Nas últimas semanas, o cantor sertanejo Paulinho Reis tem colhido café em seu sítio, na zona rural de Conceição do Rio Verde, no Sul de Minas. “É engraçado olhar para a plantação. Por um segundo, passa um filme na cabeça da gente. Por isso, digo que as coisas precisam acontecer devagar na vida da gente. Aí a gente valoriza”, diz. Ele teve infância sofrida: aos 9 anos, cantava no meio do cafezal de uma fazenda perto dali, em troca de pouco dinheiro. Pois a vida deu voltas, o menino se tornou artista e lançou recentemente seu quinto disco, Ao vivo, o primeiro por uma gravadora – a Universal.
“Canto desde os 5 anos. Quando morava na roça, ouvia radinho de pilha, Milionário & José Rico, essas coisas. Minha mãe morreu quando eu tinha 9 anos. Meu pai arrumou outra mulher, mas não quis ir embora com ele e meus 10 irmãos foram cada um para um lado. Fiquei sozinho e o negócio complicou, pois as contas chegavam e eu era criança. Cortaram água e luz, fiquei dois anos assim lá em casa. Precisava de alguém para me ajudar, mas não queria procurar meus irmãos, que também eram pobres”, lembra o cantor, de 39 anos.
A sorte ainda demoraria a mudar, mas nada teria ocorrido se não tivesse cruzado seu caminho um homem chamado Joaquim Magal. Foi quem lhe ensinou a tocar violão e passou a levá-lo para cantar em dupla pelos bares da cidade. “Ele bebia muito e eu o trazia carregado na volta. Para mim, estava bom, pois almoçava e jantava na casa dele”, revela. Um dia, Magal, que também colhia café, chamou o menino para acompanhá-lo na lavoura.
Reis era pequeno demais para conseguir apanhar os grãos, mas ficava por perto como ajudante. Habituou-se a cantar no meio do cafezal, enquanto os adultos trabalhavam. “Várias vezes as pessoas comentavam sobre uma voz bonita, que parecia de passarinho, mas era de criança”, lembra. Os companheiros da lida lhe pediam músicas e ele pedia algo em troca, um pouco de café. Ao final de cada semana, trocava por dinheiro, com o dono da fazenda, os grãos que havia juntado.
Era assim que o cantor conseguia comprar alguma comida para ter em casa. “Fazia uns bolinhos, sem ovo mesmo, porque não tinha, só molhando a farinha de trigo na água. Ruim pra caramba, mas, pra mim, era maravilhoso, a merendinha que eu tinha para levar para o mato. De manhã, ajuntava arroz, feijão e angu frio na marmita e ia embora trabalhar de novo. Assim foi minha infância, muito sofrida, mas compensadora, pois fez de mim o homem que sou hoje”, conta.
VIRADA
Por dois anos, ele cantou de segunda a sexta-feira no cafezal e, aos sábados e domingos, nos bares de Conceição do Rio Verde. Shows em cidades vizinhas começaram a aparecer, mas eram raros. Mudar de empresário parecia não adiantar. O panorama só melhorou há cerca de cinco anos, quando Gustavo Fernandes, filho do dono da fazenda onde Reis cantava (e hoje sócio da Ipanema Coffees, gigante do café no Brasil), passou a gerenciar sua carreira.
Numa daquelas voltas que a vida dá, os dois se reencontraram no dia em que Fernandes recebeu o título de cidadão honorário de Conceição do Rio Verde. O cantor estava com um disco na mão (com músicas próprias e feito de maneira independente) e o entregou a seu futuro empresário. “Três dias depois, ele me ligou para falar que tinha gostado e queria me mostrar uma canção dele. Pensei que seria terrível, pois é roqueiro. Quando ouvi, era sertanejo e percebi que era linda. Ao colocar minha voz, ela tomou outro corpo e assim iniciamos a nossa parceria”, conta.
