O desejo é promover o encontro da organicidade (instrumentos e motivos ligados a raízes culturais) com a plasticidade (possibilidade de criar climas e timbres, expandir gêneros musicais). A proposta está intimamente ligada à diáspora, que resultou em presença forte da cultura africana na música ocidental contemporânea.
“Afrofuturista é cultura de terreiro, vale-se da relação com o instrumental brasileiro e do jazz. Traz a influência da escrita do hip-hop e da música dos sertões”, diz Ellen, convicta de que o cruzamento de rotas e identidades culturais, existenciais e estéticas multiplica possibilidades.
A faixa-título expressa essa proposta, sinalizando a vontade de Ellen de promover o trânsito entre elementos distintos, mas sem a obrigação de se deter em um deles.
Brasiliense, Ellen Oléria se mudou há um ano para São Paulo. Formada em artes cênicas, criou bandas na universidade e participou de festivais. O novo CD chega depois dos discos Peça (2009) e Ellen Oléria (2013), além de parcerias com as bandas Soatá e Pret.utu. Em 2012, ela venceu o programa The voice Brasil, da Rede Globo.
RESISTÊNCIA
A negritude afrofuturista também está presente nos clipes das canções Corpura e Adinkras, recém-lançados pela banda paulista Aláfia – palavra que significa caminhos abertos. Desde 2011, o grupo paulista trabalha o encontro de rap, música de terreiro, MPB e funk.
Os orixás são referência para todas as faixas do disco Corpura (2013), o segundo do grupo. “Dentro da música africana cabe o mundo”, afirma Jairo Pereira, de 39, vocalista da Aláfia. “É terra abençoada, berço da civilização, força não só artística, mas da ciência, da tecnologia e da filosofia. Então, é natural que a presença dela se afirme”, acredita.
O balanço entre lamento e alegria, presente tanto no samba quanto no blues, remete à diáspora dos povos negros, observa Pereira. De um lado está o drama e a violência do exílio, de outro o hábito das culturas tradicionais de cultivar a gratidão ao cosmos, “vínculo muito bonito com a natureza, a mata e as águas”, explica. Esses aspectos se sobressaem na arte que trabalha com matrizes africanas.
Comungam com o afrofuturismo destaques da cena musical paulistana como Tássia Reis, Anelis Assumpção (filha de Itamar Assumpção), Emicida e Rodrigo Campos.
Os novos clipes da Aláfia, com argumento do vocalista Eduardo Brechó, foram produzidos e dirigidos por Aimê Uehara e Joana Scarpelini (Serafinas Filmes). Além de Brechó e Pereira, a banda reúne Xênia França (vocal), Alysson Bruno e Victor Eduardo (percussão), Lucas Cirillo (gaita), Pipo Pegoraro (guitarra), Gabriel Catanzaro (baixo), Gil Duarte (trombone e flauta), Filipe Vedolin (bateria) e Fabio Leandro (teclado).
Ecletismo
Surgido na década de 1960, nos Estados Unidos, o afrofuturismo está presente na música, moda e artes visuais. Ele engloba criações nascidas da soma de elementos high-tech, toques de ancestralidade e cosmologias africanas, história e ficção científica.“É o futuro projetado a partir da pessoa negra, que contribui para apresentar outro ponto de vista”, observa Fabio Kabral, de 35 anos, autor do romance Ritos de passagem. “O que vemos na TV e no cinema é o eurofuturismo apresentado como universal. Não é. Não existe o universal, mas vários universos que coexistem ou não. Não basta fazer um filme como Guerra nas estrelas só com um cara preto e pronto”, observa.