A dama insiste em cantar até o fim e o faz com rara maestria. Elza nem precisava fazer um disco assim, só com inéditas, pois sua voz já alcançou a consagração.
Mas foi em frente como mulher que nunca soube diferente e gravou, no ano passado, um dos álbuns mais impressionantes de música brasileira dos últimos anos: A mulher do fim do mundo.
Domingo, às 19h, encerrando a intensa programação da Virada Cultural 2016 em Belo Horizonte, Elza Soares vai subir ao palco na Praça da Estação. Trata-se de uma oportunidade única de assistir à grandeza da cantora diante da presença da mulher gigante que ela é. Elza veio do planeta fome e venceu. Nesse caminho, levou muitas rasteiras e golpes que deixaram cicatrizes.
Confira aqui a programação completa da Virada Cultural
A coragem, a ousadia e a vitalidade de Elza Soares têm encantado verdadeira multidão de jovens Brasil afora. Não é para menos. Do alto de seus 78 anos muitissimamente bem vividos, ela topa gravar com a fina flor da música produzida no Brasil.
E abraçou uma geração de compositores e músicos paulistas completamente distinta da sua. O encontro foi feliz: os compositores que a acompanham no álbum e no palco criaram canções extremamente potentes e emblemáticas sobre o Brasil atual.
Se o disco já encanta e desconcerta por exibir, de maneira madura, a contemporaneidade de certa produção musical brasileira dos últimos anos, o impacto é ainda maior com a pertinência das letras que, na voz de Elza, ganham dimensão de verdade jogada na cara.
Guilherme Kastrup, que concebeu o projeto, foi feliz em se cercar de talentos do nível de Celso Sim, Rômulo Fróes, Rodrigo Campos, Kiko Dinucci, Clima e outros.
Apresentado em BH, no Sesc Palladium, em abril, o show foi histórico – cabe o termo enfático. De peruca roxa e sentada em merecido trono, Elza começou a lançar as pérolas – ou pancadas.
Ela evoca a brasilidade antropófaga de Oswald de Andrade ao dizer que, aqui, “é terra que ninguém conhece”, mas “é o navio humano, quente, negreiro do mangue”. E o bandido de Rogério Sganzerla em Luz vermelha: “Quem tem cadarço não sobra”.
Em momento marcante, que mereceu bis, ela dita: “Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim” na letra sintomática de Maria da Vila Matilde. Um golpe na cultura da violência contra a mulher.
Com Benedita denuncia a praga do crack, muleta para lidar com a hostilidade: “A poliça, a miliça e o choque. Na surdina preparam o ataque”. Mas nota a solidariedade entre os oprimidos em Firmeza?!:
“Muito feliz com teu sucesso. E manda beijo pra menina”.
Elza canta também algumas pérolas de outras épocas que dialogam e engrandecem o show.
Levanta a plateia ao soltar a voz em A carne, composição de Seu Jorge que ela gravou no álbum Do cóccix até o pescoço: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”.
Com arranjos ousados que fazem repensar a música brasileira e sua tradição, a banda transita pelo rock, samba, rap e outras referências para criar música brasileira contemporânea, de hoje. E Elza não deixa por menos. Como o título de uma das músicas diz: Pra fuder.
A MULHER DO FIM DO MUNDO
Show com Elza Soares e banda. Domingo, às 19h, na Praça da Estação. Entrada franca..