Toots Thielemans deixa seu nome na história do jazz, além de registros e parcerias no Brasil

Gaitista morreu na Bélgica, aos 94 anos, depois de elevar o instrumento a patamar altíssimo dentro do estilo

por Eduardo Tristão Girão 23/08/2016 08:00
EVERT ELZINGA/anp/afp - 3/8/13
Belga tocou com alguns dos maiores nomes do jazz e era apaixonado por música brasileira (foto: EVERT ELZINGA/anp/afp - 3/8/13)
Toots Thielemans tocou praticamente até morrer, ontem, em sua Bruxelas natal, capital da Bélgica. O gaitista mais popular do planeta tinha 94 anos e se aposentou há dois anos. Elevou o instrumento a patamar altíssimo no jazz e colaborou com gama imensa de artistas mundo afora. De Benny Goodman a Jaco Pastorius, passando por Frank Sinatra, Paul Simon, Miles Davis, Bill Evans, Ray Charles, Ella Fitzgerald e Stephane Grappelli. Uma lista enorme e que compreende, inclusive, discos com brasileiros.


Sempre bastam poucos segundos para reconhecer Thielemans numa gravação que começa a tocar sem aviso. Ele tinha a cobiçada “assinatura” ao soprar a gaita, ou seja, conseguiu imprimir sua personalidade ao empunhar o instrumento. Para comprovar, basta ouvir Honeysuckle rose/Aquarela do Brasil, disco que lançou ao lado da cantora Elis Regina, em 1969. Notas doces, que deram “calor” extra a clássicos nacionais como Wave (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) e O barquinho (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli).

Bem mais adiante (e bem mais familiarizado com a música brasileira), em 1992, o belga lançou The Brazil project, álbum que reuniu parte do primeiro time de intérpretes e instrumentistas do país. Passaram pelo estúdio Ivan Lins, Djavan, Oscar Castro-Neves, Dori Caymmi, Ricardo Silveira, João Bosco, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Luiz Bonfá, Edu Lobo e Eliane Elias. No repertório, novas versões de Coração vagabundo, Manhã de carnaval, Casa forte e Começar de novo, entre outras composições.

A admiração por Thielemans foi mantida no Brasil por meio de nomes de peso da nova geração. Um deles, o do gaitista brasiliense Gabriel Grossi, que o homenageou em sua página no Facebook: “Que honra ter conhecido esse ser iluminado 14 anos atrás, quando gravei meu primeiro disco. Desde então, mandei tudo que gravei pra ele. Me dava conselhos, tocava ao telefone e por algumas vezes pude visitá-lo em sua casa. Que honra a minha. Toots mudou a história da harmônica e é um dos maiores músicos que já existiram. Eternamente grato!!!”.

RECONHECIMENTO Thielemans morreu enquanto dormia. Ele ficou hospitalizado um mês antes em razão de uma queda que o deixou com o braço fraturado. Em março de 2014, ao sentir que havia perdido as forças para tocar, cancelou seus shows e encerrou sua carreira – à época, declarou que temia “decepcionar seu público”. O veterano ainda faria sua última aparição em um palco em agosto daquele mesmo ano, num festival de jazz em Antuérpia, na Bélgica.

“Perdemos um grande músico”, escreveu no Twitter o primeiro-ministro belga, Charles Michel, após o anúncio da morte de Thielemans, a quem o rei Alberto II concedeu o título de barão em 2001. Em 2012, e apesar de estar em estado delicado de saúde, Thielemans fez show no Palácio de Belas Artes de Bruxelas para celebrar seus 90 anos, antes de iniciar uma turnê que o levou aos Estados Unidos e ao Japão.

“Levou a gaita ao topo da arte e se converteu em um maestro”, havia declarado na época o instrumentista brasileiro Oscar Castro-Neves, que o acompanhava regularmente. Em 2009, os Estados Unidos lhe concederam o prêmio Jazz Master Award, distinção dada poucas vezes a europeus, e a Academia Charles Cros entregou ao belga em 2012 um prêmio em homenagem à sua carreira.

GUITARRA Thielemans nasceu em um bairro popular de Bruxelas, onde seus pais trabalhavam num café. Também foi guitarrista e se apaixonou pelo jazz na época da Segunda Guerra Mundial, adotando como modelo o célebre guitarrista cigano Django Reinhardt. Aliás, o artista ganhou notoriedade primeiro com o instrumento de corda, que tocava com desenvoltura enquanto assobiava as mesmas notas. Registrou tal aptidão em sua valsa Bluesette, de 1962.

No fim da década de 1940 se instalou nos Estados Unidos, onde acompanhou o saxofonista Charlie Parker. Retornou posteriormente à Europa para uma turnê com o clarinetista Benny Goodman. O gaitista também registrou seu talento em trilhas sonoras dos filmes Perdidos na noite (1969), de John Schlesinger, e Jean de Florette (1986), de Claude Berri. (Com agência France Presse)

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