O Ministério da Cultura prepara para anunciar nesta terça-feira, em uma coletiva de imprensa na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio, o que deve ser seu último ato caso se confirme o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Chamada de "política de Estado para o setor da música", será a primeira ação coletiva dirigida ao segmento musical no País.
O Estado teve acesso exclusivo aos temas que serão tratados. Dentre as 42 ações, algumas não serão novidade, como as mudanças propostas pelo Procultura, o projeto que substitui a Lei Rouanet em tramitação no Senado, propondo maior equilíbrio nos investimentos, e o fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura, uma antiga briga da pasta. Outros devem ter maior impacto em um meio que aprendeu a fazer suas próprias leis para sobreviver em subsetores informais.
Serão assinadas duas Instruções Normativas (INs) sobre direitos autorais, o que acelera sua aplicação prática. Uma trata da gestão coletiva nos direitos ligados à reprodução, distribuição e execução pública no ainda obscuro ambiente da internet. A outra exige a informação das músicas usadas em projetos audiovisuais. Além das TVs abertas, que já fazem isso, as produções para cinema e canais por assinatura que usarem música nacional deverão informar em detalhes ao MinC sobre as obras e seus respectivos autores para que eles passem a ser ressarcidos.
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Os que tiverem um faturamento bruto anual de até R$ 120 mil terão acesso ao empréstimo. "Será uma fase de experimentação. Pode ser que haja demanda muito maior, ou que não seja totalmente usada", diz o secretário de fomento, Guilherme Varella.
O governo defende que as ações não são isoladas e que foram amarradas para atuarem em quatro eixos combinados: financiamento formação, regulação e pesquisa (com desenvolvimento e inovação). Mas como garantir que uma próxima gestão, de pensamento político adverso num ambiente de negações, manterá o que está sendo proposto? "Estamos fechando um ciclo.
Se houver impedimento da presidente, fica o conjunto de políticas para dar continuidade, já que o Estado brasileiro precisa dessa continuidade. Essa coisa de começar do zero sempre que ocorre algo é péssimo", diz o ministro Juca Ferreira. Francisco Bosco, presidente da Funarte, fala que a cobrança deverá ser feita pela sociedade. "O poder público tem o dever de fomentar o setor artístico." O MinC acredita que, depois do anúncio, a linha de crédito esteja disponível em até 30 dias.
Estudos da própria pasta mostram que a música é um dos potenciais econômicos mais desperdiçados pela inexistência de políticas públicas. O negócio de música gravada em 2015 colocou R$ 580 milhões em circulação (números da Associação Brasileira de Produtores de Discos), com um crescimento de 22,4% no meio digital. Mas a concentração de ganhos segue nas mãos das gravadoras (que possuem 85% do disco físico e 81% do digital). Mesmo abandonada a uma espécie de subinformalidade, a música acumulou nos últimos 10 anos um aumento de mais de 60% dos empregos formais. "A grande área no Brasil que precisa de incentivos para dar um salto é a música, que tem um papel muito mais forte do que o próprio audiovisual. Ela é mais presente na vida das pessoas", diz Varella. "Como o cinema, a música precisa de uma instituição, algo que mantenha essa política amarrada, como uma Casa da Música", conclui o secretário.
O ministro Juca Ferreira comentou o contexto em que acontece o que pode ser seu último anúncio caso a presidente Dilma perca o cargo.
O senhor vai anunciar linhas de crédito para a música. Seria uma alternativa à Lei Rouanet enquanto ela não é modificada?
Às vezes o músico precisa de poucos recursos para suas atividades. A ideia que vamos apresentar traz outras formas de apoio e de fomento.
Não existe uma falta de entendimento por parte da própria presidente? Dilma nunca falou de Fundo Nacional de Cultura, de Sistema Nacional de Cultura, de Procultura...
Eu vou te responder assim: já foi muito pior. Quando assumi, o MinC era simbólico, nunca tinha trabalhado com o conceito de política pública. Todas as famílias políticas no Brasil têm um déficit com relação à cultura, todos a subestimam. Apesar de tudo, temos avançado, mas ainda estamos longe de uma condição satisfatória no conjunto dos ministérios.
O senhor participaria do próximo governo?
Não porque eu não reconheço a legitimidade do (que seria o) próximo governo. Eu não poderia participar de um governo que fez uma ruptura no processo democrático.
Nem se fosse para defender uma política em que o senhor acredita?
A política está submetida, não acontece no vácuo.