“Somos descendentes e antecedentes, herança e promessa. Estamos construindo agora o que as novas gerações vão receber”, afirma a cantora e compositora Ellen Oléria, de 33 anos. Esse olhar inspirou Afrofuturista (Carne Dura), o terceiro disco solo dela. “Coloquei em diálogo ancestralidade rítmica, as raízes afro e a rede de tecnologias”, conta, explicando que a proposta não se refere apenas ao som, mas a um modo de produzir, fazer poesia e criar climas. Maxixe, moda de viola, pagode, rap e jazz se integram a outras sonoridades do pop urbano. “É disco complexo, não é uma coisa só”, argumenta Ellen.
O desejo é promover o encontro da organicidade (instrumentos e motivos ligados a raízes culturais) com a plasticidade (possibilidade de criar climas e timbres, expandir gêneros musicais). A proposta está intimamente ligada à diáspora, que resultou em presença forte da cultura africana na música ocidental contemporânea.
“Afrofuturista é cultura de terreiro, vale-se da relação com o instrumental brasileiro e do jazz. Traz a influência da escrita do hip-hop e da música dos sertões”, diz Ellen, convicta de que o cruzamento de rotas e identidades culturais, existenciais e estéticas multiplica possibilidades.
A faixa-título expressa essa proposta, sinalizando a vontade de Ellen de promover o trânsito entre elementos distintos, mas sem a obrigação de se deter em um deles. Nave é outra canção que evidencia esse aspecto. Inspira-se na poética de cantor e compositor paraense Ary Lobo (1930-1980), “que teve a inteligência de cantar sua região e cultura”, elogia Ellen. “Gosto da delicadeza de Afoxé do mangue, da mensagem dessa canção que fala da força da vida pulsando e conectando a solidariedade em momento de muita violência gratuita. O mundo é seu, meu, nosso, mas podemos compartilhá-lo”, observa.
Brasiliense, Ellen Oléria se mudou há um ano para São Paulo. Formada em artes cênicas, criou bandas na universidade e participou de festivais. O novo CD chega depois dos discos Peça (2009) e Ellen Oléria (2013), além de parcerias com as bandas Soatá e Pret.utu. Em 2012, ela venceu o programa The voice Brasil, da Rede Globo.
RESISTÊNCIA
A negritude afrofuturista também está presente nos clipes das canções Corpura e Adinkras, recém-lançados pela banda paulista Aláfia – palavra que significa caminhos abertos. Desde 2011, o grupo paulista trabalha o encontro de rap, música de terreiro, MPB e funk.
Os orixás são referência para todas as faixas do disco Corpura (2013), o segundo do grupo. “Dentro da música africana cabe o mundo”, afirma Jairo Pereira, de 39, vocalista da Aláfia. “É terra abençoada, berço da civilização, força não só artística, mas da ciência, da tecnologia e da filosofia. Então, é natural que a presença dela se afirme”, acredita.
O balanço entre lamento e alegria, presente tanto no samba quanto no blues, remete à diáspora dos povos negros, observa Pereira. De um lado está o drama e a violência do exílio, de outro o hábito das culturas tradicionais de cultivar a gratidão ao cosmos, “vínculo muito bonito com a natureza, a mata e as águas”, explica. Esses aspectos se sobressaem na arte que trabalha com matrizes africanas. “Nossa música é caminho de resistência cultural, mas em nosso tempo e mais universalizada. Infelizmente, as reivindicações das populações negras continuam as mesmas de décadas atrás, pois as opressões persistem, embora o contexto seja outro, devido às novas tecnologias e às redes sociais. Há uma visão de mundo mais ampla, diálogo entre diversos grupos. E a arte acompanha esta perspectiva”, diz o vocalista da Aláfia.
Comungam com o afrofuturismo destaques da cena musical paulistana como Tássia Reis, Anelis Assumpção (filha de Itamar Assumpção), Emicida e Rodrigo Campos.
Os novos clipes da Aláfia, com argumento do vocalista Eduardo Brechó, foram produzidos e dirigidos por Aimê Uehara e Joana Scarpelini (Serafinas Filmes). Além de Brechó e Pereira, a banda reúne Xênia França (vocal), Alysson Bruno e Victor Eduardo (percussão), Lucas Cirillo (gaita), Pipo Pegoraro (guitarra), Gabriel Catanzaro (baixo), Gil Duarte (trombone e flauta), Filipe Vedolin (bateria) e Fabio Leandro (teclado).
Ecletismo
Surgido na década de 1960, nos Estados Unidos, o afrofuturismo está presente na música, moda e artes visuais. Ele engloba criações nascidas da soma de elementos high-tech, toques de ancestralidade e cosmologias africanas, história e ficção científica.“É o futuro projetado a partir da pessoa negra, que contribui para apresentar outro ponto de vista”, observa Fabio Kabral, de 35 anos, autor do romance Ritos de passagem. “O que vemos na TV e no cinema é o eurofuturismo apresentado como universal. Não é. Não existe o universal, mas vários universos que coexistem ou não. Não basta fazer um filme como Guerra nas estrelas só com um cara preto e pronto”, observa. O escritor desconfia da transformação desse olhar em bandeira ou movimento. “Tenho sido associado ao afrofuturismo, mas o que faço é natural para mim como homem negro”, explica.
