Julgamento de Led Zeppelin por plágio traz à tona a grande controvérsia sobre a criação

Na quinta passada, um júri na Califórnia definiu que o Led não plagiou um riff de guitarra na introdução de Stairway to heaven, seu maior hino

por Agência Globo 26/06/2016 09:00
BRENDAN SMIALOWSKI/ AFP
Os músicos Robert Plant (E) e Jimmy Page durante evento na Casa Branca, em 2012, em que foram homenageados (foto: BRENDAN SMIALOWSKI/ AFP)

É curta a escadaria que separa o paraíso da criação do inferno da farsa. Nas últimas semanas, por seus degraus transitou uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, a britânica Led Zeppelin. Na quinta passada, um júri na Califórnia definiu que o Led não plagiou um riff de guitarra na introdução de Stairway to heaven, seu maior hino, que arranca lágrimas até do fã mais metaleiro. A dúvida em si já põe em xeque a originalidade do grupo, um problema que já atingiu nomes tão variados da música quanto Bob Dylan, Pharrell Williams, Coldplay, George Harrison, Rod Stewart, Roberto Carlos e Anitta.

A maior dificuldade está em definir se houve mesmo a cópia. Advogados e artistas reconhecem a subjetividade do tema. No caso do Led Zeppelin, por exemplo, a acusação foi feita por administradores do espólio de Randy California, guitarrista já falecido da antiga banda de rock progressivo americana Spirit. Quem foram os Spirit? Ninguém lembrava até agora, assim como praticamente ninguém havia escutado sua música instrumental Taurus, lançada em 1967, de onde teria sido tirado o riff para Stairway to heaven, de 1971. Quer dizer: praticamente ninguém, exceto, para a acusação, o guitarrista Jimmy Page, do Led. A música, segundo estimativas apresentadas no julgamento, já teria gerado mais de US$ 562 milhões em direitos autorais.

“O que há em comum entre elas é uma progressão harmônica absolutamente padrão, para lá de manjada. Não é plágio, nem aqui nem na China”, afirma o roqueiro Leo Jaime. “Dá para a gente dizer que é a mesma progressão de Para dizer adeus (música de Edu Lobo e Torquato Neto)”.

No tribunal da Califórnia, um perito musical convocado pelos advogados de Jimmy Page e do vocalista Robert Plant, os dois compositores de Stairway to heaven, argumentou que a tal progressão harmônica é tão comum que estaria até em Insensatez, de Tom Jobim.

“Você ouve milhões de coisas e pode acabar usando aquilo inconscientemente. Uma vez passei horas compondo uma música. No dia seguinte, mostrei para um amigo, que me abriu os olhos: ‘Mas isso é do James Taylor’”, conta Leo Jaime. “Os sons já foram todos feitos, o que a gente faz é cantar do nosso jeito. Ninguém mais inventa a roda. O que não pode é roubar uma melodia e um tipo de arranjo.”

ACUSAÇÕES
Como há incertezas, há centenas de acusações, de gente com razão e de outros que tentam a sorte para ver no que dá. Mas poucas dessas histórias vêm a público, para evitar arranhar as imagens de acusador e acusado. Roberto Carlos já foi alvo de diversas alegações e, ao menos uma vez, foi condenado: por ter usado Loucuras de amor (1983), de Sebastião Braga, para fazer sua O careta (1987). Viva la vida, hit eufórico do Coldplay, de 2008, foi reivindicado em entrevistas ou no tribunal três vezes: pelo grupo independente Creaky Boards, pelo guitarrista Joe Satriani e por Yusuf Islam (i.e. Cat Stevens). Na disputa com Satriani, o processo foi abandonado, porque as partes chegaram a um acordo. Já com os Creaky Boards e Islam, os casos não seguiram adiante.

“O acordo em geral se faz em torno de uma quantia em dinheiro e um ajuste da situação. Às vezes também se admite uma parceria na assinatura da composição”, afirma a advogada Vanisa Santiago, especialista em direito autoral. O caminho do arranjo extrajudicial é bastante comum, o que gera uma barreira para se estudar o plágio no meio jurídico: como os acordos têm cláusulas de confidencialidade, ninguém fora os envolvidos sabe bem seus desfechos.

Composta pelos funkeiros MC Junior e MC Leonardo, Rap das armas ficou famosa na trilha de Tropa de elite (2007, em gravação de Cidinho e Doca), mas seu refrão foi tirado de Your love (1985), da banda inglesa The Outfield. Advogados foram escalados e peritos foram contratados para analisar a música, mas o caso teria terminado em acordo com os funkeiros. Anos antes, o inglês Rod Stewart foi acusado e admitiu ter plagiado Taj Mahal (1972), de Jorge Ben Jor, para compor Da Ya think I’m sexy (1978). Para se livrar da ação, Stewart teria doado todo seu lucro com a música para o Unicef.

“É preciso analisar quatro fatores: a prova de que o acusado teve acesso à obra anteriormente, o fato de a obra ter sido composta antes, a similaridade entre elas e o dolo ou a vantagem”, afirma o advogado Daniel Campello Queiroz. Queiroz defende a cantora Anitta numa acusação feita por MC Bruninha, pela música Show das poderosas (2013). Anitta venceu em primeira instância, e agora espera decisão da apelação. A análise técnica foi feita da mesma maneira como ocorre com Stairway to heaven e outras canções: especialistas são convocados para emitir laudos que atestem semelhanças e diferenças.

PALPITE “Para você dar qualquer palpite, não basta ouvir os dois áudios. É preciso se debruçar sobre aspectos rítmico, melódico e harmônico. Depois, avaliar o histórico das criações”, explica Alexandre Negreiros, musicólogo frequentemente contratado para laudos.

Para o Led Zeppelin, as acusações de plágio não são novidade, mas ele nem de longe é um vilão solitário. Bob Dylan, o grande poeta da música americana, já foi inúmeras vezes acusado de utilizar letras de outros artistas como fonte de “inspiração”; sem dar crédito, claro. George Harrison, o Beatle que curtia um misticismo, compôs My sweet lord em 1970 em homenagem ao deus hindu Krishna, mas foi condenado por um juiz mortal por copiar a canção He’s so fine (1962), de Ronnie Mack.

Mais recentemente, os rappers Pharrell Williams e Robin Thicke foram condenados a pagar US$ 7,4 milhões à família de Marvin Gaye, por terem se apropriado de Got to give it up (1977) na composição do hipersucesso Blurred lines (2013).

“O plágio é um dos temas mais polêmicos e menos estudados, porque é pouco objetivo. É cercado de lendas urbanas. Tem quem diga que o uso de até sete compassos de uma música é permitido. Mas isso nunca existiu”, afirma Cláudio Lins de Vasconcelos, presidente da Comissão de Direitos Autorais da OAB-RJ. “Não podemos confundir inspiração com plágio. O que caracteriza o plágio é a intenção. O plagiador é um impostor.” (André Miranda, Agência Globo)

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