Todos conhecem a figura do compositor Jorge Aragão: rosto simpático e risonho, cabelos grisalhos, longos e amarrados, elegância informal e discreta. Acrescente-se a fama de avesso às facilidades do sucesso e a dedicação à música – só a ela. Porém, nem todos sabem que são dele duas canções muito conhecidas: Vou festejar, que torcedores transformaram em hino nos estádios – particularmente, os atleticanos; e Coisinha do pai, sucesso na voz de Beth Carvalho tocado no espaço sideral. Em 1997, a engenheira brasileira Jacqueline Lyra, da Nasa, usou esse samba para “acordar” um robô enviado a Marte.
As duas canções fizeram história. Vou festejar nada tem nada a ver com os estádios. “É sobre alguém cansado de sofrer por amor”, esclarece Jorge. A associação com o futebol veio das rodas de samba realizadas na quadra do bloco Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro, depois das peladas disputadas por frequentadores, com um time zoando o outro.
Atualmente, Vou festejar (hit em 1978) é tão sinônimo de futebol que, com a letra modificada, será usada na campanha da CBF para reaproximar o povo da Seleção Brasileira. Por sua vez, Coisinha do pai foi escrita para a primeira filha do compositor, Vânia. Depois, ele fez a música Claridade para Tânia, a outra filha.
LIVRO E DISCO Jorge Aragão é o novo homenageado do projeto Samba Book (Musickeria), cujo box reúne biografia, DVD e CDs e partituras. “O resultado dá impressão de que os 40 anos de atividades valeram a pena. Ganhei meu passaporte”, brinca o compositor e cantor.
Jorge se diz satisfeito por sentir a evidência de que realmente construiu uma obra. “A ficha demora a cair. A gente só descobre ao ouvir tantos intérpretes com novas versões de músicas que compus há tempos”, acrescenta.
O carioca credita o bom resultado da iniciativa na conta de Afonso Carvalho, idealizador e realizador do projeto. “Ele sabia o que tinha na mão, eu não”, justifica. “Só agora, aos 67 anos, percebi que não entrei no mercado por vontade de ser artista, mas pela minha música – e só por ela. Queria ter condições de alimentar minhas filhas, não foi para comprar casa em condomínio”, explica.
Elemento essencial do projeto é a fidelidade à identidade da proposta. “Faço música pela música, sou lento para compor. Melodia tem de fluir e arrepiar. Só depois começo a escrever. Faço tudo muito pensado. Choro com os personagens das minhas canções de tanto que eles vivem na minha cabeça”, revela.
Jorge avisa: faz música para agradar a si mesmo. “Tive sorte de os outros gostarem também e começarem a gravar”, explica. “Não vou dizer que o essencial é só talento, pois há muitos talentosos que não chegam e não talentosos que conseguem”, observa. Os mestres dele são Candeia, Roberto Ribeiro e Monarco, entre outros, devido à “voz autoral”. “Com eles, aprendi o que é a base do samba: a raiz”, resume. Mas confessa: gosta de extrapolar limites. Até porque não veio das rodas de samba, mas de bandas de baile, como guitarrista. “Tudo pode, de samba até as coisas mais estranhas. Sinto-me em casa em qualquer gênero”.
Este é o recado de Jorge Aragão para quem quiser se dedicar à música: “Estude”. Avisa que se sente “o pior exemplo” de conselheiro, pois é autodidata. “Numa certa época, isso funcionava. Hoje, todos têm de ler partitura e fazer direito a harmonia, senão descaracteriza a música”, explica. Para ele, o samba é melhor aprendido “nas rodas e guetos, bunkers de resistência” do que nas escolas de samba.
Jorge comenta que as agremiações carnavalescas se profissionalizaram. “Posicionadas para a samba-enredo, há muito tempo elas não trazem composições marcantes”, critica. “Todos os sambas-enredo que tenho na memória são antigos. Dos novos não consigo guardar nada”.
Jorge Aragão canta, mas diz que esse nunca foi o projeto dele. “Palco é mais para o ator. Sou mais verdadeiro sendo compositor. Não temo o palco, pois não piso nele para fazer show, mas para dividir meu samba com as pessoas”, provoca. “Meu barato é compor, cantar é consequência”.
A afinidade com o batuque traduz uma crença: “É a nossa identidade, apesar de muitos tentarem desmistificar esse aspecto tão bonito da nossa cultura. Música é o combustível do brasileiro”.
SAMBA BOOK JORGE ARAGÃO
- Musickeria
- Box: R$ 299
- DVD: R$ 26,90
- CD livro: R$ 48,90
- CD: R$ 20 (cada)
Do bolero ao rap
O livro sobre Jorge Aragão foi escrito pelo jornalista João Pimentel. Trata-se da soma de biografia e disco, abarcando do álbum de estreia ao último lançamento, perfil do projeto Samba Book.
“Aragão é compositor de identidade autoral nascida no diálogo com a matriz moderna do samba, que é o Cacique de Ramos. Mas a produção dele vai além do samba, pois não se furta de usufruir de outros ritmos e gêneros. Fez boleros, tem forrós ótimos e gravou rap”, conta Pimentel. Outra característica dele é a consideração pelo samba romântico e com letras bonitas, sem ser superficial.
“Jorge Aragão é conhecido como o poeta do samba”, lembra o jornalista. Segundo ele, a bibliografia sobre esse gênero musical foi expressiva a partir da última década, mas muito ainda tem que ser escrito.
“Imaginei que escrever um livro sobre Jorge fosse fácil, mas descobri que não havia nada sobre ele. Tudo era praticamente só história oral”, revela. Para ele, entre os compositores que também merecem biografias aprofundadas estão Nélson Cavaquinho, Nei Lopes, Elton Medeiros e Nelson Sargento.