O desejo é promover o encontro da organicidade (instrumentos e motivos ligados a raízes culturais) com a plasticidade (possibilidade de criar climas e timbres, expandir gêneros musicais). A proposta está intimamente ligada à diáspora, que resultou em presença forte da cultura africana na música ocidental contemporânea.
“Afrofuturista é cultura de terreiro, vale-se da relação com o instrumental brasileiro e do jazz. Traz a influência da escrita do hip-hop e da música dos sertões”, diz Ellen, convicta de que o cruzamento de rotas e identidades culturais, existenciais e estéticas multiplica possibilidades.
A faixa-título expressa essa proposta, sinalizando a vontade de Ellen de promover o trânsito entre elementos distintos, mas sem a obrigação de se deter em um deles. Nave é outra canção que evidencia esse aspecto. Inspira-se na poética de cantor e compositor paraense Ary Lobo (1930-1980), “que teve a inteligência de cantar sua região e cultura”, elogia Ellen. “Gosto da delicadeza de Afoxé do mangue, da mensagem dessa canção que fala da força da vida pulsando e conectando a solidariedade em momento de muita violência gratuita. O mundo é seu, meu, nosso, mas podemos compartilhá-lo”, observa.
Brasiliense, Ellen Oléria se mudou há um ano para São Paulo. Formada em artes cênicas, criou bandas na universidade e participou de festivais. O novo CD chega depois dos discos Peça (2009) e Ellen Oléria (2013), além de parcerias com as bandas Soatá e Pret.utu. Em 2012, ela venceu o programa The voice Brasil, da Rede Globo.
RESISTÊNCIA
A negritude afrofuturista também está presente nos clipes das canções Corpura e Adinkras, recém-lançados pela banda paulista Aláfia – palavra que significa caminhos abertos. Desde 2011, o grupo paulista trabalha o encontro de rap, música de terreiro, MPB e funk.
Os orixás são referência para todas as faixas do disco Corpura (2013), o segundo do grupo. “Dentro da música africana cabe o mundo”, afirma Jairo Pereira, de 39, vocalista da Aláfia. “É terra abençoada, berço da civilização, força não só artística, mas da ciência, da tecnologia e da filosofia. Então, é natural que a presença dela se afirme”, acredita.
O balanço entre lamento e alegria, presente tanto no samba quanto no blues, remete à diáspora dos povos negros, observa Pereira. De um lado está o drama e a violência do exílio, de outro o hábito das culturas tradicionais de cultivar a gratidão ao cosmos, “vínculo muito bonito com a natureza, a mata e as águas”, explica. Esses aspectos se sobressaem na arte que trabalha com matrizes africanas. “Nossa música é caminho de resistência cultural, mas em nosso tempo e mais universalizada. Infelizmente, as reivindicações das populações negras continuam as mesmas de décadas atrás, pois as opressões persistem, embora o contexto seja outro, devido às novas tecnologias e às redes sociais. Há uma visão de mundo mais ampla, diálogo entre diversos grupos. E a arte acompanha esta perspectiva”, diz o vocalista da Aláfia.
Comungam com o afrofuturismo destaques da cena musical paulistana como Tássia Reis, Anelis Assumpção (filha de Itamar Assumpção), Emicida e Rodrigo Campos.
Os novos clipes da Aláfia, com argumento do vocalista Eduardo Brechó, foram produzidos e dirigidos por Aimê Uehara e Joana Scarpelini (Serafinas Filmes). Além de Brechó e Pereira, a banda reúne Xênia França (vocal), Alysson Bruno e Victor Eduardo (percussão), Lucas Cirillo (gaita), Pipo Pegoraro (guitarra), Gabriel Catanzaro (baixo), Gil Duarte (trombone e flauta), Filipe Vedolin (bateria) e Fabio Leandro (teclado).
Ecletismo
Surgido na década de 1960, nos Estados Unidos, o afrofuturismo está presente na música, moda e artes visuais. Ele engloba criações nascidas da soma de elementos high-tech, toques de ancestralidade e cosmologias africanas, história e ficção científica.“É o futuro projetado a partir da pessoa negra, que contribui para apresentar outro ponto de vista”, observa Fabio Kabral, de 35 anos, autor do romance Ritos de passagem. “O que vemos na TV e no cinema é o eurofuturismo apresentado como universal. Não é. Não existe o universal, mas vários universos que coexistem ou não. Não basta fazer um filme como Guerra nas estrelas só com um cara preto e pronto”, observa. O escritor desconfia da transformação desse olhar em bandeira ou movimento. “Tenho sido associado ao afrofuturismo, mas o que faço é natural para mim como homem negro”, explica.