A 'geral' vibrou com muitos gols de placa: 'Preta pretinha', 'Mistério do planeta', 'Besta é tu' e 'Acabou chorare', além de antigos clássicos revitalizados por Pepeu Gomes, Moraes Moreira, Baby Consuelo/Do Brasil, Paulinho Boca de Cantor, Dadi e Jorginho Gomes. O poeta e letrista Luiz Galvão, frágil devido ao diabetes, ficou sentado na mesa, escrevendo. Depois, foi ao centro do palco declamar seus versos com aquela verve tão própria da gente de sua terra. Pregou o amor, cercado pelos companheiros.
Ícone da contracultura brasileira, os Novos Baianos se destacaram nos anos 1970, gravaram 'Acabou chorare', um dos discos mais importantes da nossa música, e, em 1990, com o álbum 'Infinito circular', ensaiaram a volta.
Boca de Cantor garante: não se trata de revival saudosista de canções de 40 anos atrás. "A juventude pediu", diz Moraes. Com efeito, a plateia mineira era composta por verdadeira multidão de rapazes e moças nascidos muito depois da separação da trupe. Ali, não tem essa de geração. Fãs de meia-idade, cabeças prateadas, garotos de dreads, pais e filhos se esbaldaram.
"Fora Temer"
Em vários momentos, a plateia gritou 'Fora Temer!'. Num deles, o bordão veio logo depois de 'Isto aqui, o que é?', o samba-exaltação do mineiro Ary Barroso, que fala do Brasil de iaiá 'que não tem medo de fumaça/E não se entrega não'. Aliás, Minas fez bonito na festa dos baianos -- e não foi só na plateia. Em lindos momentos, todo mundo esgoelou na hora de 'Na cadência do samba', do conterrâneo Ataulfo Alves, dos clássicos do ubaense Ary Barroso e de 'Canta Brasil' ('no ar/no mar/na terra'), parceria de Davi Nasser com Alcir Pires Vermelho, filho talentoso de Muriaé. Antes da ovacionada 'Preta pretinha', Moraes anunciou: 'Agora é uma toada mineira'. Aos primeiros acordes, o BH Hall vibrou. Ele contou também sobre um antigo show no Teatro Francisco Nunes, quando parte do palco despencou.
O palco deles continua democrático -- assim como ocorria no antológico Cantinho do Vovô, sítio-comunidade carioca onde os rapazes e Baby dividiam versos, vida, pouca grana e o jeito alegre de afrontar a ditadura militar nos anos de chumbo. Cada um teve seu momento solo e a hora de brilhar em conjunto. A competência da banda -- formada também por Didi Gomes (irmão de Pepeu, assim como Jorginho) e Gil Oliveira (filho de Paulinho Boca de Cantor) -- toureou a acústica deficiente do BH Hall. O guitarrista Pepeu, com seus solos matadores, foi ovacionado várias vezes ; o discreto Dadi, lá no fundo do palco, é um gigante. A menina Baby, aos 64 anos para lá de bem vividos, arrasou (mais uma vez) em 'Brasileirinho'. João Gilberto ganhou homenagem, assim como Caymmi, Assis Valente e tantos outros arquitetos da música brasileira, como diz Marcelo D2.
Paulinho e Moraes mandaram recado pra lá de alto-astral para este país tão combalido pela crise financeira, ética e política. O 'moleque do Brasil' de 'Mistério do planeta' decreta: 'Acabou chorare/ No meio do mundo/Respirei eu fundo/ foi-se tudo para escanteio'. Por quase duas horas, a alegria goleou a crise. E com direito aos craques Reinaldo e Casagrante na arquibancada.
Aliás, 'chorare' nada.
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