Pimentel chama a a atenção para a vida difícil dos grandes sambistas, mesmo os contemporâneos. “Até hoje, não temos uma política de agradecimento por tudo que eles fizeram pela música do Brasil”, critica. E avisa: a moçada que faz bons sambas ainda enfrenta muita dificuldade para se lançar na carreira.
As duas canções fizeram história. Vou festejar nada tem nada a ver com os estádios. “É sobre alguém cansado de sofrer por amor”, esclarece Jorge. A associação com o futebol veio das rodas de samba realizadas na quadra do bloco Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro, depois das peladas disputadas por frequentadores, com um time zoando o outro.
Atualmente, Vou festejar (hit em 1978) é tão sinônimo de futebol que, com a letra modificada, será usada na campanha da CBF para reaproximar o povo da Seleção Brasileira. Por sua vez, Coisinha do pai foi escrita para a primeira filha do compositor, Vânia. Depois, ele fez a música Claridade para Tânia, a outra filha.
LIVRO E DISCO Jorge Aragão é o novo homenageado do projeto Samba Book (Musickeria), cujo box reúne biografia, DVD e CDs e partituras. “O resultado dá impressão de que os 40 anos de atividades valeram a pena. Ganhei meu passaporte”, brinca o compositor e cantor.
Jorge se diz satisfeito por sentir a evidência de que realmente construiu uma obra. “A ficha demora a cair. A gente só descobre ao ouvir tantos intérpretes com novas versões de músicas que compus há tempos”, acrescenta.
O carioca credita o bom resultado da iniciativa na conta de Afonso Carvalho, idealizador e realizador do projeto. “Ele sabia o que tinha na mão, eu não”, justifica. “Só agora, aos 67 anos, percebi que não entrei no mercado por vontade de ser artista, mas pela minha música – e só por ela. Queria ter condições de alimentar minhas filhas, não foi para comprar casa em condomínio”, explica.
Elemento essencial do projeto é a fidelidade à identidade da proposta. “Faço música pela música, sou lento para compor. Melodia tem de fluir e arrepiar. Só depois começo a escrever. Faço tudo muito pensado. Choro com os personagens das minhas canções de tanto que eles vivem na minha cabeça”, revela.
Jorge avisa: faz música para agradar a si mesmo. “Tive sorte de os outros gostarem também e começarem a gravar”, explica. “Não vou dizer que o essencial é só talento, pois há muitos talentosos que não chegam e não talentosos que conseguem”, observa. Os mestres dele são Candeia, Roberto Ribeiro e Monarco, entre outros, devido à “voz autoral”. “Com eles, aprendi o que é a base do samba: a raiz”, resume. Mas confessa: gosta de extrapolar limites. Até porque não veio das rodas de samba, mas de bandas de baile, como guitarrista. “Tudo pode, de samba até as coisas mais estranhas. Sinto-me em casa em qualquer gênero”.
Este é o recado de Jorge Aragão para quem quiser se dedicar à música: “Estude”. Avisa que se sente “o pior exemplo” de conselheiro, pois é autodidata. “Numa certa época, isso funcionava. Hoje, todos têm de ler partitura e fazer direito a harmonia, senão descaracteriza a música”, explica. Para ele, o samba é melhor aprendido “nas rodas e guetos, bunkers de resistência” do que nas escolas de samba.
Jorge comenta que as agremiações carnavalescas se profissionalizaram. “Posicionadas para a samba-enredo, há muito tempo elas não trazem composições marcantes”, critica. “Todos os sambas-enredo que tenho na memória são antigos. Dos novos não consigo guardar nada”.
Jorge Aragão canta, mas diz que esse nunca foi o projeto dele. “Palco é mais para o ator. Sou mais verdadeiro sendo compositor. Não temo o palco, pois não piso nele para fazer show, mas para dividir meu samba com as pessoas”, provoca. “Meu barato é compor, cantar é consequência”.
A afinidade com o batuque traduz uma crença: “É a nossa identidade, apesar de muitos tentarem desmistificar esse aspecto tão bonito da nossa cultura. Música é o combustível do brasileiro”.
SAMBA BOOK JORGE ARAGÃO
- Musickeria
- Box: R$ 299
- DVD: R$ 26,90
- CD livro: R$ 48,90
- CD: R$ 20 (cada)
Do bolero ao rap
O livro sobre Jorge Aragão foi escrito pelo jornalista João Pimentel. Trata-se da soma de biografia e disco, abarcando do álbum de estreia ao último lançamento, perfil do projeto Samba Book.
“Aragão é compositor de identidade autoral nascida no diálogo com a matriz moderna do samba, que é o Cacique de Ramos. Mas a produção dele vai além do samba, pois não se furta de usufruir de outros ritmos e gêneros. Fez boleros, tem forrós ótimos e gravou rap”, conta Pimentel. Outra característica dele é a consideração pelo samba romântico e com letras bonitas, sem ser superficial.
“Jorge Aragão é conhecido como o poeta do samba”, lembra o jornalista. Segundo ele, a bibliografia sobre esse gênero musical foi expressiva a partir da última década, mas muito ainda tem que ser escrito.
“Imaginei que escrever um livro sobre Jorge fosse fácil, mas descobri que não havia nada sobre ele. Tudo era praticamente só história oral”, revela. Para ele, entre os compositores que também merecem biografias aprofundadas estão Nélson Cavaquinho, Nei Lopes, Elton Medeiros e Nelson Sargento.
Pimentel chama a a atenção para a vida difícil dos grandes sambistas, mesmo os contemporâneos. “Até hoje, não temos uma política de agradecimento por tudo que eles fizeram pela música do Brasil”, critica. E avisa: a moçada que faz bons sambas ainda enfrenta muita dificuldade para se lançar na carreira.