Paralelamente, Paulinho pediu para que seu empresário anterior, Pérsio Batista, fosse contratado como assessor, de maneira a reconhecer o trabalho feito até aquele momento. “Ele foi o único empresário em quem vi verdade antes do Gustavo. Confiou em mim e me levou para gravar com o maestro Pinocchio. Fiz a minha parte como ser humano, chamei ele de volta. E aceitou, rindo”. Foi quando a gravadora Universal apareceu no caminho do artista.
AGUDO
O disco Ao vivo, lançado como CD e DVD, registra a apresentação de Paulinho em Conceição do Rio Verde. A escolha do local, claro, foi exigência dele: “Precisava ter esse termômetro, pois, se dentro de casa eu estiver bem, o Brasil vai me abraçar. Falaram que não daria público, pois a cidade é muito pequena. São 13 mil habitantes. Assumi o risco, disseram que era preciso termos pelo menos 3 mil pessoas para a gravação”. Cerca de 20 mil compareceram ao Centro de Eventos em 18 de abril do ano passado.
O maior show realizado na cidade até então, garante Reis, era o do cantor Eduardo Costa e teria atraído público pouco menor do que o seu. “Deu fila de quase um quilômetro de gente para entrar. Nunca Conceição viu uma coisa daquela, seja em matéria de estrutura ou de público. Marcou o Sul de Minas”, orgulha-se. Em 30 de agosto, ele fará show durante a festa de aniversário da sua cidade – na véspera (e no mesmo palco), está marcado show de Eduardo Costa em dupla com Leonardo.
No início da carreira, músicas próprias eram maioria e a inversão dessa proporção é, na opinião dele, indicativo de reconhecimento de seu talento. “Não tinha nome, não tinha respeito. Fui mostrando coisas minhas com qualidade e conseguindo autorizações para regravar. Um grande compositor não dá música para qualquer um cantar. Agora, por exemplo, gravei uma do Bruno Caliman, Te dou até amanhã, que é o maior compositor sertanejo hoje. Vai estar no próximo disco”, adianta.
O artista, que nunca fez aula de música, gosta de contar que produtores experientes como Pinocchio e Reinaldo Barriga elogiam o seu timbre vocal. Em se tratando de comparação, ele encaixa sua voz entre a Zezé di Camargo e a de Eduardo Costa. Crê que seu diferencial está na habilidade para cantar notas agudas. “O amor e o poder, por exemplo, a Rosana cantava e foi o maior sucesso, mas não me lembro de outro homem tê-la regravado, como fiz nesse último disco, justamente por ser mais adequada à voz feminina.”
EMBARQUE
Reis calcula já ter tocado em cerca de metade dos estados brasileiros. Tem feito, em média, nove shows por mês e não pretende aumentar a quantidade de compromissos. “Artista tem família, tem vida, quer rezar, ir a uma festa. Quem faz 25, 30 shows por mês não faz bem feito. Tem de levar qualidade para o público. Tudo na vida deve ter limite”, afirma. Ele continua morando em Conceição do Rio Verde. Quando o ônibus escolar passa por ele, gosta de ouvir os passageiros gritando para saudá-lo.
Paulinho está casado há 10 anos com Ellen, com quem tem o filho Leandro, de 8, batizado em homenagem ao cantor da famosa dupla com Leonardo. “Achava ele sério, sensato, cabeça no lugar. Era a cabeça da dupla”, justifica. Ele conheceu a mulher quando trabalhou no almoxarifado da prefeitura, época em que o pai dela era vereador. O sogro não fazia muito gosto do namoro, mas em outra daquelas voltas da vida, perdeu a eleição seguinte, ficou viúvo e aceitou convite do cantor para trabalhar em seu escritório cuidando dos contratos.
Sem falar uma palavra de inglês, Reis embarcará para Miami, nos Estados Unidos, ems outubro. Cantará na Brazilian Fest ao lado de atrações como Cidade Negra. Ensaiará por uma semana com banda só de norte-americanos. “Essa é mais uma vitória que Deus está mandando para mim, e é bom que seja aos poucos. Se viesse tudo de uma vez, poderia não enxergar as pessoas todas que estão por trás dessas coisas”, diz.
Paulinho Reis sabe que, neste momento, sua história virou referência para muitos outros sonhadores.