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Rafael Nassif interpreta obra de John Cage, em que o pianista fica imóvel diante de seu instrumento

"Ela soa diferente cada vez que muda o intérprete", diz o músico, que se apresenta neste domingo, em BH

Walter Sebastião
Rafael Nassif, que hoje vive na Áustria, fará novo concerto em BH no dia 18, na Pampulha, em comemoração ao título dado pela Unesco - Foto: Casa Simão/Divulgação

“Comigo os produtores dos concertos têm que ter um pouco de paciência”, afirma o compositor e pianista Rafael Nassif, de 32 anos, contando que demora a decidir o programa de suas apresentações. A observação tem motivo: “Não toco uma peça só por tocar. Valorizo o diálogo entre as obras. Gosto de ver as relações que as músicas vão criando quando reunidas. É como se estivesse compondo acorde por acorde”, diz, ressaltando que quer oferecer ao público o melhor. Por isso Nassif sempre faz várias versões do programa, toca tudo em casa, para ouvir como uma música vai contaminando a audição da outra, até a decisão final.

A seleção feita por ele para o concerto que oferece hoje, às 19h, na Fundação de Educação Artística (FEA), é ousada. Abre a noite uma peça que talvez seja a mais polêmica da história da música: 4’33”, de John Cage (1912-1992). Composta em1952, consiste em músico, com toda postura de instrumentista de concerto, diante do piano, sem tocar nada, por quatro minutos e 33 segundos.
“Não é provocação”, avisa o músico. “É uma peça que direciona o público e o intérprete à escuta ativa e, por isso, para mim é muito importante. Mesmo sendo só silêncio, ela soa diferente cada vez que muda o intérprete”, conta. E coloca sob o verbo escutar desde o ouvir a si mesmo até a atenção aos ruídos do ambiente durante o tempo da peça.

A apresentação de 4’33” no concerto é, avisa o músico, um prelúdio para mostrar Jogos 2, de György Kurtág, um húngaro de 90 anos, que atualmente escreve sua primeira ópera para o Festival de Salzburg (Áustria). Trata-se, explica Nassif, de 11 peças, a maior parte delas de meio minuto, trabalhando o silêncio e os gestos musicais. “É um compositor que consegue criar um mundo musical muito especial, concentrado, que evoca toda a música do século 20”, avalia, acrescentando que a peça sugere mais uma trama complexa de intertextos do que citações, ainda que essas existam. Mais: na segunda parte do programa, as obras são apresentadas na ordem inversa da apresentação na primeira parte.

Temas abordados minuciosamente, de Erik Satie (1866-1925), é a terceira peça do programa. Foi escolhida por ser um compositor que se vale da fragmentação. A atomização das estruturas sonoras soa fluente diante do trabalho de György Kurtág, na avaliação de Nassif. “É uma música agradável harmonicamente, mas com cortes quase cinematográficos”, afirma. E também o trabalho de um compositor “surpreendentemente pouco tocado”, diz, em referência a Satie, autor independente que troca o mundo burguês, inclusive musical de Paris, que sua família frequentava pelo subúrbio onde vai morar e atuar como pianista em um bar.

A última peça do concerto é de Alban Berg (1885-1935). “Impressiona como uma peça escrita aos 24 anos pode ser tão madura”, diz o intérprete. A composição rompe com a fragmentação sonora em favor de contínuo musical que “cobra fôlego” – do intérprete e do ouvinte.
“É uma peça emocional. Apogeu do declínio da música de concerto e, ao mesmo tempo, muito moderna, intrincada, complexa, romântica”, analisa. O conjunto das obras, explica, é um convite à fruição de composições que, trabalhando com sons e silêncios, chamam à audição ativa. “Uma escuta sem preconceitos é importante em mundo conturbado, de posições polarizadas, sem diálogo e em que se ouve pouco”, argumenta.

Músico procura trazer o passado para o presente

Rafael Nassif tem 32 anos. É de Juiz de Fora. Foi criado em Cataguases. Formou-se em Belo Horizonte e na Alemanha. Vive e trabalha em Granz (Aústria). É compositor, performer/pianista e curador de concertos (foi um dos criadores do programa Eu Gostaria de Ouvir, voltado para a difusão de jovens compositores). Quando adolescente, estudou composição com Almeida Prado e Marlos Nobre, informalmente.
Ganhou prêmios na Alemanha, no Japão e nos Estados Unidos, além do Brasil.

“Como escrever música é uma atividade mental intensa, subir ao palco equilibra o tempo que se passa imaginando como vai soar o que você faz, complementa a atividade de compositor”, diz ele. No próximo dia 18, ele apresenta na igreja São Francisco, na Pampulha, em comemoração ao título de Patrimônio da Humanidade, a peça Em presença, sem expectativas.

Os estudos no exterior, conta, foram importantes. “Intercâmbio é positivo. Mas não acredito em receitas. Cada músico tem de ouvir sua intuição, refletir e ter coragem de seguir o próprio caminho, que pode ser ficar na cidade onde nasceu, emigrar, ir e voltar.” Com relação ao panorama musical austríaco, diz que, hoje, não é um lugar de vida musical tão intensa como na Alemanha. E que, no momento, existe a preocupação de retomar a posição de país que atrai compositores, inclusive com programas de apoio a eles, como o conduzido em Viena pelo espaço alternativo Echo Raum.

Ele cita o foyer do novo teatro de Granz como um lugar onde gostaria de tocar na Áustria. O motivo, além do fato de ser um espaço para música experimental, é a acústica do lugar, diz ele. “Grupos de câmara, no Brasil, sofrem com a questão da acústica dos teatros. Todos são concebidos para música amplificada. Quando se toca piano ou flauta, soa estranho, mas não é culpa do instrumentista.” Elogia o teatro da Fundação de Educação Artística pelos cuidados com a acústica.

O gosto pelo moderno e contemporâneo vem junto com a defesa de audição ampla da música, sem ficar separando antigos e novos. “É tudo música. O que precisamos é de interpretações que tragam os autores do passado para o presente”, acredita. Por que ouvir música contemporânea? “Precisamos desenvolver escuta para o desconhecido. Pode, ocasionalmente, revelar algo de nós que não sabíamos”, responde. E acrescenta, com certa ironia, sobre os compositores atuais: “São pessoas com quem você pode entrar em contato por e-mail, mandando um abraço e dizendo que gostou do que fazem. O que não é possível fazer quando se trata de Mozart”.

RAFAEL NASSIF INTERPRETA JOHN CAGE, GYÖRGY KURTÁG, ERIK SATIE E ALBAN BERG
Hoje, às 19h, na Fundação de Educação Artística, Rua Gonçalves Dias, 320, Funcionários, (31) 3224-1744. Ingressos (vendidos a partir das 18h): R$ 20.
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