É curta a escadaria que separa o paraíso da criação do inferno da farsa. Nas últimas semanas, por seus degraus transitou uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, a britânica Led Zeppelin. Na quinta passada, um júri na Califórnia definiu que o Led não plagiou um riff de guitarra na introdução de Stairway to heaven, seu maior hino, que arranca lágrimas até do fã mais metaleiro. A dúvida em si já põe em xeque a originalidade do grupo, um problema que já atingiu nomes tão variados da música quanto Bob Dylan, Pharrell Williams, Coldplay, George Harrison, Rod Stewart, Roberto Carlos e Anitta.
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“O que há em comum entre elas é uma progressão harmônica absolutamente padrão, para lá de manjada. Não é plágio, nem aqui nem na China”, afirma o roqueiro Leo Jaime. “Dá para a gente dizer que é a mesma progressão de Para dizer adeus (música de Edu Lobo e Torquato Neto)”.
No tribunal da Califórnia, um perito musical convocado pelos advogados de Jimmy Page e do vocalista Robert Plant, os dois compositores de Stairway to heaven, argumentou que a tal progressão harmônica é tão comum que estaria até em Insensatez, de Tom Jobim.
“Você ouve milhões de coisas e pode acabar usando aquilo inconscientemente. Uma vez passei horas compondo uma música. No dia seguinte, mostrei para um amigo, que me abriu os olhos: ‘Mas isso é do James Taylor’”, conta Leo Jaime. “Os sons já foram todos feitos, o que a gente faz é cantar do nosso jeito. Ninguém mais inventa a roda. O que não pode é roubar uma melodia e um tipo de arranjo.”
ACUSAÇÕES Como há incertezas, há centenas de acusações, de gente com razão e de outros que tentam a sorte para ver no que dá. Mas poucas dessas histórias vêm a público, para evitar arranhar as imagens de acusador e acusado. Roberto Carlos já foi alvo de diversas alegações e, ao menos uma vez, foi condenado: por ter usado Loucuras de amor (1983), de Sebastião Braga, para fazer sua O careta (1987). Viva la vida, hit eufórico do Coldplay, de 2008, foi reivindicado em entrevistas ou no tribunal três vezes: pelo grupo independente Creaky Boards, pelo guitarrista Joe Satriani e por Yusuf Islam (i.e. Cat Stevens). Na disputa com Satriani, o processo foi abandonado, porque as partes chegaram a um acordo. Já com os Creaky Boards e Islam, os casos não seguiram adiante.
“O acordo em geral se faz em torno de uma quantia em dinheiro e um ajuste da situação. Às vezes também se admite uma parceria na assinatura da composição”, afirma a advogada Vanisa Santiago, especialista em direito autoral. O caminho do arranjo extrajudicial é bastante comum, o que gera uma barreira para se estudar o plágio no meio jurídico: como os acordos têm cláusulas de confidencialidade, ninguém fora os envolvidos sabe bem seus desfechos.
Composta pelos funkeiros MC Junior e MC Leonardo, Rap das armas ficou famosa na trilha de Tropa de elite (2007, em gravação de Cidinho e Doca), mas seu refrão foi tirado de Your love (1985), da banda inglesa The Outfield. Advogados foram escalados e peritos foram contratados para analisar a música, mas o caso teria terminado em acordo com os funkeiros. Anos antes, o inglês Rod Stewart foi acusado e admitiu ter plagiado Taj Mahal (1972), de Jorge Ben Jor, para compor Da Ya think I’m sexy (1978). Para se livrar da ação, Stewart teria doado todo seu lucro com a música para o Unicef.
“É preciso analisar quatro fatores: a prova de que o acusado teve acesso à obra anteriormente, o fato de a obra ter sido composta antes, a similaridade entre elas e o dolo ou a vantagem”, afirma o advogado Daniel Campello Queiroz. Queiroz defende a cantora Anitta numa acusação feita por MC Bruninha, pela música Show das poderosas (2013). Anitta venceu em primeira instância, e agora espera decisão da apelação. A análise técnica foi feita da mesma maneira como ocorre com Stairway to heaven e outras canções: especialistas são convocados para emitir laudos que atestem semelhanças e diferenças.
PALPITE “Para você dar qualquer palpite, não basta ouvir os dois áudios. É preciso se debruçar sobre aspectos rítmico, melódico e harmônico. Depois, avaliar o histórico das criações”, explica Alexandre Negreiros, musicólogo frequentemente contratado para laudos.
Para o Led Zeppelin, as acusações de plágio não são novidade, mas ele nem de longe é um vilão solitário. Bob Dylan, o grande poeta da música americana, já foi inúmeras vezes acusado de utilizar letras de outros artistas como fonte de “inspiração”; sem dar crédito, claro. George Harrison, o Beatle que curtia um misticismo, compôs My sweet lord em 1970 em homenagem ao deus hindu Krishna, mas foi condenado por um juiz mortal por copiar a canção He’s so fine (1962), de Ronnie Mack.
Mais recentemente, os rappers Pharrell Williams e Robin Thicke foram condenados a pagar US$ 7,4 milhões à família de Marvin Gaye, por terem se apropriado de Got to give it up (1977) na composição do hipersucesso Blurred lines (2013).
“O plágio é um dos temas mais polêmicos e menos estudados, porque é pouco objetivo. É cercado de lendas urbanas. Tem quem diga que o uso de até sete compassos de uma música é permitido. Mas isso nunca existiu”, afirma Cláudio Lins de Vasconcelos, presidente da Comissão de Direitos Autorais da OAB-RJ. “Não podemos confundir inspiração com plágio. O que caracteriza o plágio é a intenção. O plagiador é um impostor.” (André Miranda, Agência Globo)