Com metade das lojas fechadas, Galeria do Rock de BH caminha para o fim

Point de roqueiros na Praça Sete se transformou em local melancólico, com placas de aluga-se e alguns poucos comerciantes tentando sobreviver

por Pedro Galvão 13/07/2016 08:00
Cristina Horta/EM/D.A Press
Marco Aurélio Fernandes, da Entre Rock, e João Batista da Purple Records são dois dos poucos que ainda resistem no local (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Nos velhos tempos, subir ao terceiro andar do edifício localizado na Rua Rio de Janeiro, 630, na pulsante Praça Sete, era certeza de encontrar um aglomerado de cabeludos e figuras usando roupas pretas, coturnos, camisetas de banda e toda a indumentária vendida ali mesmo, nas várias lojas da chamada Galeria do Rock de BH.

Atualmente, quem resolve dar um passeio por lá em busca de discos, acessórios e peças do vestuário roqueiro encontra um cenário melancólico, com várias portas fechadas. Quase ninguém circula no espaço, que já foi referência cultural para os entusiastas das várias vertentes do rock’n’roll.

Das 13 lojas dedicadas ao gênero na galeria, com comercialização de CDs, discos de vinil, camisetas de banda e pôsteres, apenas sete estão funcionando. No andar, que já foi totalmente dedicado ao mercado musical, funcionam duas óticas, dois estúdios de tatuagem e um restaurante. O salão de beleza já fechou.

O lugar está deixando de ser ponto de encontro dos roqueiros, que se juntavam na porta das lojas para comprar ingressos, buscar informações sobre shows e lançamentos, ou mesmo fazer “esquenta” para a noitada.

Se o setor já lidava com o desafio de se reinventar depois das transformações impostas pela internet ao consumo de música, a crise econômica deu um golpe ainda mais forte nos comerciantes da Galeria do Rock. É o que afirma o mais antigo: “A internet atrapalha, mas nosso público é roqueiro. E roqueiro é fiel, colecionador. Vendemos para a minoria que faz questão de ter o disco. Só que o país tem 11 milhões de desempregados e nesses 11 milhões tem roqueiro também”, lamenta João Batista, proprietário e único funcionário da Purple Records, instalada há 20 anos no local.

Se depender dele, sua vida continuará entre as caixas de vinis. “Sou a resistência. Tenho esperança de que a coisa melhore. Tudo é feito de altos e baixos”, diz, ouvindo Led Zeppelin ‘’no talo’’. Para João, além da crise, falta um pouco de traquejo aos lojistas. “A maneira de o pessoal trabalhar é outro fator que compromete, não dá para o freguês chegar procurando um disco e ouvir que simplesmente não tem. A pessoa não volta. É preciso diversificar, sugerir outra banda.”

RESISTÊNCIA

Quem chegou há menos tempo ao mercado tenta perseverar. Simpático, Marco Aurélio Fernandes convida quem passa na porta da Entre Rock a conferir os discos, perfeitamente organizados nas prateleiras por origem, estilo e ordem alfabética. Entre clássicos e raridades roqueiras, há artistas independentes locais de outros estilos e até vinis de Pixinguinha, Roberto Carlos, Jessé e Elomar, de quem Marco se orgulha de ter um autógrafo, conquistado quando o próprio artista visitou o local.

“A gente precisa diversificar, além de acompanhar o que as novas gerações estão ouvindo. Quero continuar aqui porque amo vender discos, é o que sempre quis fazer na vida”, comenta Fernandes, que está há seis anos sozinho à frente de sua loja especializada em discos, camisas, revistas, zines e quadrinhos.

Marco Aurélio concorda com João Batista sobre a relação enfraquecida com o público daqueles lojistas que não sobreviveram à crise. “Tenho que ganhar na excelência, tratar bem o cliente, oferecer novidades. O disco que vendo tem que ser perfeito, passo meu tempo livre aqui limpando o produto. Nem todos os lojistas fazem isso. Falta um pouco de união aqui, um ajudar ao outro”, argumenta. Para ele, a imagem negativa que a população tem da Praça Sete, por conta de assaltos e casos de violência, também prejudica o fluxo de compradores.

A sensação de insegurança no entorno da galeria incomoda Marcos Taveira, síndico do prédio. “Já tentamos de tudo, mas a Praça Sete é ponto de tráfico de drogas e de armas. Nós aqui do prédio nos reunimos com outros condomínios e comerciantes, mas a inoperância do poder público está cada vez pior”, reclama Taveira, proprietário de duas lojas Powerslave na Galeria do Rock. Ele mantinha três pontos no local desde 2001, mas fechou um este ano e reduziu os funcionários de quatro para dois.

Para Marcos, o momento ruim é consequência de vários fatores. “A primeira questão é o nosso mercado, especificamente. Lojas físicas fecharam em todos os lugares devido à concorrência da internet não apenas para ouvir música, mas até para comprar discos e acessórios. Tem a crise também. Um dado que comprova isso é a inadimplência nos pagamentos em cartão: aqui na loja, a média mensal de cartões que não passavam era nove, hoje são 45”, afirma.

53HC

A queda das vendas impossibilitou a continuidade do trabalho de outros comerciantes. Depois de 18 anos, Bart Ramos resolveu tirar a 53HC da Galeira da Praça Sete. “Por contrato, estamos lá até o dia 18 deste mês, embora não esteja conseguindo abrir a loja. Vamos ficar um tempo apenas on-line, para depois buscar com calma outro ponto físico”, explica. Bart não tem mais funcionários e se dedica à produtora de mesmo nome. Embora lamente o fim das atividades na Praça Sete, entende que se trata de um processo natural depois do impacto da internet.

“É triste fechar. Rola uma nostalgia, mas as próprias pessoas surpresas com o fechamento da loja são as mesmas que pararam de ir lá por uma série de motivos: da dificuldade de acesso, pois não é fácil estacionar carro no Centro, à mudança nas relações mesmo. Hoje, é tudo mais impessoal. A galeria era um centro de troca de informações, mas hoje as pessoas fazem isso na internet, o que se repete com a venda de discos”, conclui Bart.

A tradicional Patti Songs, que funcionava há 14 anos na galeria, também fechou as portas este ano. Apesar de continuar na ativa com a Powerslave, Marcos Taveira tem poucas esperanças de mudança do cenário, embora planeje diversificar as atividades. “A tendência é piorar e fechar mais lojas. Estamos tentando conseguir um alvará para promover shows aqui e atrair gente por outros motivos, pois é quase impossível o público voltar a ser atraído para comprar rock.”

Enquanto isso, as lojas remanescentes seguem funcionando na Galeria do Rock, de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, e aos sábados, das 9h às 14h.

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