A conversa com Abel Silva se inicia com uma pergunta dele sobre como está o clima em Belo Horizonte. É uma questão de saudade, ele conta. Essa era uma pergunta habitual em seus telefonemas para o grande amigo mineiro Fernando Brant, morto em junho de 2015. Filho de um pastor metodista que era frequentemente realocado de cidade pela igreja, Abel já viveu em Belo Horizonte, na Rua Rio Grande do Norte. Mas a paixão definitiva do letrista, de 71 anos, que acaba de lançar o álbum A bel prazer, é o Rio de Janeiro.
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A maioria das músicas foi composta nesse período. A ideia inicial de Abel, junto ao arranjador Fernando Moura, era lançar um trabalho com jovens músicos interpretando grandes sucessos da carreira do letrista. Em seguida, pensaram em regravar “canções discretas”, aquelas de que Abel gosta muito, mas que não estouraram nas rádios.
A escolha por um álbum quase inteiramente de inéditas ocorreu quando eles ouviram o comentário de que ninguém mais valoriza esse tipo de trabalho. “Se ninguém quer saber, nós queremos!”, diz Abel. O time de intérpretes das canções inclui artistas com quem ele já tem longa parceira, como Sueli Costa e Fagner, e outros para quem compôs pela primeira vez, como Tereza Cristina e Pedro Miranda.
Os estilos das músicas têm “perfumes diversos”, segundo ele. Cabem blues e samba de uma faixa a outra. Autor de poemas e até de um romance, Abel afirma que a diferença entre escrever letras de música e poesia é sutil. “Uma é para os ouvidos e outra é para os olhos.”
Para ele, é igualmente prazeroso escrever letras para melodias já prontas e para ser posteriormente musicadas. Em A bel prazer, ele usou um pouco dos dois métodos. Enternecer, interpretada por Leila Pinheiro, por exemplo, foi enviada a Francis Hime, para só então receber melodia. Um piano delicado acompanha os versos: “A solidão que devorava/ agora cessa o seu furor/ É negro o olhar mas ilumina/ o pátio inteiro deste amor”.
AMOR “A canção popular é a canção de amor”, afirma. E é esse o tema que permeia a maioria das 14 músicas do trabalho. Abel diz não ver muita diferença entre escrever sobre o amor na juventude e aos 70 anos: “As paixões são as mesmas, os desejos são os mesmos. Não é só o que o cara sente [que ele escreve]. É o que as pessoas sentem, o que é possível o ser humano sentir”.
Sueli Costa, que no ano que vem completa 40 anos de parceria com o letrista, desde a inaugural Jura secreta, também afirma que as questões do amor não mudam tanto assim com a idade. Aos 73 anos, ela aponta: “A gente entende mais as coisas. Acho que fica melhor”. Em A bel prazer, Sueli interpreta Nuvens e cetim, uma das poucas regravações do álbum. Ela se refere a Abel como um irmão. “Temos a mesma linguagem”, ela afirma.
Da observação dos apaixonados surgem linhas como as de Prazer diferente, na voz de Zélia Duncan: “As dores que a gente sente/ quando amamos alguém/ é um prazer diferente/ sofrer por causa de um bem”. Essa combinação entre amor e dor já aparecia na música que Abel elege como o primeiro “sopro poético” de sua vida, a canção de ninar Se essa rua fosse minha, aquela dos versos “Nessa rua / nessa rua tem um bosque / que se chama / que se chama solidão / dentro dele / dentro dele mora um anjo / que roubou / que roubou meu coração”. O futuro letrista ficou tão impressionado com essa canção que desde menino se acostumou a se comunicar por metáforas, segundo conta.
O sentimento que inicia o álbum com Rio exaltação e o encerra com Vai chegar é a esperança. A bel prazer, na avaliação de seu autor, é um trabalho leve, feito para os brasileiros, que “estão merecendo uma realidade menos confusa, menos triste”. Abel Silva já ouviu de algumas pessoas que a última música poderia ser um hino gospel. Embora prefira não especificar a que se refere a letra, assegura que é algo de bom que “vai chegar / sinto que vai chegar”.
A bel prazer
Gravadora: Biscoito Fino
Preço sugerido: R$ 25