reprovação dos fãs mais conservadores. “Nesta idade, não tenho medo de colocar o pescoço na guilhotina. Não fiz um disco partidário, de jeito nenhum. Apenas falo sobre coisas que gostaria que o brasileiro repensasse”, garante.
Nesse sentido, é enfático ao dizer de que lado ficou na construção de um discurso politicamente correto: “Com certeza, estou com as minorias. Está tudo errado e temos que consertar isso, quero que cada um viva no seu quadrado, mas sempre respeitando as diferenças dos outros”.
Com vasto repertório que, no passado, tocou em temas delicados – sexo, drogas e prostituição –, Odair diz que seu único arrependimento foi não ter se posicionado mais em alguns momentos, especialmente após o lançamento do criticado O filho de José e Maria, em 1977.
Além do teor das letras, o novo CD chama a atenção pelo som bem mais pesado do que a maioria de seus trabalhos. Solos de guitarra, riffs e distorções aparecem em quase todas as faixas. Com inspiração declarada no primeiro álbum de Paul McCartney fora dos Beatles, a sonoridade traz referências do rock dos anos 1970.
Em Livre, a faixa de seis minutos que encerra o disco, ele explora ritmos mais psicodélicos como fundo para a letra que questiona as liberdades que as pessoas acreditam ter.
Mais roqueiro à medida que envelhece, Odair ainda não chegou a seu objetivo musical, apesar de os últimos trabalhos terem ficado cada vez mais agitados. “O que quero, mesmo, é o formato de bandinha crua”, explica, referindo-se ao trio guitarra, baixo e bateria, apenas com um teclado intruso.
Ele promete “pesar mais a mão” nos próximos lançamentos “O rock não precisava nem do som, só da atitude. Sou um cara de rua.
A turnê de lançamento de Gatos e ratos vai começar em janeiro, ainda sem data para Belo Horizonte. “Vou ter o cuidado de avisar que é o lançamento de um disco novo. Não posso incluir neste show música que não tenha a ver com proposta. Não vou cantar sucessos antigos só porque o público gosta”, garante. A versão física do álbum já chegou às lojas. O formato digital está disponível no Spotify.
Três perguntas para...
Odair José
Cantor e compositor
Por que você disse que seu novo disco é um despertador para pessoas que estão adormecidas devido a falsas e fáceis informações?
O povo se apega muito fácil ao que é mais confortável. É aquela ideia de “se não vai ser contra mim, não importa se vai ser ruim pra todo mundo”. Isso é o fácil. As pessoas deveriam buscar a informação difícil, que nem sempre é a conveniente.
Nesse sentido, quem apoiou o impeachment de Dilma Rousseff estaria “adormecido”?
Sim. O Brasil era uma carreta possante e desgovernada descendo a ladeira. Uma freada brusca ia provocar capotagem – e não parar a carreta. Em 2014, quando teve a campanha, manifestei minha preocupação com a reeleição da Dilma, porque previa que aquilo não ia dar certo, achava que ia ganhar e não ia levar.
Em 1977, quando você lançou O filho de José e Maria, o disco chegou a ser censurado e a Igreja Católica te perseguiu. Quarenta anos depois, há forte escalada da igreja evangélica, inclusive na política. Como você vê isso?
Fico impressionado com políticos ou pastores querendo oprimir a opção sexual das pessoas. Isso não é certo há 2.000 anos. Não gosto disso. Acho muito bonito a pessoa ter a sua fé, mas temos que procurar melhorar a nossa vida sem nos apegarmos à religião. Alguém já disse que se mede a cultura de um povo pos seu nível de religiosidade. Não digo que não tem que ter religião, sei que na hora do aperto as pessoas se apegam a ela. Porém, não aceito e tenho medo do uso da religião para se chegar ao poder. Isso é perigoso. É de novo aquela fácil informação: “O pastor disse que isso é bom”... Malandro, procure saber se é bom mesmo!
GATOS E RATOS
De Odair José
Canal 3
Preço médio: R$ 21,90